O filósofo Olavo de Carvalho elaborou a lista ao lado para ajudar a diferenciar
conservadores de revolucionários
TRADIÇÃO
O conservador preza a experiência passada como forma de pensar o presente, em contraponto
ao revolucionário, que entende o presente com base num futuro hipotético
PROVIDÊNCIA
O povo não deve sofrer os efeitos das escolhas de gerações anteriores. Os
políticos têm o direito de experimentar e aprender com a experiência, mas não o
de testar práticas arriscadas de longo prazo
REFORMA
Governos não têm o direito de fazer algo que os seguintes não possam desfazer.
Nenhuma ordem social do passado foi tão ruim a ponto de bloquear a mera
possibilidade de uma nova ordem
DEMOCRACIA
A revogabilidade das medidas de governo é um princípio democrático essencial,
mas propostas revolucionárias tendem a concentrar o poder e a excluir para
sempre as propostas alternativas
EQUILÍBRIO
A mentalidade revolucionária não é um traço permanente da natureza humana e
deve ser erradicada como condição essencial para a sobrevivência da liberdade
no mundo.
ESCRITO POR RUSSEL KIRK
| 01 JUNHO 2012
O conservador suspeita
de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder do direito
positivo, nós podemos resolver todos os problemas da humanidade. Podemos ter a
esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito.
Uma amiga minha, a quem chamaremos senhorita Worth, teve uma conversa com uma vizinha – senhora Williams, digamos – que, no dia anterior, havia vendido um belo prédio antigo, há muito tempo pertencente à sua família, o qual seria demolido para que muitos automóveis usados fossem postos a venda no lugar. A senhora Williams tinha certos arrependimentos; mas, disse ela em caráter definitivo, “você não pode parar o progresso”. Ela ficou surpresa com a resposta da senhorita Worth, que foi esta: “Não, muitas vezes não; mas você pode tentar”.
A Senhorita Worth não
acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, é uma coisa boa em si mesma. O
Progresso pode ser bom ou mau, dependendo da direção a qual se está
progredindo. É perfeitamente possível, e não raramente ocorre, de se progredir
em direção à beira de um precipício. O pensamento conservador, jovem ou antigo,
acredita que todos nós devemos obedecer à lei universal da mudança; mas muitas
vezes está em nosso poder escolher quais mudanças aceitaremos e quais mudanças
rejeitaremos. O conservador é uma pessoa que se esforça para conservar o que há
de melhor em nossas tradições e em nossas instituições, conciliando o que é
melhor com a reforma necessária de tempos em tempos.
“Conservar” significa
“salvar”... (Considere) a maldição do cupido:
“Aqueles que mudam o
amor antigo pelo novo, oram aos deuses para mudá-lo para pior.”
Um conservador não é,
por definição, um egoísta ou uma pessoa estúpida; em vez disso, ele é uma
pessoa que acredita que há alguma coisa em nossa vida que vale a pena salvar.
Conservadorismo, na
verdade, é uma palavra com um significado antigo e honrado – mas, um
significado quase esquecido pelos americanos até anos recentes. Abraham Lincoln (aqui) queria ser conhecido como um conservador.
“O que é o conservadorismo?”, disse
ele. “Não é a preferência pelo antigo e experimentado, acima do novo e do não
testado?” É isso; e é também um corpo de convicções éticas e sociais.
Porém, a
palavra “liberalismo” tem sido preferida entre nós por duas ou três décadas.
Mesmo hoje em dia, embora haja um bom número de conservadores nas políticas
nacional e estadual, em nenhum grande partido muitos líderes políticos
descrevem a si mesmos como “conservadores”. Paradoxalmente, o povo dos Estados
Unidos se tornou a principal nação conservadora do mundo exatamente quando
deixou de chamar a si mesmo de conservador em seu próprio país.
No entanto, com a nossa
severa oposição ao radicalismo dos soviéticos e nosso repúdio nacional do
coletivismo em todas as suas variedades, um bom número de americanos agora têm
muitas dúvidas quanto ao desejo de serem chamados liberais ou radicais. Os
liberais, por um bom tempo, foram derivando para a esquerda em direção a seus
primos radicais; e o liberalismo, nos últimos anos, passou a significar um anexo
para o Estado centralizado e para a impessoalidade sombria do Brave New World,
de Huxley (Admirável Mundo Novo), ou de 1984, de Orwell (aqui).
Homens e mulheres que não se consideram
liberais ou radicais estão começando a perguntar a si mesmos no que acreditam e
do que deveriam se chamar. O sistema de ideias opostas ao liberalismo e ao
radicalismo é a filosofia política conservadora.
