quarta-feira, 18 de setembro de 2013

MUÇULMANA NO TRIBUNAL NÃO PODE DEPOR USANDO BURCA, DIZ JUIZ





Por Aline Pinheiro IDENTIDADE VISUAL

Ninguém pode depor com o rosto coberto porque as expressões faciais são fundamentais para os julgadores chegarem a um veredicto. Foi assim que decidiu um juiz do tribunal do júri em Londres, na Inglaterra, ao impedir que uma ré muçulmana prestasse seu depoimento usando niqab, véu que deixa apenas os olhos a mostra, mais ou menos como a burca. Pela decisão, a mulher pode participar do julgamento com o rosto coberto, mas precisa retirar o véu se quiser depor.

O caso foi julgado nesta segunda-feira (16/9) pelo juiz Peter Murphy e deve servir de orientação para futuros julgamentos, já que não existe jurisprudência sobre o assunto na Inglaterra. Por conta do princípio da não discriminação, as orientações traçadas pelo juiz valem não só para as mulheres muçulmanas, mas para qualquer um que, por motivo religioso ou não, queira cobrir o rosto.

A muçulmana em questão é acusada de intimidar testemunhas em outro processo. Em agosto, na audiência inicial, a ré recusou o pedido do juiz para mostrar o rosto. Murphy, então, resolveu paralisar o julgamento para poder discutir uma preliminar: se um réu pode comparecer ao tribunal de rosto coberto.

Na quinta-feira (12/9), essa preliminar começou a ser julgada. Inicialmente, o juiz permitiu que a mulher continuasse de burca até que ele tomasse uma decisão. Ela foi obrigada a mostrar o rosto para que uma funcionária do tribunal confirmasse sua identidade e, depois, compareceu à sala de audiência e falou ao juiz coberta. Depois de analisar o caso, no entanto, Murphy concluiu que a liberdade de expressão religiosa não garante a ninguém o direito de depor com o rosto coberto.

Não existe nenhuma lei na Inglaterra que restrinja o uso de burca ou impeça que a vestimenta seja usada nos tribunais. Também não há jurisprudência no país sobre o assunto. O entendimento de Murphy foi firmado a partir dos requisitos básicos para se fazer Justiça e de julgados da Corte Europeia de Direitos Humanos.

O juiz observou que as expressões faciais de quem depõe são importantes para os jurados chegarem a um veredicto e lembrou que nenhum direito é absoluto. A corte europeia já reconheceu ocasiões em que vestimentas religiosas podem ser limitadas, por exemplo, nas escolas. Murphy ainda foi ouvir especialistas na religião islâmica, que explicaram que não há consenso entre os muçulmanos sobre as mulheres esconderem o rosto. O uso da burca ou do niqab é exigido apenas em algumas linhas do islamismo.

A conclusão a que chegou Murphy é que a melhor maneira de conciliar a liberdade de expressão religiosa com as exigências do procedimento judicial é autorizar a acusada a cobrir o rosto durante o julgamento, mas obrigá-la a descobrir na hora do seu interrogatório. Para minimizar os efeitos para a religiosa, o juiz explicou que ela pode depor protegida por um biombo para ficar à vista dos jurados, do juiz, da acusação e da defesa, mas protegida do público que assiste o julgamento. De acordo com a decisão, a ré pode abrir mão do direito de depor caso não queira descobrir o rosto. Clique aqui para ler a decisão, em inglês.

ESCONDERIJOS DE FÉ

O uso de véus que escondem o rosto tem desafiado os países europeus e criado atrito com o mundo árabe. França e Bélgica já proibiram o uso de burca e niqab em ambientes públicos. A Itália discute projeto no mesmo sentido e a Suíça, no próximo dia 22, vai ouvir a população da região de Ticino para saber se impede as pessoas de andarem pelas ruas com o rosto coberto.

O assunto já chegou à Corte Europeia de Direitos Humanos, que vai julgar se um Estado democrático pode impedir o uso de vestimentas religiosas que escondam o rosto. Em maio deste ano, a corte entendeu que dada a importância da discussão, ela deve ser tratada diretamente pela câmara principal de julgamentos do tribunal, e não pelas câmaras secundárias.


Na Inglaterra, na semana passada, uma faculdade foi duramente criticada ao decidir que nenhuma estudante poderia mais frequentar as aulas com o rosto coberto. A medida foi apoiada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, mas criticada pelo seu vice, Nick Clegg. Na sexta-feira (13/9), depois das críticas, a faculdade voltou atrás e autorizou o uso tanto da burca como do niqab em sala de aula.

Clique aqui para ler a decisão desta segunda-feira (16/9) em inglês.

Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 16 de setembro de 2013


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