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Por Carlos I. S.
Azambuja
Quinta-feira Santa, 16
de abril de 1925, há uma multidão na praça da catedral Sveta Nedelya (Santa
Domência), em Sofia. Os curiosos se amontoam para assistir ao enterro
do general e deputado Konstantin Georgiev, assassinado na antevéspera, quando
atravessava, a pé, um dos vários jardins do centro da capital búlgara. Muitos
esperam ver também personalidades da vida pública e, quem sabe, até o rei Boris
III. O interior do amplo prédio religioso está lotado, a impaciência é geral e
se atribui o atraso do soberano ao fato de ter na véspera, escapado por pouco,
de um atentado que causou a morte de dois de seus guardas.
Às 15:23 uma grande
explosão ergue a cúpula da catedral, que desaba sobre os fiéis e projeta
fragmentos sobre a praça. Foram retirados cerca de 150 cadáveres, entre os
quais o do prefeito da capital, os de 34 oficiais superiores, quatro
jornalistas, dois advogados, um banqueiro e quatro arquitetos. Mas de 500
pessoas sofreram ferimentos, entre as quais o Primeiro-Ministro Alexandre
Tsankov, seus ministros da Defesa, do Interior e do Exterior. Quanto ao rei, em
48 horas acabara de escapar pela segunda vez da morte.
Esse atentado
terrorista, que permanece nos anais como o mais mortífero perpetrado na Europa
no início do Século XX, foi tramado e executado por militantes do Partido
Comunista Búlgaro (PCB), que agia, então, na clandestinidade. Os historiadores
do partido por muito tempo se recusaram a atribuir a paternidade dessa
carnificina ao PCB, que agia sob as ordens do Komintern.
O atentado à catedral
foi apenas o prolongamento de uma tensão política e social que ia num crescendo
desde o golpe de Estado de 9 de junho de 1923. Nessa data, diversos elementos
da chamada direita, sob a direção do jurista Alexandre Tsankov e
secundados por militares, terminaram de forma selvagem com a experiência do
governo dos agrarianistas que governavam o país de maneira autoritária.
Alexandre Stambolijski (1879-1923), líder carismático da União Agrária e
Primeiro-Ministro desde a derrota militar para a Alemanha, é brutalmente
assassinado. Em 24 de setembro de 1923, o PCB insufla uma insurreição chefiada
pelo búlgaro Giorgy Dimitrov, Secretário-Geral do Komintern e pelo também
búlgaro Vassil Kolarov, número dois desse organismo, rapidamente sufocada. Três
dias depois de irrompida a insurreição e sem esperar por seus desdobramentos,
Dimitrov e Kolarov fugiram para Viena, deixando o partido e a esquerda búlgara
à beira de uma feroz repressão.
Ao constranger o PCB a
ficar fora da lei, provocando, conscientemente, uma repressão que sacrificava
os comunistas e a esquerda, o Komintern procurava radicalizar a ação de
esquerdistas e comunistas, tornando-os mártires da grande causa bolchevique. O
governo de Tanskov, tentando recuperar a paz, em abril de 1924 decretou uma
anistia geral para os eventos de setembro de 1923, mas proibiu o funcionamento
do PCB. Mal libertados, os ativistas retornam às suas atividades subversivas e
o PCB se reorganiza na ilegalidade. Quando de sua Conferência Nacional,
realizada clandestinamente em 18 de maio de 1924, o partido, dos 38 mil membros
do ano precedente, tinha menos de 3 mil. A Conferência dividiu o país em cinco
regiões políticas e militares, por sua vez subdivididas em circunscrições e em
cantões, e unidades, companhias e “sextetos” de militantes armados se formam.
Dos dez membros que compõem o novo Comitê Central dois estão presos, um está
gravemente doente e Giorgy Dimitrov e Vassil Kolarov estão exilados em Viena,
em contato com o Komintern, do qual dependem totalmente.
De maio de 1924 à
primavera de 1925 os atentados se multiplicam. Grupos armados, geralmente
provenientes da Sérvia, circulam pelas montanhas praticando barbaridades. A
despeito do fracasso da insurreição de setembro de 1923, a linha
política do PCB continua em harmonia com a linha determinada pelo Komintern:
tomada do poder pela luta armada e insurreição.
O PCB se prepara para
uma insurreição prevista para meados de abril de 1925, e o atentado à catedral
de Sveta Nedelya (acima narrado) deveria marcar o seu início. Todavia, a
polícia havia interceptado uma carta do Komintern datada de 12 de março de
1925, dando instruções aos comunistas da circunscrição de Vratsa e assinalando
que os insurretos receberiam o apoio de 600 emigrantes procedentes da
Iugoslávia.
