| CAIR A FICHA
A expressão ainda é bastante popular, mas já não faz sentido, pela simples razão de que não se usa mais ficha para falar em telefone público. Agora é cartão.
Vale a pena contar um pouco de história. Desde 1930, os telefones públicos funcionavam com moedas de 400 réis. Veio a inflação, e galopante, o que fez com que, a partir dos anos 70, o governo preferisse a utilização de fichas. Só com elas seria possível acionar os chamados orelhões, equipamento urbano que virou figurinha fácil nas cidades brasileiras, embora vândalos e cafajestes, sem motivo algum, destruíssem boa parte deles, verdadeira estupidez.
Esse tipo de ficha só caía após ser completada a ligação, o que fez nascer a expressão cair a ficha, ou seja, o momento em que conseguimos entender alguma coisa. As fichas desapareceram em 1992 e deram lugar aos cartões, até hoje em vigor, mas a expressão continua sendo lugar comum em nosso quotidiano.
Os episódios de corrupção que se sucedem em catadupa revelam uma perversidade: o eleitor se ilude com as promessas dos candidatos. Engambelado, acredita que eles vão fazer o que prometem nas campanhas eleitorais. Vã quimera, douda ilusão. É quando cai a ficha: vem a decepção, a indignação, a revolta. Enquanto isso, os espertinhos se esbaldam mamando alto, esquecem solenemente tudo o que juraram com a mão sobre a Bíblia . . . |
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| DE MEIA-TIGELA Na linguagem popular, é coisa de pouco valor. A origem da expressão nos leva aos tempos da monarquia portuguesa. Nela, as pessoas que prestavam serviço à Corte – camareiros, pajens, criados em geral – obedeciam a uma hierarquia, com obrigações maiores ou menores, dependendo do posto de cada um.
Alimentavam-se no próprio local de trabalho e recebiam quantidade de comida proporcional à importância do serviço prestado. Assim, alguns comiam em tigela inteira, outros em meia-tigela, critério definido pelo Livro da Cozinha del Rey e rigorosamente observado pelo funcionário do palácio conhecido como veador, o comprador ou dispenseiro, aquele que supervisionava as iguarias que chegavam à mesa real – na verdade, o grande fiscal da comilança palaciana.
Hoje, essa odiosa discriminação deixou de existir, mas ficou o sentido figurado da expressão, que continua designando coisas ou pessoas irrelevantes no seu meio social, agora razoavelmente alimentadas pelo vale-refeição, tão em moda entre nós . . . |
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| DÓ RÉ MI Fá, sol, lá, si, eis as notas musicais. Por assim dizer, os insumos básicos para a composição de qualquer melodia.
Seu berço nos leva ao monge beneditino Guido D’Arezzo, que viveu de 995 a 1050. Mestre do coro da catedral de Arezzo, na Itália, ele deu nome às primeiras seis notas. Para isso, utilizou as sílabas iniciais dos versos de um hino latino a São João Batista que dizia assim: “Ut queant laxis/ Resonare fibris/ Mira gestorum/ Famuli tuorum/ Solve polluti/ Labii reatum./ Sancte Iohnnes.” Em português: “Ó São João, purifica os nossos lábios maculados a fim de que possamos celebrar, plenamente, os teus feitos maravilhosos”.
A história desse hino é curiosa. Seu autor, o italiano Paolo Diacono, depois de pegar um bruto resfriado e ficar afônico, implorou a São João que lhe fizesse voltar a voz e o pedido virou hino!
Os nomes das notas mantiveram sua forma primitiva até o século 17, quando foi acrescentada a sétima, si, pela junção das iniciais de Sancte Iohnnes. No século 18, a primeira mudou de ut paradó, mais sonora para ser cantada.
Por falar em música, lembremos o grande Artur da Távola: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”. . . |
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| DRIBLE DA VACA Antes de tudo, o berço da palavra drible. Vem do inglês dribbling, ato de driblar, gingar o corpo controlando a bola com o pé, enganar, ludibriar o adversário.
Você já viu jogo de futebol numa fazenda? Pois é, nele, quando menos se espera, uma vaca invade o campo e o jogador tem que dar o drible da vaca, ou seja, jogar a bola por um lado e sair correndo — da vaca . . . — pelo outro.
Foi o fenomenal Garrincha quem popularizou a expressão, pois ele, quando menino, era useiro e vezeiro em driblar vacas de Pau Grande — não se impressione, estou é falando do nome da cidade do Estado do Rio de Janeiro em que ele nasceu . . .
