Carlos Moore participa de bate-papo e autografa o livro Pichón, hoje, às 18h, no Espaço Cultural Barroquinha (Foto: Divulgação)
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Carlos Moore, 72 anos, lança hoje, às 18h, "Pichón - Minha Vida e a Revolução Cubana", no Espaço Cultural da Barroquinha
O cubano Carlos Moore, 72 anos, vive em Salvador desde 2000. Empenhado na luta contra o racismo, o doutor em Etnologia e em Ciências Humanas lança hoje, às 18h, sua biografia, Pichón - Minha Vida e a Revolução Cubana (Nandyala/424 págs./R$ 40), no Espaço Cultural da Barroquinha. O lançamento terá mesa com participação da ex-ministra da Secretaria de Promoção da Igualdada Racial Luíza Bairros e do advogado Samuel Vida, com mediação do escritor Nelson Maca.
Nascido em Central Lugareño, Moore mudou-se para Nova York aos 15 anos, onde pretendia escapar da pobreza de que era vítima em Cuba. Acreditando nas melhorias propostas por Fidel Castro e pela Revolução, retornou à ilha em 1959, mas seu entusiasmo logo se transformou em decepção: notou que Fidel implantara um sistema excludente, sem participação de negros. Moore denunciou as injustiças e foi condenado à morte. Escapou da condenação graças à intervenção de um amigo.
Buscou asilo político no Egito e de lá foi para a França, onde realizou doutorado em Etnologia e em Ciências Humanas. Morou também em países como Trinidad e Tobago, Guadalupe, Nigéria, sempre empenhado no combate ao racismo. Moore é autor de livros como Racismo e Sociedade e O Marxismo e a Questão Racial, e da biografia oficial do músico nigeriano Fela Kuti (1938-1997), Fela - Esta Vida Puta.
Nesta entrevista ao CORREIO, Moore não esconde sua decepção com a ditadura castrista e rejeita a ideia do paraíso cubano sonhado por alguns estrangeiros: “Aquela visão idílica que muitos brasileiros mantêm sobre o socialismo cubano não tem nada a ver com a realidade de hoje”.
O senhor deixou Cuba aos 15 anos. Por que a sua família tomou a decisão de deixar o país?
Saímos de Cuba por razões políticas e econômicas. Nós estávamos na mais absoluta miséria e meu pai percebeu que a única saída seria a imigração. E, para nós, os Estados Unidos eram o El Dorado. Além disso, a guerra civil entre Fidel Castro e Fulgêncio Batista tinha começado e tinha chegado até minha família porque um de meus irmão quase foi morto pela polícia. Fomos então para Nova York e nos instalamos no Brooklyn, um bairro negro.
Como foi recebido em Nova York?
Foi maravilhoso, pois não tínhamos tido a experiência de viver em um lugar onde os negros eram donos de bares e cinemas. Tive também a oportunidade de estudar em uma escola totalmente frequentada por alunos negros, onde havia muitos professores negros e eu, claro, fui muito provocado por esses professores a ler mais sobre história e especialmente a história negra. Aí, sim, comecei a estudar! Isso deflagrou em mim a consciência do que é ser negro. Por coincidência, quando fui para a cidade, em 1958, começaram também as lutas pelos direitos civis no país, que entrou num rebuliço extraordinário.
Qual foi a participação do senhor na Revolução Cubana?
Fugimos em 1958, durante a Revolução, e foi nessa época que tomei consciência de mim como um negro. Comecei a militar em movimentos de esquerda quando Fidel Castro chegou ao poder e por isso o conheci em Nova York, em 1960. Depois do contato que tive com Fidel, decidi voltar para Cuba e me integrei à Revolução em 1961, aos 18 anos. Mas me choquei quando percebi que o governo quase só tinha brancos no poder num país que já tinha a metade ou mais da população negra. Eu não tinha pretensão de participar do governo, pois tinha 18 anos, mas queria ver os negros participando da cúpula. Denunciei isso e acabei preso.
Carlos Moore (ao fundo) conheceu Fidel Castro nesta noite de 1959, em Nova York, quando o futuro ditador ainda se apresentava como primeiro-ministro. O encontro aconteceu no Hotel Theresa, no Harlem, bairro negro da cidade
(Foto: Acervo Pessoal)
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Depois de preso, o senhor foi condenado à morte?
Colocaram-me na Vila Marista, de onde as pessoas só saíam para serem executadas em fuzilamento. Fui acusado de subversão racial, o que era considerado um crime muito grave pelo governo, embora não existisse no código penal. Fidel havia decretado que não havia racismo em Cuba e, se você acusasse o Estado do contrário, estaria cometendo um crime contra o Estado. E, naquela época, qualquer crime “contra o estado” era punido com a pena de morte. Antes da Revolução, a pena de morte era um recurso excepcional. Mas depois da ascensão de Fidel Castro as execuções tornaram-se diárias.
Como o senhor reagiu ao saber que era condenado à morte?
Os prisioneiros que estavam comigo me diziam que quase todos na Vila Marista morreriam e fiquei 28 dias esperando minha execução. No início, eu não achava que ia ser morto, até que os outros prisioneiros me convenceram do contrário. Me alertaram que eu devia me preparar emocionalmente para a execução, pois, se não estivesse preparado, iria desabar e fazer como outros que eram arrastados, defecavam sobre si mesmos, gritavam e imploravam, paralisados. Eles tinham razão, pois haviam visto isso acontecer várias vezes.