No que concerne ao
atentado de 16 de abril de 1925, as investigações posteriores estabeleceram que
a centralização dos explosivos e seu transporte para a catedral tiveram início
em dezembro de 1924. O militante Nicolas Petrov, encarregado de atear fogo aos
explosivos havia se apresentando, com o nome de “Vasko”, a Petar Zadgorski,
sacristão da catedral e simpatizante do partido. Preso, Petar Zadgorski
declarou que: “(...) Ele me disse: pensamos em assassinar uma
personalidade importante e, no momento do seu funeral, atearemos fogo aos
explosivos no sótão da catedral de forma a matar os ministros e o Rei (...) No
dia seguinte, fiquei sabendo que o general Georgiev havia sido assassinado e
Vasko me confirmou que era, de fato, a personalidade cujo funeral deveria
atrair para a catedral pessoas importantes, ministros e o Rei. Eu vou ficar no
sótão, disse ele, e você, quando todos os ministros e o Rei estiverem na
catedral, virá bater na porta para que eu acenda a mecha (...) Não
comente nada com ninguém, senão você é um homem morto (...) Eu bati
na porta antes da chegada do Rei, mesmo sabendo que os senhores ministros não
haviam, todos, chegado”.
De acordo com o
Ministério do Interior da época, 3.194 pessoas foram detidas, das quais 1.182
foram incriminadas, com 168 condenações à morte. No entanto, poucas sentenças
chegaram a ser executadas.
Assim, 20 anos antes de
tomar o Poder na Bulgária, o Partido Comunista, na qualidade de seção búlgara
da III Internacional, pode ser considerado como diretamente responsável pela
morte de centenas de compatriotas inocentes.
FIM DA PRIMEIRA GUERRA
Ao fim da I Guerra
Mundial, na Bulgária que fora uma aliada das Potências Centrais (Alemanha,
Áustria e Hungria) emergem dois partidos: a União Agrária e o Partido Comunista
Búlgaro. Os anos 1919-1923 são dominados pela experiência agrária. O União
Agrária, que se apóia nas massas camponesas, põe em prática reformas populistas
de forma autoritária. Quanto ao PCB, é oriundo do ramo radical e marxista do
Partido Social Democrata Búlgaro, fundado em 1891. Seus simpatizantes são
recrutados entre os operários de um proletariado que acabava de nascer, e
também nos meios intelectuais. Em agosto de 1918, já sob a denominação de
Partido Comunista Búlgaro, seção da III Internacional, ele recebe 18% dos
sufrágios legislativos, elegendo 45 deputados e tornando-se a segunda força
política do país.
Somente cerca de 10
meses depois do golpe de Estado de junho de 1923 é que o PC Búlgaro foi
proibido de funcionar e um ano depois, em virtude do atentado à catedral de
Sofia é que passa a sofrer uma selvagem repressão. Em 1927 os comunistas
emergem da ilegalidade, agora sob a sigla de Partido Operário Búlgaro (POB). Em
junho de 1931, em seguida às eleições, uma coalizão centrista toma o Poder e o
POB aproveita-se para consolidar suas posições. A coalizão mantém-se até 19 de
maio de 1934, quando é derrubada pelo golpe de Estado do movimento político Zveno,
que reúne principalmente militares antiparlamentaristas e opostos à monarquia.
Às vésperas de 9 de
setembro de 1944, a Bulgária se vê numa situação paradoxal, sem
qualquer aliado, está em guerra com todas as potências beligerantes, apesar de
nunca ter perpetrado nenhuma ação militar contra qualquer delas. O Exército
Vermelho entrara na Bulgária em 8 de setembro e encontra um país dispondo de um
exército, de instituições e de uma administração intactos, de forças sociais
estáveis, e de elites políticas e de uma intelligentzia preservadas,
assim como de um governo legal favorável aos Aliados. Na noite de 8 para 9 de
setembro de 1944, algumas unidades do exército da guarnição de Sofia, apoiadas
por alguns tanques, cercam o Ministério da Guerra onde se refugiava o governo e
o general Ivan Marinov, Ministro da Guerra, ordena a abertura das portas do
ministério para as tropas rebeladas que declaram a queda do governo e proclamam
a instauração de um governo de Frente Patriótica. Tudo isso sem um único
tiro.
O golpe de Estado leva ao Poder quatro formações políticas, entre as
quais o comunista Partido Operário Búlgaro.
