quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Tecnologias de comunicação escondem o isolamento no filme "Bird People"



 terça-feira, fevereiro 10, 2015  Wilson Roberto Vieira Ferreira  No comments

No meio do caminho entre o realismo documental e o sobrenatural, o filme “Bird People” (2014) do francês Pascale Ferran nos mostra os dilemas dos momentos da vida em que precisamos assumir riscos e dar saltos no vazio. Pessoas que transitam em espaços impessoais como aeroportos e hotéis e que tentam mascarar o isolamento por meio de tecnologias de comunicação como dispositivos móveis e computadores. Ferran nos mostra a contradição de como pessoas cercadas de interfaces de comunicação podem, ao mesmo tempo, sofrerem do mal da incomunicabilidade. Escondem o isolamento, mas sofrem os sintomas da claustrofobia e alienação. E sentem a necessidade de darem um salto nas suas vidas, assim como os pássaros e aviões.

Grande parte das discussões em torno das tecnologias de comunicação baseiam-se em uma confusão conceitual: tomam os termos “informação” e “comunicação” como sinônimos. Ainda pensa-se a comunicação nos termos da chamada Teoria da Informação – comunicação se trataria unicamente de levar um conteúdo de um emissor para um receptor: comunicação seria pensada unicamente nos termos de uma transmissão de mensagens.

Informação trata-se de transmissão de dados - notícias, números, estatísticas, memorandos, requerimentos etc. Seu caráter é meramente aditivo: acrescentar dados supostamente desconhecidos para um receptor.

Ao contrário, a Comunicação não é mais um dado, mas Acontecimento: algo que nos confrontou, transformou nossa maneira de ver o mundo. Não é mais aditivo, é disruptivo. Quando ocorre a comunicação (quando nos deixamos abrir para um acontecimento que nos cause dissonância ou contradição) nos transformamos através da ruptura e a aceitação do risco do novo.

Esse é o tema principal do filme Bird People, um filme sobre saltos no vazio e a necessidade de assumirmos riscos em nossas vidas: chegarmos a um momento em nossas existências onde somos tentados a levantar voo, deixar tudo para trás – família, amigos e compromissos profissionais que normalmente nos impedem de fazê-lo.

Mas, principalmente, Bird People revela a contradição que vivemos na atual era das chamadas Novas Tecnologias de Comunicação: os personagens do filme estão constantemente conectados aos seus celulares, smartphones, computadores e dispositivos móveis – trocam constantemente informações, mas há uma continua incomunicabilidade em ambientes que, por isso, tornam-se claustrofóbicos como hotéis, saguões de aeroportos, salas de reuniões e auto-estradas.

Todos de passagem, apressados, constantemente informados e disponíveis online. Porém, incapazes de criarem formas de comunicação onde expressem anseios, frustrações e desejos.

O filme


O filme apresenta dois dramas complementares dentro de uma estrutura única. Rodado em Paris, Dubai e Estados Unidos, vemos personagens que transitam em espaços impessoais que acentuam ainda mais o isolamento. As janelas dos quartos do Hotel Hilton, situado em uma espécie de nowhere, uma região limítrofe ao aeroporto Charles De Gaulle, deixam ver pássaros e aviões. São metáforas do salto e do voo como uma saída para os protagonistas.

Gary é um engenheiro norte-americano de tecnologia da informação representando uma empresa do Vale do Silício. Ele participa de uma reunião em Paris para fazer parte de um milionário empreendimento em Dubai.

Depois de algumas reuniões de negócios e noites insones no quatro do hotel jogando games de computador e trocando mensagens no smartphone, cresce em Gary uma sensação claustrofóbica. Decide não tomar o voo de negócios para Dubai e informa laconicamente para empresa que está abandonando tudo (trabalho, família e filhos). Decide não voltar mais para os EUA.

O ponto alto da narrativa sobre a decisão de Gary é quando tem uma emocionalmente devastadora conversa com a esposa através do Whatsapp: há uma total incomunicabilidade – o diálogo é pontilhado por longos silêncios, de repente interrompido por agressões verbais e ofensas, sem nenhum dos lados conseguir expressar através do programa on line seus dilemas íntimos.

