Por Peter Doshi, The New York Times News Service/Syndicate

No outono de 2009, no auge dos temores perante a gripe suína, nosso grupo de pesquisa descobriu que a maioria dos dados de estudos clínicos do medicamento antigripal Tamiflu - dados que revelaram, de acordo com seu fabricante, que a droga reduziria o risco de internação, complicações graves e transmissão _ estavam indisponíveis, não publicados ou inacessíveis para outros pesquisadores. A partir do que era possível concluir segundo os limitados dados clínicos que tinham sido publicados em periódicos médicos, o medicamento contra a gripe mais amplamente utilizado e estocado do país não parecia ser mais eficaz que a aspirina.

Depois de publicarmos essa descoberta no British Medical Journal no final daquele ano, a fabricante do Tamiflu, Roche, anunciou que liberaria relatórios internos para sustentar suas alegações de que a droga era eficaz na redução das complicações da gripe. A Roche prometeu ceder acesso a dados de dez estudos clínicos, oito dos quais não tinham sido publicados uma década após a conclusão dos estudos, o que representa mais de 4 mil pacientes de todos os continentes, exceto a Antártida. Uma verificação independente dos dados parecia iminente. Porém, mais de dois anos depois, e apesar de várias solicitações, ainda não recebemos um único relatório completo de um estudo. Em vez disso, o fabricante publicou trechos dos relatórios, provavelmente uma porcentagem muito pequena do total de páginas (um pesquisador de nosso grupo, Tom Jefferson, foi perito em uma ação judicial relativa a algumas destas questões).

A Roche tem todo direito de agir assim. Afinal, os reguladores nunca exigiram que os fabricantes de medicamentos ou dispositivos médicos compartilhem seus dados com pesquisadores ou acadêmicos independentes. Eles são obrigados a apresentar as informações apenas aos próprios reguladores, que tratam os dados como segredo.

Alguns podem argumentar que, como a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) aprova medicamentos para o mercado dos EUA com base nesses dados, esse não é um motivo de grande preocupação. Mas o uso atual de medicamentos muitas vezes é motivado por pressupostos acerca da segurança e eficácia de medicamentos apresentados por artigos publicados em periódicos revisados por pareceristas (por vezes escritos por médicos afiliados aos fabricantes de medicamentos) e diretrizes de prática clínica que podem ser totalmente incompatíveis com a avaliação da FDA.

No caso do Tamiflu, algumas dessas supostas propriedades levaram à estocagem do medicamento às altas custas do contribuinte - mais de 1,5 bilhão de dólares. O FDA aprovou o Tamiflu para o tratamento contra a gripe (com base na ideia de que ele reduziria a duração dos sintomas de gripe para cerca de um dia); não para a prevenção da transmissão. Mas outras agências estão muito mais entusiasmadas com os benefícios do Tamiflu. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) afirmaram que ele reduz a duração das internações e complicações graves, como a pneumonia, citando documentos de autoria da Roche. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), também citando a Roche, presumiu em seu plano nacional contra a pandemia da gripe que o Tamiflu é capaz de reduzir as complicações. E o planejamento para o enfrentamento de pandemia da Organização Mundial da Saúde presumiu que o medicamento impediria a transmissão do vírus. Mas eis o problema: nenhuma dessas organizações examinou os dados originais provenientes das experiências.

A única agência dos Estados Unidos que parece ter examinado independentemente os dados dos estudos originais nunca fez essas afirmações. A conclusão do FDA - que exigia que a Roche a imprimisse sobre o rótulo do Tamiflu - é que o "Tamiflu não demonstrou evitar" complicações como infecções bacterianas graves (por exemplo, a pneumonia). Fica a impressão de que as agências federais, como o CDC e o HHS, em vez de realizarem uma avaliação independente do Tamiflu, defenderam sua estocagem referenciando alegações publicadas em periódicos pelo fabricante do medicamento, ignorando a avaliação do FDA de que essas mesmas alegações não eram comprovadas.

Por que as agências fariam isso? A confiança indevida no processo de parecer dos periódicos médicos provavelmente tem algo a ver com isso. Assim como boas intenções; na falta de boas alternativas, é tentador esperar que o medicamento de que dispomos faça maravilhas. E é importante lembrar que corrigir as declarações dos periódicos médicos ou agências de saúde pública extrapola a competência da FDA - quando se trata de medicamentos, a FDA é responsável pela regulação da indústria, não de outras agências governamentais.

Mas esse não é o modo como as decisões supostamente baseadas em evidências devem funcionar, e a FDA poderia fazer muito mais. Como resultado da recente abertura das políticas de informação na Europa, a Agência Europeia de Medicamentos, versão da FDA no Velho Mundo, publicou mais 22 mil páginas de relatórios da Roche sobre os estudos do Tamiflu. Mas mesmo isso representa um retrato incompleto, já que os trechos mais detalhados dos relatórios não estão nos arquivos da agência reguladora de drogas europeia.
No entanto, os dados indicam que o medicamento traz um benefício mínimo. De acordo com as conclusões da FDA, ele parece reduzir a um dia a duração dos sintomas da gripe, mas não encontramos nenhuma diminuição no risco de hospitalização e nenhuma evidência de que ele possa conter a propagação do vírus. O que é ainda mais preocupante: encontramos evidências sugestivas de que o Tamiflu se interpõe à capacidade de produção de anticorpos contra a gripe no organismo - o que pode vir a afetar a resposta do organismo à vacina contra a gripe e a capacidade de combater futuras infecções da gripe. Contudo, para fazer uma análise completa, incluindo a avaliação de danos potenciais do Tamiflu, precisamos do restante dos dados - o "relatório de estudo clínico" completo - prometido pela Roche, mas nunca liberado.

Em resposta às nossas conclusões, que foram publicadas em janeiro, o CDC defendeu sua posição citando mais uma vez análises da Roche. Esse não é o caminho por meio do qual a ciência médica deve progredir. O sigilo de dados é um desserviço àqueles que voluntariamente oferecem o corpo aos estudos clínicos, e é um perigo àqueles que estão sendo convidados a ingerir os medicamentos aprovados. Os governos precisam se tornar melhores administradores do processo científico. O fato de que a agência reguladora europeia anunciou a intenção de liberar relatórios de estudos clínicos após terminar de examinar o pedido de aprovação de um fabricante é um precedente importante. Mas a FDA - sem dúvida a principal entidade guardiã de dados de estudos do mundo - parece estar presa na era do sigilo de dados.

Não devemos esperar que pacientes sejam prejudicados pelos medicamentos que tomam, como aconteceu recentemente com o medicamento Avandia, contra diabetes, antes de revermos essa profusão de dados.

(Peter Doshi é pós-doutorando em pesquisa de eficácia comparativa da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Tom Jefferson é epidemiologista independente da Cochrane Collaboration, uma organização internacional de pesquisa sem fins lucrativos.)

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