Todos os países aliados
ao III Reich passaram por um expurgo após a derrota. O mais chocante porém, no
caso da Bulgária, é a rapidez e amplitude do expurgo que se abate sobre todo o
país desde as primeiras horas da tomada do Poder pelos comunistas e seus aliados.
No decorrer do mês de setembro e de maneira sistemática, cidadãos são
sumariamente executados por grupos armados ou desaparecem sem deixar vestígios
depois de terem sido apanhados em plena rua ou em suas casas. Apesar do tempo
decorrido, o número dessas vítimas ainda não pôde ser determinado, uma vez que
os documentos referentes a esse período continuam a ser classificados como
“secretos”. Varia entre 138 mil pessoas desaparecidas ou massacradas sem
julgamento, de acordo com as declarações da rainha Joana, em 1946.
Esse expurgo
selvagem foi, no entanto, deliberadamente organizado. Na Circular nº 5, de 12
de setembro de 1944, o Comitê Central do PCB ordena que todas as organizações
do partido “produzam um expurgo rápido em todo o aparelho do Estado e liqüidem,
sem falhas e de maneira enérgica, todos os ninhos de resistência fascista”. O
Secretário Político do Comitê Central, Traitcho Kostov, afirma: “Ele (o
expurgo selvagem) foi conduzido por nossas troikas executivas”.
Em 12 de setembro de
1944, três dias após sua entrada em função, um dos primeiros cuidados do
Conselho de Ministros foi decretar:
“A prisão:
1. De todos os
ministros dos diferentes gabinetes búlgaros desde 1 de janeiro de 1941 até 9 de
setembro de 1944;
2. De todos os
deputados que apoiaram, com seus votos, os gabinetes supracitados;
3. De todos os
militares que, por seu comportamento, levaram o país à beira da catástrofe;
4. De todas as pessoas
que, como consequência da política perpetrada pelos gabinetes supracitados,
ordenaram, encorajaram ou executaram mortes, incêndios, pilhagens ou torturas”.
No mesmo dia, esse
decreto ministerial é duplicado pela Circular nº 5, do Comitê Central do PCB,
que se dirige às células do partido. A Circular estipula:
“Não se devem pôr
entraves às atividades revolucionárias das massas, que mostram ser o apoio mais
eficaz do novo partido popular”.
Em 1946, o Ministro da
Justiça afirmou que em seu país havia 200 criminosos de guerra. Entretanto, das
28.630 pessoas detidas até dezembro de 1944, 11.122 foram levadas aos 135
tribunais populares sem que se conheça o destino das restantes. Em 5 meses de
atividades, as diferentes jurisdições pronunciam 9. 155 condenações, das quais
1.305 à prisão perpétua e 2.370 à pena capital. Entre os condenados à morte
estão 3 regentes, 22 ex-ministros, 67 deputados, 8 conselheiros do Rei e 47
oficiais superiores. Em 2 de fevereiro de 1945, pouco depois da meia-noite, 5
caminhões levam para o cemitério central de Sofia, 91 desses condenados. Ali,
amontoados numa cratera de bomba, eles são executados pelo fogo cruzado de 4
metralhadoras e enterrados em valas comuns e anônimas.
Apesar das posições
cada vez mais sólidas graças ao terror, aos tribunais populares, aos expurgos
no aparelho do Estado, do esquadrinhamento feito no país pelas organizações do
PCB e, por ultimo, apesar da presença cúmplice do exército soviético de
ocupação, o novo Poder não parou o massacre. Em 6 de dezembro de 1944, o
ministro do Interior, Anton Iugov, propôs ao Conselho de Ministros um
decreto-lei organizando “comunidades de educação para o trabalho” e, em 20 de
dezembro, o governo autoriza a criação de dois tipos de campos. O primeiro,
destinado aos direitos comuns – elementos antissociais, prostitutas,
reincidentes, adeptos de jogos de azar, desocupados e mendigos. O segundo,
reservado às pessoas consideradas “politicamente perigosas”.
O primeiro campo foi o
de Sveti-Vratch, onde, em abril de 1945, “trabalhavam” 1.622 pessoas. Outro
campo, o de Rositsa, contava com 893 detentos naquela mesma época. O prazo de
detenção, nos 86 locais de detenção administrativa que era inicialmente de 6
meses, chegara a 7 anos, mais tarde. Ao longo do período comunista na Bulgária,
estima-se que 23.531 pessoas foram “pensionistas" desses “campos de
trabalho” de 1944 a1962, das quais 2.089 mulheres.