Depois da desconstrução da vida de Gary, entra em cena da garota sonhadora chamada Audrey, arrumadeira do próprio hotel em que Gary está hospedado. Trabalha para pagar os estudos na universidade e está sempre de passagem em ônibus ou atravessando os corredores e quartos do hotel. Ambiente impessoais, sempre ouvindo música em seu smartphone e fechada em si mesma.

A segunda metade do filme passamos inesperadamente do realismo documental da primeira parte para elementos de fantasia e sobrenatural que não podemos contar para não estragar o filme, mas o título do filme aponta para esse acontecimento (comunicação) que transformará a vida de Aldrey, fazendo-a mais um personagem da dar um salto no vazio.

Os voos da fantasia e o drama da incomunicabilidade chegam ao ápice na sequência linda e poética sob a trilha da música Space Oddity do gnóstico pop David Bowie.

Viajantes dão o “salto de fé”


Aqui os conceitos de comunicação e gnose se confundem na medida em que o filme transcorre, tornando a abordagem cada vez mais mística.

Fica cada vez mais evidente que o diretor Pascale Ferran bebeu na fonte do arquétipo moderno do Viajante. Em postagem passada discutíamos que desde o pós-guerra a cinematografia e a literatura moderna desenvolvem basicamente três tipos de arquétipos que constituem as três formas pelas quais a subjetividade contemporânea é formada – O Detetive, O Viajante e o Estrangeiro. São arquétipos que expressariam como o homem vê a sua própria condição na sociedade – sobre esse tema clique aqui.

Gary e Audrey são os típicos Viajantes: aqueles que vem do nada e vão para lugar algum, sempre em lugares impessoais, de passagem (aeroportos estações de trem, rodoviárias, metros etc.). Aparentemente estão bem assentados em sua carreiras e profissões – Gary é um engenheiro do Vale do Silício bem sucedido e Audrey é cheia de sonhos em trabalhar, estudar e vencer na vida.

Mas algo está errado. Há o crescimento de um sintoma surdo de mal estar (a claustrofobia de Gary e a alienação de Audrey) que leva os protagonistas a um acontecimento transformador: o salto de fé.

Gnose e o estado de suspensão


Assim como em filmes como Vidas em Jogo (The Game, 1997) ou Vanilla Sky (2001), os protagonistas literalmente dão saltos no vazio, como um salto de fé na ruptura e transformação íntima.

Basilides, filósofo gnóstico do início da Era Cristã, acreditava que a gnose (iluminação espiritual) viria através de uma estado alterado da mente de suspensão: o silêncio, negação do pensamento, vazio, o grau zero de sentido – estado que seria a terceira alternativa entre a ilusão e a realidade. Esse estado de suspensão parece ser aquele que anseia O Viajante: saltar no vazio como a expressão dessa necessidade do silêncio, deixar tudo para trás.

Por isso a fixação imagética do filme em aviões, voos, saltos e pássaros. E a própria música Space Oddity de Bowie no momento central do filme: sobre um astronauta que, suspenso no espaço fora da sua nave, vê a Terra azul até perder contato ao passar pela Lua.

Sem querer fazer um spoiler, o leitor perceberá que o único momento em que os protagonistas de fato conseguem estabelecer uma forma autêntica de comunicação é no único momento em que eles não estão mais conectados com nenhuma tecnologia de informação. Apertam as mãos e perguntam seus nomes.


Parece que Pasacale Ferran quer nos dizer em Bird People que as tecnologias da informação não foram feitas para os humanos, mas sim para coisas: dados, números e informações. Conectados a essa tecnologias apenas aditivamos, acumulamos dados que nos envolvem e nos apartam de acontecimentos que verdadeiramente poderiam nos transformar e causar rupturas.

  
Esses camaradas são os maiores propagadores do comunismo no mundo (aqui)

Osvaldo Aires Bade Comentários Bem Roubados na "Socialização" - Estou entre os 80 milhões  Me Adicione no Facebook 

Nenhum comentário:

Postar um comentário