O SEGREDO DA INVASÃO
ISLÂMICA
Diário do Comércio, 12
de março de 2007
Entre as perguntas a
que respondi no meu último programa True Outspeak (www.blogtalkradio.com/olavo ,
às 20h00 de segunda-feira), veio uma especialmente interessante do meu amigo
Nahum Sirotsky, correspondente da Zero Hora em Israel. A resposta que
dei resumia alguns estudos que estou fazendo para o meu livro A Mente
Revolucionária, motivo pelo qual meu aluno Sílvio Grimaldo houve por bem
transcrevê-la. Reproduzo-a aqui sem alterações, apenas levemente corrigida:
"Muito bem. A
dúvida do Nahum é a seguinte: Como é possível um movimento de envergadura
mundial sem um centro de comando, como se fosse uma coisa espontânea se
espalhando pelo mundo pela simples força do automatismo? De fato isso parece um
enigma.
E esse é um enigma que os comentaristas políticos e os analistas estratégicos
do Ocidente não vão entender jamais. Eles não têm a menor condição de entender
como é o processo profundo da guerra de civilizações, porque para isso seria
preciso estudar o Islam até às últimas fontes da espiritualidade islâmica, que
estão bem remotas da política diária. Então esse pessoal de formação mais ou
menos materialista – e mesmo o pessoal religioso – não têm, no Ocidente, uma
visão dessa profundidade, não conseguem conceber como é que funciona realmente
o Islam.
Eles vêm que existem mesquitas, que existe o culto popular, que
existem ali alguns funcionários das mesquitas, que são as lideranças religiosas
aparentes, e que existe, por outro lado, a estrutura dos Estados, mas,
procurando em tudo isso, eles não enxergam o centro. Para achar esse centro
você precisa cavar além da superfície.
Não se pode esquecer
que o Islam está povoado de taricas. Taricas são organizações esotéricas
estruturadas mais ou menos como ordens religiosas, que se dedicam a exercícios
espirituais em acréscimo às praticas rituais obrigatórias do Islam. São
práticas ditas supra-rogatórias, não são obrigatórias pela lei religiosa, são
uma devoção especial que o indivíduo faz se quiser.
As taricas remontam ao
próprio tempo de Maomé. Havia um grupo que se reunia para fazer recitações dos
nomes de Deus. Alguém perguntou a Maomé o que ele achava disso e ele disse que
eram excelentes pessoas, mas que estavam fazendo algo que não era obrigatório,
que eles mesmos tinham oferecido aquilo a Deus. Daí se originou uma multidão de
organizações esotéricas que se ramificam por todo o Islam.
Se você entra numa
mesquita e ali há mil pessoas, você pode ter certeza que pelo menos metade
delas pertence a alguma Tarica. As Taricas não se dedicam à atividade política,
mas elas são a fonte profunda da unidade espiritual e, portanto, cultural do
Islam. E evidentemente é lá que tudo começa.
"No Ocidente as
pessoas só percebem a guerra cultural quando ela se traduz em manifestações
públicas, quando se traduz numa expressão politicamente visível, mas na verdade
essa guerra começa muito antes, vindo de dentro das Taricas. As Taricas são
chefiadas por mestres espirituais chamados Sheikhs. Sheikh é um
título honorífico, que quer dizer apenas uma pessoa mais velha, mas na verdade
os sheikhs das taricas são como um cargo hereditário que é passado
não necessariamente para um filho, mas por uma herança espiritual, cada sheikhnomeia
o seu sucessor...
"A força que essas
organizações representam no Islam não tem nada de comparável no Ocidente. Mesmo
se você for investigar as sociedades esotéricas e secretas aqui, elas existem,
é claro, mas não têm essa profundidade, não têm, sobre a totalidade da
população, a autoridade espiritual tremenda que as taricas têm. [No Islam
shiita, a coisa é mais complicada ainda porque há outras redes de organizações
esotéricas, independentes das taricas, com uma filosofia messiânica própria.]
Então é dessas taricas [e similares] que vem o comando, mas não de uma maneira
direta. Não há um comando estratégico que diz 'faça isso' ou 'faça aquilo', mas
é dali que surgem as ideias e as tendências e, no plano das guerras espirituais
e culturais, evidentemente a ação provem das taricas.
Por exemplo, eu estou
seguro de que não é possível explicar a história do século XX, em absolutamente
nada, sem levar em conta a ação de enviados de organizações islâmicas que agem
no Ocidente há mais de um século exercendo uma influência muito sutil sobretudo
na elite intelectual. Antes de vir esse ataque por baixo, que é a imigração
[como arma de guerra cultural], essa agitação toda e o próprio terrorismo,
muito antes disso havia uma ação por cima, através da dissolução da elite
intelectual ocidental, [seguida pela] sua reorganização em termos islâmicos.