O
que é o Conservadorismo?
O conservadorismo
moderno tomou forma por volta do início da Revolução Francesa, quando homens de
grande visão na Inglaterra e na América perceberam que, se a humanidade existe
para conservação dos elementos da civilização que tornam a vida digna de ser
vivida, algum corpo coerente de ideias deve resistir ao nivelamento e ao
impulso destrutivo de revolucionários fanáticos.
Na Inglaterra, o
fundador do verdadeiro conservadorismo foi Edmund Burke, cujas Reflections
on the Revolution in France mudaram o rumo da opinião pública britânica e
influenciaram incalculáveis líderes da sociedade no Continente e na América.
Nos recém-criados Estados
Unidos, os fundadores da República, conservadores por formação e por
experiência prática, estavam determinados a moldar a Constituição que deveria
guiar a sua posteridade em caminhos duradouros de justiça e liberdade. Nossa
Guerra de Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma
separação da Inglaterra; estadistas de Massachusetts e da Virgínia não
desejavam virar a sociedade de cabeça para baixo.
Em seus escritos, sobretudo
nos trabalhos de John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, nós
encontramos um conservadorismo sóbrio e provado, fundado sobre uma compreensão
da história e da natureza humana. A Constituição que os líderes daquela geração
elaboraram tem provado ser o dispositivo conservador mais bem sucedido em toda
a história.
Os líderes
conservadores, desde Burke e Adams, subscreveram certas ideias que podemos
demonstrar, resumidamente, mediante definição. Os conservadores desconfiam do
que Burke chamou “abstrações” - isto é, absolutos dogmas políticos divorciados
da experiência prática e das circunstâncias particulares. Eles acreditam,
todavia, na existência de certas verdades permanentes que regem a conduta da
sociedade humana. Talvez, os princípios mais importantes que têm caracterizado
o pensamento conservador americano são estes:
1.
Homens e nações são governados por leis morais; e essas leis têm a sua origem
em uma sabedoria superior à humana – a justiça divina. No
fundo, problemas políticos são problemas morais e religiosos. O estadista sábio
procura apreender a lei moral e reger sua conduta adequadamente. Nós temos uma
dívida moral para com nossos antepassados, que nos concederam nossa
civilização, e um dever moral para as gerações que virão depois de nós. Esta
dívida foi ordenada por Deus. Portanto, não temos o direito de, impudentemente,
mexer com a natureza humana ou com tecido delicado de nossa ordem social civil.
2.
Variedade e diversidade são as características de uma grande civilização. Uniformidade
e igualdade absoluta são a morte de todo verdadeiro vigor e liberdade na
existência. Conservadores resistem, com imparcial
virilidade, à uniformidade de um tirano ou de uma oligarquia e à uniformidade a
qual Tocqueville chamou “despotismo democrático”.
3.
Justiça significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é
próprio – às coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às
recompensas de sua capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua
personalidade. A sociedade civilizada requer que
todos os homens e mulheres tenham direitos iguais diante da lei, mas essa
igualdade não deve se estender à igualdade de condição: isto é, a sociedade é
uma grande associação, na qual todos têm direitos iguais – mas não para igualar
coisas. A sociedade justa requer liderança sólida, recompensas diferentes para
habilidades diferentes e um senso de respeito e dever.
4.
Propriedade e liberdade são inseparavelmente conectadas; nivelamento econômico
não é progresso econômico. Os conservadores valorizam a
propriedade para seu próprio interesse, é claro; mas a valorizam muito mais
porque, sem ela, todos os homens e mulheres estão a mercê de um governo
onipotente.
5.
O poder é repleto de perigos; portanto, o bom estado é aquele no qual o poder é
controlado e equilibrado, restringido por constituições e costumes sólidos. Na
medida do possível, o poder político deve ser mantido nas mãos de instituições
privadas e locais. A centralização é normalmente um sinal de decadência social.
6.
O passado é um grande depósito de sabedoria; como Burke disse, “o
indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia.” Os
conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais, pela
experiência social e por todo o complexo corpo de conhecimentos legados a nós
por nossos antepassados. Os apelos conservadores estão para além da opinião
precipitada do momento, pela qual Chesterton os denominava de “a democracia dos
mortos” - isto é, as opiniões consideradas dos homens e mulheres sábios que
morreram antes de nosso tempo, a experiência da espécie humana. O conservador,
em suma, sabe que não nasceu ontem.
7.