Carlos Moore havia acabado de chegar a Paris, em 1964, quando encontrou o ativista negro Malcom X (1925-1965), que seria assassinado poucos meses depois. Para Moore, a maior virtude de Malcom foi mostrar que a luta não era pela integração racial, mas pela pluralidade (Foto: Acervo Pessoal)
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E como o senhor escapou da execução?
Milagrosamente, fui tirado de lá e posto em liberdade graças à intervenção de um grande dirigente negro norte-americano chamado Robert Williams, de quem eu havia sido tradutor. Ele era próximo de Fidel e pediu às autoridades que me poupassem. Felizmente, escutaram Williams e deixei a prisão. Comecei então a me organizar com outros negros que quisessem encontrar Fidel e um dia o encontrei na rua. Não perdi a chance de abordá-lo e aquilo acabou sendo um desastre para mim. Em resumo, fui levado diante do ministro de Segurança Nacional, onde fui obrigado a assinar uma confissão. Depois, fui internado num campo de trabalho.
Por que o senhor assinou a confissão e qual seu conteúdo?
Ou eu assinava ou morria. Fui obrigado a assinar um documento em que eu declarava não haver racismo em Cuba, mas, claro, eu não concordava com aquilo. Escrevi um texto depois de ouvir um “roteiro” das autoridades que diziam o que eu deveria declarar. Era aquilo ou a morte. Fiquei preso por quatro meses e fui acometido por uma ferida séria e, por isso, fui mandado para Havana, onde me trataria. Pedi o perdão das autoridades cubanas e me concederam. Depois de uns meses, me refugiei na Embaixada de Guiné e pedi asilo. Saí de Cuba rumo ao Egito em novembro de 1963. De lá, mais tarde fui para a França, onde fiquei por 15 anos e fiz dois doutorados.
Por que decidiu vir morar no Brasil e, mais especificamente, em Salvador?
Em fins de 1996, quando morava em Trinidad e Tobago, onde ensinava na universidade, sofri de uma embolia pulmonar que quase acaba com minha vida. Então, entre 1997 e 1998, fiquei me recuperando e decidi que, quando acabasse meu tratamento, iria me dedicar a terminar minhas memórias. Dentro do hospital, me prometi que, se sobrevivesse, iria para algum lugar, que não seria necessariamente o Brasil. Mas pensei num lugar tranquilo para mim, onde não me conhecessem, afinal, por três décadas, o governo cubano havia ficado em cima de mim. No Brasil, havia um lugar que me interessava, que era a Bahia. Durante a minha juventude, conheci a Bahia por causa das canções de Dorival Caymmi, que mexeram com a minha alma de jovem. Também tinha amigos ligados ao movimento negro, como Abdias Nascimento e Lelia Gonzalez. Vim para Salvador em 2000 e estou até hoje.
Moore acompanhado de Léloa Gonzales (1935-1994), uma das fundadoras do movimento negro no Brasil. "Lélia fundou o primeiro movimento negro moderno no Brasil. Antes, havia a Frente Negra, proibido por Vargas", observe Moore (Foto: Acervo Pessoal)
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O senhor acha que no Brasil o racismo é velado?
O racismo aqui, como em Cuba, é algo que se manifesta em diversos níveis. Eu não diria que ele é velado, pois é muito visível. Basta olhar para o Congresso, para o governo, para o Judiciário para perceber. A verdade é que muitos brasileiros se empenham em não perceber o racismo. Mas, desde que cheguei, notei um crescimento na consciência entre os negros sobre o poder e sobre a necessidade de terem um papel expressivo nos aspectos da vida e do Estado.
Como estava Cuba quando o senhor esteve lá em 1997?
O país estava um desastre nesse período e fiquei chocado em ver indigentes e prostitutas pedindo dinheiro. No começo da Revolução, houve claramente uma melhora da questão social. Cuba vivia dependendo da União Soviética e dos outros países comunistas, mas após a queda do Muro de Berlim, Cuba deixou de ser a vitrine do comunismo e hoje sofre com a pobreza. Hoje, Cuba está conhecendo a volta do capitalismo e é um capitalismo selvagem, com desigualdades acentuadas, como tem acontecido na Rússia e na China. E o problema da desigualdade econômica entre negros e brancos vai aumentar porque 95% dos cubanos que vivem nos Estados Unidos são brancos e eles mandam dinheiro para os parentes brancos que vivem em Cuba. Mandam anualmente dois bilhões de dólares. A eliminação dos obstáculos que existia até os norte-americanos reatarem os laços diplomáticos com Cuba permitirá que, em pouco tempo, essa quantia aumente para pelo menos quatro bilhões, o que criará uma nova burguesia branca e capitalista no país. E, enquanto isso, os negros continuam excluídos, inclusive pelo governo, que nomeia uma pequena oligarquia para ocupar os cargos públicos. E esses oligárquicos vivem como reis: quando têm problema de saúde, vão para a Espanha, França, Itália, Alemanha. Fidel importou médicos espanhóis para tratar da saúde dele. E hoje estima-se que 92% do alto escalão do governo seja de brancos, enquanto se estima que de 72% a 75% da população do país é negra. Aquela visão idílica que muitos brasileiros mantêm sobre o socialismo cubano não tem nada a ver com a realidade de hoje.
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