“Muita gente pode ter
ouvido falar do famoso Georges Gurdjieff, aquele líder espiritual armênio”. A
função do Gurdjieff no Ocidente foi simplesmente bagunçar a elite intelectual.
Quando Gurdjieff chega ao Ocidente, no começo do século, ele se apossa de inumeráveis
líderes intelectuais e simplesmente os destrói espiritualmente, os deixa
completamente desorientados, abrindo um rombo na carapaça da cultura ocidental
moderna, cientificista e materialista, abrindo as portas para a entrada da
influência oriental, que depois mais tarde se tornaria popular com o movimento
da Nova Era nos anos 60.
A Nova Era jamais teria
sido possível se Gurdjieff não tivesse aberto essa brecha meio século antes. Um
continuador dessa obra de destruição foi um indivíduo chamado Idries Shah, um
inglês de origem indiana, que prosseguiu o trabalho de decomposição da elite
intelectual ocidental num nível de profundidade que não chama a atenção dos
analistas políticos. Por que um analista político vai se interessar por
assuntos esotéricos, ocultistas, etc.? Há gente que se faz de superior a isso
justamente porque não entende – não entende a profundidade do efeito dessas
armas na guerra cultural.
“Ao mesmo tempo em que
as taricas mandavam esses agentes para fazer o serviço destrutivo, mandavam
outros para reconstruir, recolocar em ordem a cabeça dos intelectuais, [mas
agora] já em termos islâmicos”.
E nisso se destacaram duas pessoas, René Guénon
e Frithjof Schuon. Guénon é o sujeito que propõe já em substituição à cultura
européia uma construção integral baseada em doutrinas orientais [as doutrinas
oficiais da sua tarica]. Quando Guénon começou a falar dessas coisas por volta
de 1920, ninguém prestou a mais mínima atenção. Ele fez até uma conferência na
Sorbonne com o título de A Metafísica Oriental, havia umas dez pessoas lá.
Passados quarenta anos, o pensamento do Guénon era o dono, o proprietário
absoluto do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Paris,
proliferando a sua influência numa escala que, no começo, seria inimaginável.
“Aí é que está a guerra
cultural profunda, mas eu nunca vi algum analista ocidental, mesmo entre os
melhores – um Bernard Lewis, por exemplo – dar um tratamento a isso com a
profundidade que deve”.
"Por exemplo, o
Gurdjieff. Você tem vários movimentos artísticos no modernismo que dão a
impressão de ser criações puramente ocidentais, mas que não foram nada disso:
era o dedo do Gurdjieff que estava lá. Aqui nos EUA, por exemplo, o arquiteto
mais influente, que foi o Frank Lloyd Wright, o sujeito que revolucionou a
arquitetura americana, era um discípulo do Gurdjieff, obedecia a instruções
diretas dele. Gurdjieff conseguia criar estilos artísticos como quem preenche
um cheque, ele criava um atrás do outro. É um tipo de capacidade que as pessoas
normalmente não imaginam. Isso não quer dizer que eu goste muito desse
Gurdjieff não, mas tenho de reconhecer a sua força tremenda.
“Então é nesse nível,
da unidade espiritual da tradição islâmica, que se tem que encontrar a tal da
autoridade humana pela qual pergunta com muita razão o Nahum Sirotsky”.
"Mas, quanto mais
o tempo passa, mais vejo que a incapacidade de fazer as perguntas corretas é a
grande falha da classe falante: falam, falam, mas às vezes o problema está na
frente deles e eles nem percebem que existe o problema, não percebem a questão.
E, não fazendo a
pergunta, evidentemente não têm as respostas. Então, o mistério desse movimento
tremendo, avassalador, aparentemente sem cabeça, sem comando, que vai tomando
conta do mundo, até hoje não suscitou a pergunta correta porque as pessoas
procuram [uma resposta] no nível do comando político ou, no máximo, religioso
no sentido mais externo da coisa, e não no sentido do comando espiritual que
unifica uma civilização."
Ainda voltarei a este
assunto tremendamente complicado. Reproduzi a resposta só para dar ao leitor
uma primeira ideia de como as coisas que ele lê na mídia a respeito da invasão
islâmica são superficiais e incapazes de explicar os fatos.
Mas, por enquanto,
deixemos essas alturas e vejamos o que se passa na terra de Macunaíma.