O mais célebre de todos os dribles da vaca foi o que Pelé aplicou no arqueiro uruguaio Mazurkievicz na Copa do Mundo de 1970, realizada no México. E com requinte adicional: nem tocou na bola, enriqueceu a jogada com um drible de corpo no goleiro!
Numa grande injustiça, essa obra-prima do futebol não teve final feliz: a bola não entrou, tirou tinta da trave! Mesmo assim, até hoje provoca assombro em quem revê o incrível lance do velho e fascinante esporte bretão. . . |
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| FAZER BOCA-DE-SIRI Vamos por partes, como diria o esquartejador. Boca vem do latim bucca e siri, esse crustáceo decápode, vem do tupi si’ri’, que significa correr, deslizar, andar para trás, segundo mestre Antenor Nascentes.
A expressão é empregada para designar aqueles que se mantêm discretos e reservados em relação a determinado assunto, que conseguem guardar segredo. Gente conhecida como moita.
Mas por que se diz que essa pessoa tão prudente faz boca-de-siri? É porque a boca do bicho dificilmente se abre, ele fica no mocó. Só não resiste ao puçá, a rede em formato cônico que o captura. Depois, vira saborosa iguaria e ninguém mais percebe, no prato, onde foi parar sua boca fechada... |
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| OS DIAS DA SEMANANo Império Romano septimana era a semana, ou seja, as sete manhãs, de origem babilônica. Os nomes dos dias aludiam aos deuses e a corpos celestes. O dia do Sol, dies Solis, o dia de Saturno,dies Saturni e os demais dedicados à Lua, dies Lunae, (segunda), a Marte, dies Martis, (terça), a Mercúrio, dies Mercurii, (quarta), a Júpiter, dies Iovis, (quinta) e a Vênus, dies Veneris, (sexta).
Com o tempo, a Igreja baniu os nomes pagãos dos dias, e oficializou as feiras. O domingo passou a ser dedicado a Deus, o dies Dominicus, dia do Senhor, e o sábado manteve o nome de sabbatum, derivado do hebraico shabbath, descanso, último dia da semana, consagrado pelo Velho Testamento. Mas por que as feiras, de segunda a sexta? É que nesses dias, no adro das igrejas, os agricultores medievais realizavam suas feiras e fechavam negócios.
O idioma português acompanhou o latim. Domingo é o primeiro dia da semana, segunda-feira o segundo, e assim por diante, até a sexta-feira.
Deuses, planetas e outros corpos celestes permaneceram designando os dias da semana em outros idiomas. Em inglês, domingo é o dia do Sol, Sunday, (sun, Sol) segunda é o da Lua, Monday(moon, Lua), mas os demais se originam da mitologia nórdica: a terça, Tuesday, day of Tiu, o dia de Tiu, deus da guerra; a quarta, Wednesday, day of Woden, dia de Woden, ou Odin, o deus correspondente a Mercúrio; a quinta, Thursday, day of Thor, o deus do trovão; e sexta, Friday,day of Frigg, a esposa de Woden.
Em francês e espanhol temos, respectivamente: a segunda, lundi e lunes, relativa à Lua; a terça,mardi e martes, relativa a Marte; a quarta, mercredi e miércoles, relativa a Mercúrio; a quinta,jeudi e jueves, relativa a Júpiter; e a sexta, vendredi e viernes, relativa a Vênus.
Isso, sem falar na nomenclatura dos dias e dos meses instituída pela Revolução Francesa, de que falaremos proximamente. Seja como for, homenageando o firmamento, as divindades, os agricultores ou as forças da Natureza, enquanto o mundo gira e os homens se engalfinham, o Sol continua criando vida e a Lua inspirando o amor . . . |
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| OVO DE COLOMBO Expressão muito conhecida. É aquilo que parece não ser possível fazer, mas se revela muito simples e fácil, depois de feito.
Seu berço está no nome de Cristóvão Colombo, o descobridor da América. A historinha, que nem todos conhecem, é a seguinte: de volta à Espanha como herói por haver descoberto o Novo Mundo, foi homenageado pelo cardeal Pedro Gonzalo de Mendonza com um lauto jantar. Nele, um fidalgo, ciumento e despeitado, menosprezou o feito de Colombo, garantindo que qualquer um poderia ter feito a descoberta, pois já era sabido que existiam terras a oeste. A essa crítica, Colombo evidentemente não poderia dar resposta imediata. Optou então por uma brincadeira cheia de significação: tomou um ovo, convidou todos os presentes a pô-lo de pé. Cada um tentou, mas em vão. Aí, Colombo quebrou a casca de uma extremidade do ovo e, pondo-o de pé, demonstrou com simplicidade como era fácil descobrir o caminho do Novo Mundo – depois que alguém já o tivesse feito. . .
