Por Aline
Pinheiro IDENTIDADE VISUAL
Ninguém pode depor com
o rosto coberto porque as expressões faciais são fundamentais para os julgadores
chegarem a um veredicto. Foi assim que decidiu um juiz do tribunal do júri em
Londres, na Inglaterra, ao impedir que uma ré muçulmana prestasse seu
depoimento usando niqab, véu que deixa apenas os olhos a mostra, mais ou menos
como a burca. Pela decisão, a mulher pode participar do julgamento com o rosto
coberto, mas precisa retirar o véu se quiser depor.
O caso foi julgado
nesta segunda-feira (16/9) pelo juiz Peter Murphy e deve servir de orientação
para futuros julgamentos, já que não existe jurisprudência sobre o assunto na
Inglaterra. Por conta do princípio da não discriminação, as orientações
traçadas pelo juiz valem não só para as mulheres muçulmanas, mas para qualquer
um que, por motivo religioso ou não, queira cobrir o rosto.
A muçulmana em questão
é acusada de intimidar testemunhas em outro processo. Em agosto, na audiência
inicial, a ré recusou o pedido do juiz para mostrar o rosto. Murphy, então,
resolveu paralisar o julgamento para poder discutir uma preliminar: se um réu pode
comparecer ao tribunal de rosto coberto.
Na quinta-feira (12/9),
essa preliminar começou a ser julgada. Inicialmente, o juiz permitiu que a
mulher continuasse de burca até que ele tomasse uma decisão. Ela foi obrigada a
mostrar o rosto para que uma funcionária do tribunal confirmasse sua identidade
e, depois, compareceu à sala de audiência e falou ao juiz coberta. Depois de
analisar o caso, no entanto, Murphy concluiu que a liberdade de expressão
religiosa não garante a ninguém o direito de depor com o rosto coberto.
Não existe nenhuma lei
na Inglaterra que restrinja o uso de burca ou impeça que a vestimenta seja
usada nos tribunais. Também não há jurisprudência no país sobre o assunto. O
entendimento de Murphy foi firmado a partir dos requisitos básicos para se
fazer Justiça e de julgados da Corte Europeia de Direitos Humanos.
O juiz observou que as
expressões faciais de quem depõe são importantes para os jurados chegarem a um
veredicto e lembrou que nenhum direito é absoluto. A corte europeia já reconheceu ocasiões em que vestimentas
religiosas podem ser limitadas, por exemplo, nas escolas. Murphy ainda foi
ouvir especialistas na religião islâmica, que explicaram que não há consenso
entre os muçulmanos sobre as mulheres esconderem o rosto. O uso da burca ou do
niqab é exigido apenas em algumas linhas do islamismo.
A conclusão a que
chegou Murphy é que a melhor maneira de conciliar a liberdade de expressão
religiosa com as exigências do procedimento judicial é autorizar a acusada a
cobrir o rosto durante o julgamento, mas obrigá-la a descobrir na hora do seu
interrogatório. Para minimizar os efeitos para a religiosa, o juiz explicou que
ela pode depor protegida por um biombo para ficar à vista dos jurados, do juiz,
da acusação e da defesa, mas protegida do público que assiste o julgamento. De
acordo com a decisão, a ré pode abrir mão do direito de depor caso não queira
descobrir o rosto. Clique aqui para ler a decisão, em inglês.
ESCONDERIJOS
DE FÉ
O uso de véus que escondem o rosto tem desafiado os países europeus e criado atrito com o mundo árabe. França e Bélgica já proibiram o uso de burca e niqab em ambientes públicos. A Itália discute projeto no mesmo sentido e a Suíça, no próximo dia 22, vai ouvir a população da região de Ticino para saber se impede as pessoas de andarem pelas ruas com o rosto coberto.
O assunto já chegou à
Corte Europeia de Direitos Humanos, que vai julgar se um Estado democrático
pode impedir o uso de vestimentas religiosas que escondam o rosto. Em maio
deste ano, a corte entendeu que dada a importância da discussão, ela deve ser tratada diretamente pela câmara principal de
julgamentos do tribunal, e não pelas câmaras secundárias.
Em outras
ocasiões, a corte já considerou que o uso do véu, mesmo aquele que só
cobre os cabelos, pode ser restrito em alguns ambientes, como escolas e
universidades. O mesmo tribunal também já decidiu que o direito de expressar a fé no ambiente de trabalho pode ser
limitado.
Na Inglaterra, na
semana passada, uma faculdade foi duramente criticada ao decidir que nenhuma
estudante poderia mais frequentar as aulas com o rosto coberto. A medida foi
apoiada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, mas criticada
pelo seu vice, Nick Clegg. Na sexta-feira (13/9), depois das críticas, a
faculdade voltou atrás e autorizou o uso tanto da burca como do niqab em sala
de aula.
Clique aqui para ler a decisão desta segunda-feira (16/9) em
inglês.
Aline
Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na
Europa.
Osvaldo Aires Bade
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