quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

EDUCAÇÃO/POLÍTICA - Froebel e Pestalozzi
16/11/2007


"por Paulo Ghiraldelli Jr."

O final do século XVIII foi um momento de grande agitação no mundo europeu. As idéias iluministas tomaram conta de uma boa parte da população letrada. Em certa medida essas idéias colaboraram com a Revolução Francesa (1789). E é nesse contexto que viveu dois homens que revolucionaram a história da educação. Com suas criações e inovações, deixaram uma grande marca no campo da pedagogia. Esses dois pedagogos foram Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Friedrich Froebel (1782-1852). Neste trabalho mostrarei um pouco sobre esses dois autores, suas vidas e trabalhos educacionais (I); apresentarei, segundo Manacorda e Ponce, o que seriam os aspectos “conservador” e “progressista” nos dois educadores (II); Snyders me ajudará a falar sobre o que pode ser alinhado às pedagogias “nova” e “tradicional” nas obras de ambos (III). Ao final, farei alguns comentários avaliativos sobre suas pedagogias (IV).

I) Pestalozzi nasceu na Suíça. Seu pai faleceu quando ele tinha apenas cinco anos e deixou para a família, que era composta por três crianças e a mãe, uma herança insignificante. Sua mãe, com a ajuda de uma criada, passa a dedicar-se inteiramente à educação dos filhos. Sua maior influência educacional veio da convivência, já na juventude, com seu avô André, pastor de uma pequena aldeia. Comovido com a pobreza dos outros, com qual convivia desde criança, achou que a profissão de pastor era sua vocação verdadeira, mas abandonou a idéia após o fracasso do seu primeiro sermão. Tornou-se agricultor, casou-se, teve um filho, e este nascimento aguçou ainda mais a idéia de ajudar os pobres. Em relação as suas experiências educacionais há historiadores que avaliam que “Pestalozzi deveria receber um prêmio como recompensa por ser o campeão dos fracassos bem sucedidos”. (Eby, 1978, p. 399). Seu último e maior fracasso aconteceu no Instituto de Yverdun, pois devido ao grande sucesso de sua escola, ela se tornou um local muito visitado, grande e complexa demais para o espírito de lar – exclusivamente uma pequena comunidade familiar – almejado por ele.

Froebel nasceu na Alemanha, no ano em que Pestalozzi publicou sua primeira obra famosa Leonardo e Gertrudes, que o tornou bastante conhecido. A mãe de Froebel faleceu quando ele tinha apenas nove meses de idade. Essa perda, segundo ele, determinou, mais ou menos, as circunstâncias externas de toda sua vida. Aos dezessete anos, ao visitar seu irmão na Universidade, acabou permanecendo lá por alguns meses. Após abandonar a Universidade, foi dar aulas de desenho em uma escola normal, onde reconheceu sua vocação no trabalho pedagógico. Durante três anos, entre 1807 e 1810, esteve com seus pupilos na escola de Pestalozzi. Froebel tinha vinte e cinco anos, e Pestalozzi sessenta e um. Esse contato criou as inspirações para as futuras idéias pedagógicas de Froebel. A sua maior contribuição educacional foi a criação do primeiro jardim de infância. Dedicou-se à formação de professores, elaboração de métodos e criação de aparelhagens. Infelizmente, faleceu sem ver os jardins de infância em funcionamento, pois esses foram proibidos por serem considerados como politicamente radicais.
A revolução Francesa produziu um efeito extraordinário em Pestalozzi. Ele iniciou sua “atividade política e social, associando-se a uma sociedade patriótica liberal, depois dissolvida pelo governo” (LUZURIAGA, 1984, p. 174). Influenciado pelas idéias de Rousseau sobre a natureza, dedicou-se à agricultura, e montou, em sua primeira experiência educacional, uma escola ativa, ou do trabalho, onde se trabalhava e educava ao mesmo tempo. Suas idéias foram de grande importância e repercussão na pedagogia moderna, sendo considerado como um dos pioneiros da escola nova (HUBERT, 1976, p. 125). As capacidades humanas, para Pestalozzi, revelavam-se no cultivo integral e harmonioso de três atividades, “espírito, coração e mão”, ou seja, intelectual, moral e prática.

Rousseau
Os princípios educacionais de Pestalozzi, segundo Eby (1978, p. 401-02), são:

1- Fé indomável e contagiante na educação como o meio supremo para o aperfeiçoamento individual e social.

2- Psicologização da educação.

3- Fundamentação da educação no desenvolvimento orgânico mais do que na transmissão de idéias.

4- Pesquisa sobre as leis fundamentais do desenvolvimento.

5- Educação começa com a percepção de objetos concretos.

6- Conhecimento como aquisição gradativa de poder.