Nascia a expressão ovo de Colombo, resultado prático de imaginação e inteligência, algumas vezes até com a ajuda do acaso como, aliás, foi a descoberta da penicilina por Alexander Fleming. No Brasil, quantos ovos de Colombo devem ser colocados em pé para enfrentar problemas aparentemente sem solução, mas que se resolvem sem precisar visitar supermercado ou granja. . . |
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| RISO AMARELO É o sorriso forçado, meio sem jeito, constrangido. O sentido da expressão tem, evidentemente, a ver com a origem da cor amarela, que vem do latim amarus, amargo, acre, difícil, com derivação para o hispânico amarellu, pálido. Em tempos idos e vividos, o vocábulo se aplicava aos doentes de icterícia, que ficam amarelos devido a alterações na bílis, secreção amarga produzida pelo fígado.
Mas o amarelo também simboliza coisas muito boas, a partir de sua afinidade cromática com o próprio Sol, fonte de vida. Antigamente, representava a cor atribuída aos deuses e ao poder dos reis, príncipes e imperadores, então considerados de origem divina. Em certas pinturas medievais, é a tonalidade de fundo para simbolizar a santidade dos retratados.
Segundo Goethe, “o amarelo é uma cor alegre, graciosa e terna”. Acrescentava, porém: “mas a mais leve mistura desvirtua-a e a torna desagradável”.
Quem exibe um riso amarelo nem de longe está pensando nesses aspectos históricos positivos, e muito menos pode ser considerado doente de icterícia. Quase sempre só abre a boca num meio sorriso por questão de educação porque no fundo, no fundo, está é pensando em chupar a carótida de seu interlocutor . . . |
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| TEMPO DO RONCA A expressão correta é do tempo do onça, não conheço registro para esse ronca. E quem era o onça? Era o governador da cidade do Rio de Janeiro Luís Vahia Monteiro, militar português que lá chegou em 1725. Muito ranzinza e severíssimo, ganhou esse apelido de onça do povão, que o odiava. Destituído do cargo 7 anos depois, sumiu das terras cariocas deixando um rastro de profunda antipatia e a lembrança de um tempo ruim, o tempo do onça . . . |
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| COLOCAR NO PREGO
A origem dessa expressão vem do fato de que nas antigas casas comerciais – tabernas, empórios, farmácias – existia um prego onde o comerciante espetava as contas de quem pedia para pagar depois. Quando o freguês retornava para quitar a dívida, o dono tirava os papéis do prego, somava os valores e cobrava. Quer dizer: colocar no prego é colocar no prego mesmo.
O famoso pindura, comprar fiado, pagar depois. Ainda hoje alguns comerciantes, que não gostam disso, exibem um cartaz bem visível que avisa: “Fiado só amanhã”.
Pendurar a conta é um costume dos alunos de Direito, que o praticam em algum restaurante sempre no dia 11 de agosto, sabe por quê? Porque foi no dia 11 de agosto de 1827 que D. Pedro I instituiu os primeiros cursos de Direito no Brasil – em Olinda, e em São Paulo, no Largo de São Francisco. Os estudantes eram endinheirados, tipo “mauricinhos”, e os donos de restaurantes, talvez para bajulá-los, não lhes cobravam as refeições.
O hábito virou rotina e algumas tradições devem ser respeitadas nesse dia, como o discurso feito por um dos estudantes declarando o pindura. Além disso, eles só pagam 10% da conta, a gorjeta do garçom – motivo pelo qual, fique sabendo, 11 de agosto é o Dia do Garçom!
Pindurar e colocar no prego faz lembrar um assalto ocorrido no famosíssimo restaurante Antonio’s, do Rio de Janeiro. Os ladrões entraram, levaram jóias e dinheiro e, quando iam saindo, a conhecida a pândega figura do jornalista Roniquito pediu, para todo mundo ouvir, que eles, antes de ir embora, levassem as contas penduradas no prego – para alegria de muitos frequentadores do bar, bebuns endividados . . . |