Por Stuart P. Green, The New York Times News Service/Syndicate
O Departamento de Justiça dos EUA está construindo seu caso contra o Megaupload, o popularíssimo site de compartilhamento de arquivos que foi indiciado, no começo deste ano, por diversos casos de violação de direitos autorais e crimes relacionados. Os servidores da empresa foram desligados, seus bens confiscados e altos funcionários detidos. E, como habitual em casos desse tipo, os promotores e seus aliados nas indústrias da música e do cinema tentaram evocar a linguagem do "furto" e "roubo" para enquadrar os processos _ e presumivelmente obter a superioridade moral.
O Departamento de Justiça dos EUA está construindo seu caso contra o Megaupload, o popularíssimo site de compartilhamento de arquivos que foi indiciado, no começo deste ano, por diversos casos de violação de direitos autorais e crimes relacionados. Os servidores da empresa foram desligados, seus bens confiscados e altos funcionários detidos. E, como habitual em casos desse tipo, os promotores e seus aliados nas indústrias da música e do cinema tentaram evocar a linguagem do "furto" e "roubo" para enquadrar os processos _ e presumivelmente obter a superioridade moral.
Sejam quais forem os
erros do Megaupload, porém, é pouco provável que o roubo esteja entre eles.
Desde seus primeiros
dias, o crime de roubo sempre foi entendido como a apropriação indevida de
coisas reais e tangíveis. Para que João "roube" de seu vizinho José,
é necessário que ele pegue algo de valor de José _ e que este deixe de possuir esse
objeto. Todos reconhecem, pelo menos intuitivamente, que o roubo constitui um
jogo de soma nula: o que João ganha, José perde.
Contudo, quando João e
José da era industrial começaram a inventar coisas menos tangíveis, como
eletricidade, ações, títulos e licenças, as coisas ficaram mais complicadas. O
que João pega, de certa forma José continua possuindo. E assim a lei se
adaptou, por vezes de maneira inconsistente. Doutrinas especializadas
foram desenvolvidas para cobrir a apropriação indevida de serviços (como uma
passagem de trem), semitangíveis (como o gás das luminárias de rua) e
verdadeiramente intangíveis (como o fundo de comércio de uma empresa).
Na metade do século XX,
os reformadores das leis criminais estavam tão incomodados com toda essa
especialização que decidiram fazer algo a respeito.
Em 1962, o respeitado
American Law Institute lançou o Código Penal Modelo, resultando no confuso
estado das lei de roubo que temos hoje.
Numa ruptura radical de
leis anteriores, o código definia "propriedade" como "qualquer
coisa de valor". Dali em diante, já não importaria se a propriedade
desviada era tangível ou intangível, bem móvel ou imóvel, mercadoria ou
serviço. Todas essas coisas agora seriam tratadas uniformemente.
Em pouco tempo, o
código formaria a lei criminal que praticamente todos os estudantes de direito
dos EUA aprenderiam. E quando esses novos advogados fossem trabalhar no
Capitólio, no Departamento de Justiça ou em outros lugares, eles teriam aquela
visão de roubo na cabeça.
Então veio a
tecnologia.
Com bens intangíveis
como informações, patentes e materiais protegidos desempenhando um papel cada
vez mais importante na economia, advogados e lobistas das indústrias do cinema
e da música _ e seus aliados no Congresso e no Departamento de Justiça _ buscaram
empurrar o conceito de roubo para além do princípio básico da soma nula. Mais
cedo neste ano, por exemplo, eles propuseram duas importantes leis baseadas na
noção de que download ilegal é roubo: a Lei de Proteção à Propriedade
Intelectual (PIPA) e a Lei de Combate à Pirataria Online (SOPA).
A mesma estratégia
retórica foi usada (com um sucesso levemente maior) pela indústria do cinema,
em sua irritante campanha criada para persuadir os jovens de que o download
ilegal é roubo. Aparecendo antes do conteúdo em inúmeros DVDs, o aviso da
Motion Picture Association of America trazia uma trilha pulsante e um
raciocínio superficialmente lógico:
Você não roubaria um
carro.
Você não roubaria uma
bolsa.
Você não roubaria um
telefone celular.
Você não roubaria um
DVD.
Baixar filmes piratas é
roubo.
Roubo é crime.
Pirataria é crime.
O problema é que a
maioria das pessoas simplesmente não aceita a alegação de que baixar um filme
pirata da internet é o mesmo que roubar um carro. Segundo uma série de estudos
empíricos, incluindo um conduzido por mim e meu colaborador em psicologia
social, Matthew Kugler, observadores leigos traçam uma nítida distinção moral
entre o compartilhamento de arquivos e o roubo genuíno, mesmo quando o valor da
propriedade é o mesmo.
Se João baixar ilegalmente
uma música de José na internet, é crucial reconhecer que, na maioria dos casos,
José não perdeu nada. Sim, alguém pode argumentar que usar propriedade
intelectual sem pagar significa roubar o dinheiro que seria pago ao comprá-la
pela lei. Mas existem dois problemas básicos com essa alegação. Primeiro, não
temos como saber se quem baixou o arquivo teria pagado seu valor de compra caso
decidisse pela não desapropriação. Segundo, o argumento pressupõe a própria
conclusão que está sendo argumentada _ a de que isso é roubo.
Então quais são as
lições em tudo isso? Para começar, precisamos parar de tentar encaixar o
problema do download ilegal (um problema do século XXI) num regime moral e
legal que foi desenvolvido tendo em mente uma economia de meados do século XX.
Depois, devemos reconhecer que a lei criminal é menos eficaz _ e menos legítima
_ quando está em desacordo com instituições legais amplamente aceitas.
O download ilegal é,
obviamente, um problema real. Pessoas que trabalham duro para produzir obras
criativas merecem ter uma proteção legal para colher os benefícios de seu
trabalho. E se outros desejam desfrutar dessas obras criativas, é natural
fazê-los pagar pelo privilégio. Contudo, enquadrar o download ilegal como uma
forma de roubo não funciona _ e provavelmente nunca funcionará. Estaríamos em
melhor situação se usássemos uma série de conceitos legais que se encaixam mais
adequadamente no problema: conceitos como uso não autorizado, transgressão,
conversão e desapropriação.
Essa não é apenas uma
questão de nomenclatura. O rótulo que aplicamos aos atos criminais possuem uma
importância crucial em termos de como os concebemos e estigmatizamos. O nome
que atribuímos a um dado tipo de crime, no fim, determina como ele é formulado,
classificado e _ talvez o mais importante _ como ele será punido. Tratar
diferentes formas de privação de bens como crimes diferentes pode parecer
confuso, mas essa é a natureza da lei criminal.
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Osvaldo Aires Bade
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