Por Amanda Bragion
Festas... comidas! Dois pratos de comida, um pouquinho do bolo, do pudim, do pavê e do sorvete, refrigerante, cerveja. Delícia!
Para fechar o cardápio do dia, seguido disso vem uma boa dose de culpa. Culpa? Sim, culpa! Talvez o prato mais amargo dessa refeição.
Quantas vezes, ao exagerar na alimentação, o sentimento de culpa vem logo em seguida. O ato de se alimentar pode tornar-se, para muitos, um delito. Algo para se arrepender e prometer a dieta mais drástica o mais rápido possível. Decepcionadas por terem extrapolado os limites, muitas pessoas sentem-se derrotadas por si mesmas e a culpa passa a preencher todo o seu interior.
Culpa é o termo usado para os sentimentos negativos sentidos quando se comete um erro considerado grave pela própria pessoa. Esse sentimento também vem carregado de frustração por não conseguir cumprir uma meta anteriormente estabelecida. O resultado disse é a autoestima em níveis baixíssimos, que pode comprometer vários outros comportamentos da pessoa, pois muita gente faz da culpa uma justificativa para ir mais fundo nos exageros que comete.
Em outros casos, a culpa pode não vir de algum exagero – não apenas um, mas de toda uma história de vida onde a pessoa é muitas vezes “acusada” de não pertencer àquilo que é estipulado como padrão. Muitos sentem-se culpados por não serem magros em uma sociedade que cultua a magreza, resultado da imposição social, da mídia, da moda. Como consequência disso, surgem alguns caminhos: se entregar à culpa e descontá-la na comida, na bebida, nos outros; punir a si mesmo se afastando daquilo que lhe causa o sentimento de culpa; se motivar e buscar “o ideal de si” que o livrará desse sentimento.
O corpo físico é palpável, maleável, sujeito a alterações, mas a forma como a pessoa vê e entende esse corpo pode ser o pior inimigo a ser enfrentado. É muito cruel lutar contra um inimigo não palpável... é muito cruel ver o corpo como um inimigo!
Para dar um basta nesse sentimento recorrente em muitas pessoas – homens e mulheres, gordos e magros- é preciso se aceitar assim como qualquer outra pessoa. Todos cometem deslizes e ninguém tem a figura semelhante ao outro. O que é entendido como “erro” contra o próprio corpo pode e deve ser perdoado. O sentimento de culpa deve servir para engrandecer o conceito de si mesmo, fazer parte de um crescimento pessoal. Se determinadas situações fazem vir à tona esse sentimento, é adequado que se reflita os motivos por gerarem culpa, como agir diante disso, e quem sabe, como evitar esse sentimento.
Muitas vezes o sentimento se perde, deixa de ser de origem própria e passa a ser originado pelo outro. O grupo de amigos, as matérias das revistas, o conteúdo dos programas de televisão podem sem responsáveis por fazer com que a pessoa se sinta culpada por ser aquilo que realmente é. Se a culpa vir a censurar os hábitos e ações de quem a sente, é necessário que se busque compreender não só o sentimento, mas suas causas. Quando relacionada ao corpo, é necessário que separe os conceitos de corpo físico e corpo sentido, corporeidade, em um movimento de voltar para si mesmo, se individualizando dos grupos, perceber os próprios anseios e necessidades, conhecer a si mesmo no ponto mais íntimo e pessoal.
“Conhecer a corporeidade é entender um corpo sujeito existencial, complexo, que vive no sentido de sua auto superação. [...] O corpo sujeito é ator e autor de sua história e cultura. É a corporeidade relacional, daí a necessidade da consciência de si, dos outros e do mundo. A corporeidade, por só poder ser entendida como relacional, exige uma conjugação em que estejam presentes, ao mesmo tempo, todos os pronomes pessoais. O eu corporeidade só tem sentido na presença dos outros: tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas. Conhecer corporeidade é trabalhar no trato corporal com o corpo que se auto-supera. É muito presente hoje a constatação de que o ser humano tende, como vivo, à autosuperação e/ou à transcendência.” (MOREIRA, 2003, p.3)
A culpa, a partir de então, pode motivar e estimular uma revisão completa daquilo que é compreendido como um erro contra o próprio corpo, aumentar a vigilância e a cautela no futuro, mostrar para a sociedade sua responsabilidade sobre si mesmo. Aceitação pessoal que promove a aceitação social.
Portanto, quando o sentimento de culpa for mais forte do que os motivos que levam o indivíduo a praticar as ações que desencadeiam esse sentimento, o melhor saída é se encontrar dentro de si mesmo, ponderar prós e contras e agir de acordo eles, não deixando a culpa afetar o estado emocional em que a pessoa se encontra para não prejudicar as avaliações sobre si mesmo e as possíveis soluções, caso necessário.
Referência Bibliográfica:
MOREIRA, W. W. Corporeidade e lazer: a perda do sentimento de culpa. R. bras. Ci. e Mov. Brasília v. 11 n. 3 p. 85-90 jul./set. 2003
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