7- A religião é mais profunda que dogmas ou credos, ou a memorização do catecismo ou das Escrituras.

8- Emprego das letras do alfabeto presas a cartões e introdução da lousa e do lápis.

9- A disciplina baseia-se na boa vontade recíproca e na cooperação entre aluno e professor.

10- Estudo da educação como ciência.

Mas Pestalozzi não escapa das críticas ao seu método educacional. Entre elas estão “excessiva importância do método como agente supremo e universal de educação; falta de uma concepção da escola pública nacional e certa limitação de suas idéias sobre as classes sociais e sua educação separada” (LUZURIAGA, 1984, p. 179).
Segundo Luzuriaga (1984, p. 2001), “Froebel também se antecipou em outras idéias hoje comuns ao nosso tempo”. Ele foi o criador dos jardins de infância, que denominou kindergarten (nome que vem da idéia de que as crianças são pequenas plantas criadas num jardim, sob o cuidado do professor). As idéias de atividade, de liberdade, importância do jogo, linguagem como primeira forma de expressão, brinquedo como auto-expressão, desenho, ritmo e atividades em maturação, são pioneiras e mudaram para sempre a formação da pedagogia infantil. Além de escrever sua pedagogia, também criou os brinquedos que deveriam ser usados no ensino às crianças. A estes deu o nome de “dons”. Atribuiu também grande importância à introdução de histórias, mitos, lendas, contos de fada e fábulas – ele percebeu que essas atividades despertavam um interesse pelo passado, e uma noção de tempo e história – e aos símbolos, que observou ser uma atividade espontânea da criança.

Suas contribuições permanentes, segundo Eby (1978, p. 458), são:

1- A educação deve se basear na evolução natural das atividades da criança.

2- Todo desenvolvimento verdadeiro provém de atividades espontâneas.

3- O brinquedo é um processo essencial da educação inicial.

4- A atividade construtiva é o principal meio para integrar o crescimento de todos os poderes: físico, mental e moral.

5- Só ela pode harmonizar a espontaneidade com o controle social.

6- Os currículos das escolas devem estar baseados nas atividades de interesses que são nascentes em cada fase da vida infantil.

7- A humanidade ainda está em processo de desenvolvimento e a educação é o meio essencial para a evolução futura.

8- O futuro desenvolvimento da raça depende essencialmente da educação das mulheres.

9- O saber não é um fim em si mesmo, mas funciona relacionando com as atividades do organismo.

Mas o funcionamento dos jardins de infância, na Alemanha, foi proibido. “A situação política da Alemanha, de caráter marcadamente reacionário após a Revolução de 1848, julgou perceber na obra de Froebel, idéias socialistas e atéias” (LUZURIAGA, 1984, p. 200).

II) Para avaliar o caráter político das idéias pedagógicas, utilizarei dois historiadores marxistas da educação, que avaliando Pestalozzi e Froebel, fazem a distinção entre “progressista” e “conservador”.

Segundo Manacorda (1989, p. 261), a função de Pestalozzi foi de “um democrata (…) que sofreu as oposições dos conservadores contra suas iniciativas humanitárias e inovadoras”. Sua vinculação ao pensamento de Rousseau fica claro através de citações que Manacorda escolhe propositalmente, como a de que “por mais fraca que possa ser a natureza humana (…) há na criança uma força cuja origem está bem longe de qualquer tentação ou corrupção”, escrita na carta de 12 de dezembro de 1818 ao inglês Greaves, publicada em Mãe e filho (p. 262). “A natureza, enquanto humana, é semelhante em todos os homens, e como ele [Pestalozzi] pretende que seja desenvolvida em todas as suas faculdades, assim também pretende que seja desenvolvida em todos os homens” (p. 266). Rousseau defendia que “essa ‘desigualdade’ não é ‘natural’, não decorre da Natureza – pois naquela época se falava assim – do próprio Homem. Ela decorre da história dos homens das relações múltiplas que entre eles se estabeleceram e que provocaram, como produtos derivados, uma porção de males tais como: A miséria e a opulência, o poder de um lado e, de outro, os pobres desditados; os governantes, de um lado, e, de outro, os pobres governados” (FORTES, 1985, p. 67). Essa idéia da bondade natural da criança, leva Manacorda (p. 263) à conclusão de que “bastavam afirmações desse gênero para pô-lo em suspeita perante os conservadores, para os quais qualquer valorização da criança significava uma valorização das classes ‘inferiores’”. Já para Ponce (1985, p. 143),

