sexta-feira, 22 de maio de 2015

'Guerra Fria tem de ficar pra trás', diz Mercadante sobre acordos com China


"A guerra fria precisa ficar para trás na política externa", diz o ministro Aloizio Mercadante


21/05/2015  15h22

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, afirmou à Folha que os acordos bilionários firmados com a China na terça-feira (19) preveem "prazos mais longos e taxas mais baixas" por parte dos chineses para dar garantias aos investidores no Brasil e ampliar o comércio entre os dois países em US$ 20 bilhões por ano.

O ministro rebate o ceticismo quanto a projetos como a ferrovia transoceânica, ligando Brasil e Peru. Para os chineses, diz, difícil foi construir uma ferrovia no Nepal.
Mercadante afirma ainda que, com US$ 4 trilhões em reservas, "a China não quer ser apenas uma fábrica do mundo, precisa transferir parte de sua estrutura produtiva". No entanto, pondera a preferência pelo país asiático aos Estados Unidos e diz que "a guerra fria precisa ficar para trás na política externa.

Folha - Muitos investimentos prometidos pela China durante o governo Lula não se viabilizaram. O que garante que agora o prometido será cumprido?


Aloizio Mercadante - A China é o nosso maior parceiro comercial. Temos um volume de comércio hoje de US$ 80 bilhões, basicamente pelo preço das commodities que o Brasil exporta, um problema da desaceleração da economia mundial, mas temos como meta chegar a US$ 100 bilhões. A China tem US$ 4 trilhões em reservas cambiais e o governo chinês tem dito que não aplicará essas reservas só em títulos da dívida pública. O investimento será também em parcerias estratégicas, como a do Brasil. A China concretizou a compra de 22 aviões da Embraer, já trouxe indústria automotiva, de máquinas e equipamentos. As agências de seguro chinesas vão trabalhar com prazos mais longos e taxas mais baixas para dar garantias aos investidores no Brasil.


Mas o que mudou efetivamente?

Mudou que os chineses tomaram a decisão de aportar uma parte das suas reservas estratégicas em fundos de financiamento para investimento em capacidade produtiva. A China não quer ser apenas uma fábrica do mundo, precisa transferir parte de sua estrutura produtiva para fora do país e vão fazer isso com o Brasil.


O projeto sobre o qual a China tem mais interesse é a Ferrovia Transoceânica, que liga Brasil e Peru. Mas, por ora, o projeto prevê somente a realização de estudo de viabilidade. Vai sair do papel?
[Ministro coloca sobre a mesa um mapa da América do Sul todo escrito em chinês] Claro. Esse projeto faz todo o sentido estratégico para nós e para eles, porque vai reduzir o custo do transporte de alimentos. Boa parte do nosso comércio de grãos é exportação para a Ásia, principalmente para a China. E vamos crescer na exportação de proteína também.


Editoria de arte/Folhapress
Mas é uma obra faraônica, com 4.300 quilômetros de extensão. É viável?
Perguntei aos chineses sobre a complexidade da construção e eles disseram: 'complexo para nós foi construir uma ferrovia no Nepal a 5.000 quilômetros de altura, 80% de túneis'. Eles veem essa ferrovia, tecnologicamente falando, como algo não complexo.


Por que desenvolver uma ferrovia para o Pacífico, levando nossos produtos para outros países, se há projetos mais simples e baratos para levar produtos para portos brasileiros?
Estamos construindo ferrovias no Brasil. Mas nossa estrutura ferroviária é em direção ao Oceano Atlântico. O Brasil não tem quase saída para o Pacífico, que hoje é o principal polo de comércio do mundo, com mercados estratégicos para o Brasil disputar.


Por que os chineses estão interessados em fazer estudo de viabilidade da ferrovia se não têm certeza de que vão conseguir ganhar a licitação para construi-la?
Vai ter licitação e toda licitação tem algum risco, mas as empresas chinesas têm grande expertise, são as maiores do mundo e quem têm melhores condições de financiar um projeto desse porte.


Editoria de arte/Folhapress
"[]":http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1631681-acordos-entre-china-e-brasil-tem-efeito-pratico-em-apenas-4-setores.shtml
E os US$ 7 bilhões para a Petrobrás? Esse dinheiro vem em que prazo? E para quais projetos?
Depende da Petrobras. Os chineses manifestaram disposição de entrar em estaleiros e refinarias. Foi muito importante para a Petrobras abrir essa linha de crédito em um momento...


...em um momento de crise com as denúncias da Operação Lava Jato?
Em um momento em que a diretoria está virando a página da empresa, conseguiu apresentar o balanço e equacionar problemas pendentes. A empresa está superando suas dificuldades.


O governo está utilizando os negócios com a China para se livrar de uma possível paralisia por causa do corte no Orçamento de 2015?
Não. Em um ano recebemos a visita do presidente, do vice-presidente e do primeiro-ministro chinês. É o nosso maior parceiro comercial. Eles têm uma diplomacia pragmática com resultados muito concretos. Temos que aprender com eles.


Mas não é um alívio receber esses investimentos nesse momento?
Não. Sempre houve novas iniciativas, que vão crescendo porque vamos construindo uma confiança mútua. Além de investimentos chineses, vamos apresentar um pacote de concessões em junho. Temos forte liquidez na Europa, temos os EUA, vamos chamar a todos para participar. Ferrovias, portos, rodovias, e essas relações bilaterais fortalecem a disputa.


Por que o Brasil não investe na relação com os Estados Unidos a mesma quantidade de energia investida na relação com a China?
Vamos preparar a visita da presidente Dilma aos Estados Unidos pensando no que dá para fazer em termos de novos projetos e iniciativas. Os EUA são um grande parceiro e temos todo o interesse nessa relação.


Muitos especialistas em política externa acham que estrategicamente a escolha é equivocada, porque a China não é uma democracia, não é confiável, e os EUA estão mais perto, têm mais empresas aqui. O balanço não é desfavorável para o Brasil?
Essa coisa da Guerra Fria precisa ficar para trás na política externa, precisamos ter maturidade. Somos a sétima economia do mundo e temos que explorar todas as possibilidades.


Lula implicou com a Vale porque ela ia comprar navios na China. E agora apareceram os navios em um dos acordos. Hoje os estaleiros brasileiros estão de novo quebrados, em parte por causa da crise na Petrobras e o petrolão. Qual a vantagem agora?
A Vale também vendeu navios nessa negociação com a China. O negócio é importante para a relação da Vale com a China, que é o maior comprador de minério de ferro da empresa. É uma estratégia comercial inteligente para valorizar o seu produto, especialmente em um momento de queda de preços.



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