Longe de cessar, após a
morte de Stalin, em 1953, a repressão política apenas diminuiu de
intensidade. O aparelho repressivo foi inteiramente mantido durante o domínio
do cunhado de Giorgy Dimitrov, Valko Tchervenhov, e só foi encerrado em 1956,
com a desestalinização de Kruschev no XX Congresso do PCUS. Na ocasião, a
estrela em ascensão no regime búlgaro era um certo Tidor Jivkov, obscuro
secretário do PCB. Nomeado para esse posto em 1954 com o apoio da nova equipe
que passou a ocupar o Kremlin, ele soube conservar seu poder com a habilidade
de um camponês ardiloso por 35 anos. Isto é, até a sua demissão forçada em 10
de novembro de 1989, um dia depois da queda do Muro de Berlim.
Nesses 35 anos de
coexistência pacífica, a máquina comunista, suficientemente rodada, não tinha
mais necessidade de devorar suas vítimas com a máxima urgência. Para manter o
regime em velocidade de cruzeiro, bastava aplicar, de acordo com o momento e
com a necessidade, num tecido social cada vez menos resistente, “toques
cirúrgicos” ou “punções homeopáticas” corretivas. Uma nova geração de agentes
da Segurança do Estado, oriundos das universidades e das escolas de informação,
chega ao mercado.
Os membros dessa nova “elite” acabam por se considerar como
“engenheiros da alma”, e não é raro, para eles, pedirem àqueles a quem devem
condenar pra lhes serem gratos, pois sua prisão lhes poupa de cair no
precipício para o qual os arrastam seus crimes. O pobre tipo, estupefato por
estar sendo acusado de conspiração contra o Estado ou de espionagem para uma
potência estrangeira, se assegura quando lhe explicam que é corriqueiro e
normal cometer tais crimes de maneira inconsciente e que, precisamente, a nobre
função do agente de segurança é lhe revelar suas próprias infâmias. Em suma, a
Segurança do Estado é uma obra caritativa que exerce sua dura, mas sã terapia
na sociedade.
O estudo do comunismo
na Bulgária está ainda em seu início. Se as publicações de testemunhos são
numerosas, sua decifração e sua análise por parte dos historiadores ainda estão
por fazer. Para sua sobrevivência material, boa parte dos búlgaros teve de atar
compromissos com o regime. Com a lei aprovada pelo novo Parlamento em abril de
2002, que mais uma vez priva o cidadão do direito de acesso a seu dossiê da
ex-Segurança do Estado, assistimos a um retrocesso sem que isso suscite
qualquer emoção particular na sociedade.
Em 1 de janeiro de
2007, 17 anos após a implosão do comunismo no país, a Bulgária foi admitida
como membro da União Europeia.
O texto acima é um
resumo da matéria em epígrafe, escrita por Diniu Charlanov, Liubomir Ognianov e
Plamen Tzvertkov, publicada nas páginas 315 a 365 do livro “Cortar
o Mal pela Raiz! História e Memória do Comunismo na Europa”, diversos autores
sob a direção de Stéphane Courtois, editora Bertrand do Brasil, 2006.
Carlos I. S. Azambuja é
Historiador.
HISTÓRIA BÚLGARA
O primeiro estado
búlgaro formou-se ao final do século
VII. Nos séculos seguintes, entrou em guerra contra
o Império Bizantino por diversas vezes para garantir
a sua existência. Porém, não logrou resistir à invasão do Império
Otomano, ocorrida ao final do século
XIV.
A Bulgária recuperou
sua independência em 1878, como um Principado Autônomo,
e sua independência total foi proclamada em 1908. Pouco tempo
depois, nos anos 1912 e 1913, envolveu-se na Guerra dos Balcãs. Durante a Primeira Guerra Mundial e, mais tarde,
na Segunda Guerra Mundial, combateu ao lado das
nações que vieram a ser derrotadas no conflito.
Finalizada a Segunda Guerra Mundial, ficou sob a
influência da União Soviética e tornou-se uma república popular em 1946. O governo
comunista encerrou-se em 1990, quando o País teve eleições com a participação de diversos
partidos.
A Bulgária faz parte da OTAN desde 2004 e aderiu à União
Europeia em 2007.
RELIGIÃO
Em 2011, conforme o
censo, a maioria da população da Bulgária era seguidora do Cristianismo
Ortodoxo, com 59,4% dos búlgaros a identificar-se com esta religião. 7,8% são
muçulmanos, 1,7% declararam outras religiões e 3,7% não possuem religião. 27,4%
dos búlgaros optaram por não responder sobre a religião.
Esses camaradas são os maiores propagadores do comunismo no mundo (aqui)
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