Pestalozzi apresentava um caráter conservador. [Ele] admitia que existiam tantos homens e tantas educações quanto classes, e como a ordem social havia sido criada por Deus, o filho do aldeão deve ser aldeão, e o filho do comerciante, comerciante. (…) Ele nunca pretendeu outra coisa a não ser ‘educar os pobres para que estes aceitassem de bom grado a sua pobreza’. Segundo Manacorda (1989, p. 300), a terminologia “autoritária e conservadora ou democrática e progressista, não se apresenta de modo igual nos vários países”, mas respeitado isso ele se arrisca em mantê-la para avaliar Froebel. Se algumas premissas místico-idealistas de Froebel poderiam parecer conservadoras, esta não é a opinião de Manacorda a respeito dele em relação a sua contribuição para “o progresso da ciência da prática pedagógica”. Quando suas escolas foram reabertas, sua discípula Berta von M. Bülow, difundiu as idéias de multiplicação dos jardins de infância. Encontrou seguidoras na Itália, “às quais o novo Estado liberal e o progresso geral permitiam finalmente aparecer em primeira pessoa no cenário da iniciativa sócia, embora só no âmbito da educação da primeira infância”.

III) Froebel e Pestalozzi podem ser vistos como não tradicionais, ou mesmo como pré escolanovistas se levarmos em conta a maneira como Snyders apresenta a “escola tradicional” e a “escola nova”. Há três divergências básicas entre “escola nova” e “escola tradicional” apresentados por Snyders que podem orientar a avaliação dos trabalhos de Froebel e Pestalozzi. 1- A questão do jogo na escola tradicional “não tem outro motivo senão o desejo de realizar uma prova, de cometer uma proeza…” (1974, p. 34). 2- “O castigo prova que o aluno não conseguiu manter-se ao nível do que se pedia (…) deixando-se arrastar pelo capricho individual e recaindo numa espécie de situação pré-escolar” (p. 36). 3- “A escola peneira o real para ele não deslumbrar os olhitos frouxos da criança” (p. 38). Para Froebel, “o jogo apresentaria uma conotação mais grupal, e estaria desenvolvendo também as questões morais e reforçando-as como necessárias para se conviver com os outros em harmonia” (ARCE, 2002, p. 192).Na escola de Pestalozzi, em geral, não havia punições. “Os mestres estavam proibidos de punir qualquer menino e para castigo corporal recorria-se a ‘Pai Pestalozzi’, somente em casos extremos” (EBY, 1978, p. 381). Froebel e Pestalozzi acreditavam que o ensino deveria ter ligação com a realidade da criança. O primeiro “não estava interessado na transmissão do conhecimento que não tivesse significado direto para a vida” (EBY, 1978, p. 447). E o segundo afirma que “a aprendizagem na mocidade deve ser um processo espontâneo, um resultado de atividade livre, um produto vivo e original” (GREEN, 1913, p. 348-49 apud EBY, 1978, p. 387)IV

Através da minha leitura da obra de Pestalozzi e Froebel, entendo que ambos se inspiraram na educação que receberam, em seus aspectos positivos e negativos; suas obras são reflexos de suas aprendizagens e dificuldades. Seus objetivos educacionais remetem para fins diferentes. O primeiro acreditava que com sua teoria e prática educacional pudesse mudar a terrível condição do povo; são dele as palavras “vivi como um mendigo para aprender como fazer os mendigos viverem como homens” (PESTALOZZI, 1894, p. 213 apud EBY, 1978, p. 383). O segundo, que “a educação deve conduzir e guiar o homem à clareza e ao respeito de si mesmo e em si mesmo, à paz com a natureza e à unidade com Deus” (FROEBEL, 1892, p. 4-5 apud EBY, 1978, p. 444). Em poucas palavras, ambos lutavam pelo pleno desenvolvimento do homem, que para Pestalozzi era o trabalho em prol dos pobres e órfãos, e para Froebel era o trabalho em prol das crianças.
Referências:

ARCE, Alessandra. A pedagogia na “era das revoluções”: uma análise do
pensamento de Pestalozzi e Froebel.Campinas: Autores Associados, 2002.
EBY, Frederick. História da Educação Moderna: teoria, organização e práticas
educacionais. Trad. Maria Ângela Vinagre de Almeida, Nelly Aleotti Maia e
Malvina Cohen Zaide. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1978.
FORTES, Luiz R. Salinas. O iluminismo e os reis filósofos. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
HUBERT, René. História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasco Penna e J. B.
Damasco Penna. 3. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1976.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. Trad. Luiz
Damasco Penna e J. B. Damasco Penna. 15. ed. São Paulo: Ed. Nacional,
1984.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos
nossos dias. Trad. Gaetano Lo Monaco. São Paulo: Cortez, 1989.
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. Trad. José Severo de Camargo
Pereira. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1985.
SNYDERS, Georges. Pedagogia Progressista. Coimbra: Livraria Almedina,
1974.
Francielle Maria Chies

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