A sociedade moderna necessita urgentemente de uma verdadeira comunidade: e
verdadeira comunidade é um mundo distante do coletivismo. A
comunidade autêntica é regida por amor e caridade, não por força. Através de
igrejas, associações voluntárias, governos locais e uma variedade de
instituições, os conservadores se esforçam para manter a comunidade saudável.
Os conservadores não são egoístas, mas zelosos do bem-estar público. Eles sabem
que o coletivismo significa o fim da comunidade genuína, e substituem
uniformidade por variedade e força por cooperação voluntária.
8.
Nos assuntos das nações, o conservador americano acredita que seu país deve ser
um exemplo para o mundo, mas que não deve tentar reconstruir o mundo à sua
imagem. É uma lei da política, bem como da biologia,
que todo ser vivente ama, acima de tudo – até mesmo acima de sua própria vida
–, sua identidade distintiva, que o diferencia de todos os outros seres. O
conservador não aspira à dominação do mundo, nem aprecia a perspectiva de um
mundo reduzido a um padrão único de governo e de civilização.
9.
Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfectíveis; e nem o são
as instituições políticas. Nós não podemos criar um
paraíso na Terra, embora possamos fazer um inferno. Somos todos criaturas nas
quais bem e mal estão misturados; e, quando as boas instituições negligenciam e
ignoram os antigos princípios morais, o mal tende a predominar em nós. Por
isso, o conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita
que, pelo poder do direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da
humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não
podemos torná-lo perfeito. Quando o progresso é alcançado, o é através do
reconhecimento prudente das limitações da natureza humana.
10.
Os conservadores estão convencidos de que mudança e reforma não são idênticas:
inovação política e moral pode ser tanto destrutiva como benéfica; e se a
inovação é empreendida com espírito de presunção e entusiasmo, provavelmente
será desastrosa. Todas as instituições humanas, em certa
medida, se alteram de época para época, pois o lento processo de mudança é o
meio de conservar a sociedade, exatamente como é, para o corpo humano, o meio
de sua renovação. Mas, os conservadores americanos se esforçam para conciliar o
crescimento e as modificações essenciais para nossa vida com a força de nossas
tradições sociais e morais. Com Lord Falkland, eles dizem: “quando não é
necessário mudar, é necessário não mudar.” Eles entendem que homens e mulheres
são mais satisfeitos quando podem sentir que vivem em um mundo estável de
valores duradouros.
O conservadorismo,
então, não é simplesmente o interesse das pessoas que têm muitas propriedades e
influência; não é simplesmente a defesa de privilégios e de status. A
maioria dos conservadores não são nem ricos nem poderosos.
Porém, eles fazem
até mesmo o mais simples deles obter grandes benefícios de nossa República
estabelecida. Eles têm liberdade, segurança pessoal e de sua casa, igual
proteção das leis, o direito aos frutos de sua indústria e oportunidade para
fazer o melhor que neles há. Eles têm um direito de personalidade em vida e um direito
de consolo na morte. Os princípios conservadores são o abrigo das esperanças de
todos na sociedade.
E o conservadorismo é um importante conceito social para
todo aquele que deseja justiça igualitária e liberdade pessoal e todos os
amáveis caminhos antigos da humanidade. O conservadorismo não é simplesmente
uma defesa do “capitalismo”.
(“Capitalismo”, na
verdade, é uma palavra cunhada por Karl Marx, projetada desde o início para
significar que a única coisa defendida pelos conservadores é a grande acumulação
de capital privado.) Mas, o que o verdadeiro conservador faz corajosamente é
defender a propriedade privada e uma liberdade econômica, ambas para seu
próprio bem e porque elas são meios para atingir grandes fins.
Esses grandes fins são
mais do que econômicos e políticos. Eles envolvem dignidade humana,
personalidade humana, felicidade humana. Eles envolvem até mesmo o
relacionamento entre Deus e o homem. Pois o coletivismo radical de nossa época
é ferozmente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo moderno detesta
a fé religiosa, a virtude privada, a individualidade tradicional e a vida de
satisfações simples. Tudo o que vale a pena ser conservado está ameaçado em
nossa geração.
A mera oposição negativa e irracional à corrente de acontecimentos,
agarrando-se com desespero ao que ainda mantemos, não será suficiente nesta
época. Um conservadorismo de instinto deve ser reforçado por um conservadorismo
de pensamento e imaginação.
Original adaptado de The Intelligent Woman’s
Guide to Conservatism (New York: The Devin-Adair Company, 1957).
Tradução: José
Junio Souza da Costa
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1º - CONSERVADORES (aqui)
2º - AS BASES DE UM CONSERVADOR E A ESSÊNCIA DO CONSERVADORISMO (aqui)
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