A trajetória de Jacques Vergès, que virou defensor de alguns dos piores criminosos da história moderna, com a desculpa do que sofreu sob o colonialismo
Em 1957, dois anos depois de se formar, o advogado Jacques Vergès começou a carreira de maneira instigante: defendendo argelinos que o governo francês acusava de assassinato. Na dramática batalha pela independência da Argélia (a qual viria a se concretizar em 3 de julho de 1962), guerrilheiros da Frente de Libertação Nacional plantavam bombas em lugares públicos frequentados por civis franceses.
A tática, terrível e sangrenta, era uma resposta à maneira brutal com que a França colonialista havia tirado a Argélia dos argelinos. Durante o longo processo, Vergès se valeu de um tipo de defesa até hoje em voga entre réus de tribunais internacionais, como o ditador iraquiano Saddam Hussein: recusar-se a reconhecer o mérito dos procedimentos e a autoridade do juiz e do júri, devolvendo contra eles as acusações de abuso e assassinato.
Conseguiu, assim, mobilizar a opinião pública em todo o mundo e, por fim, obter a anistia para seus clientes – entre os quais a bela Djamila Bouhired, símbolo do movimento argelino, com quem se casou. Em alguns anos, porém, Vergès se transformou em uma criatura assustadora: um ideólogo do terrorismo e do genocídio, que voluntariamente procura seus clientes entre figuras cruéis e se associa, em amizade ou interesse, a alguns dos nomes mais infames do século XX. Como Pol Pot, que à frente do Khmer Vermelho ordenou o assassinato de milhões no Camboja. Ou o palestino Wadi Haddad, um dos inventores do terrorismo internacionalizado.
Djamila Bouhired
Djamila Bouhired
Essa trajetória sinistra é o tema do documentário O Advogado do Terror (L’Avocat de la Terreur, França, 2007), que estréia nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro. Dirigido pelo cineasta de origem alemã Barbet Schroeder, que em 1974 fez trabalho de calibre semelhante sobre o ditador ugandense Idi Amin Dada, o filme colhe testemunhos de dezenas de participantes dessa história. Mas o astro, claro, é o próprio Jacques Vergès, que expõe seus feitos, canta suas glórias e delineia seu "pensamento" em falas de vaidade triunfante. O retrato que emerge desse mosaico é enregelante. Vergès sintetiza em sua própria pessoa um desdobramento nefasto da segunda metade do século XX – a metamorfose da luta anticolonialista no terrorismo indefensável.
Filho de um francês e de uma vietnamita, Vergès diz guardar lembranças amargas de desprezo e discriminação. Que esse seja, então, o ovo; já a serpente que ele produziu é um homem que promoveu ativamente ligações entre palestinos e nazistas em torno do anti-semitismo. Seus clientes mais célebres incluem o francês Roger Garaudy, negacionista do holocausto, e o alemão Klaus Barbie, oficial nazista que atuou com sadismo incomum na França ocupada. Em nome do anti-imperialismo e do anticapitalismo, além disso, Vergès corteja abertamente genocidas. Defendeu um punhado de ditadores africanos da pior estirpe e ofereceu-se para amparar legalmente Saddam Hussein e o sérvio Slobodan Milosevic. Hoje octogenário, defende Khieu Samphan, que foi braço-direito de Pol Pot.
Não menos tenebrosa é a maneira como Vergès desfigura um dos esteios da democracia – o direito de todo réu, por mais abominável que seja, à melhor defesa possível. Vergès não seleciona seus clientes entre nomes que a maioria dos defensores considera indefensáveis por lealdade a esse princípio, cujas origens remontam à Antiguidade clássica. Sua meta é exatamente ridicularizá-lo. Em vez de buscar a condenação mais justa ou ganhar tempo para obter a prescrição da pena, ele justifica e acolhe tanto o crime como o criminoso. No julgamento de Klaus Barbie, por exemplo, pontificou que a França não podia julgá-lo, já que seus crimes colonialistas seriam piores que os do réu. Essas relativizações destrutivas são o efeito que Vergès procura, conforme demonstrado em uma de suas declarações no documentário: "Se eu defenderia Hitler? Ora, eu defenderia até George W. Bush, com a condição de que ele se declarasse culpado". O estilo gongórico e a argumentação tresloucadamente ideológica nada têm a ver com a prática do direito, diz o jurista Saulo Ramos, mas consistem apenas em "montar pândegas forenses, em que Vergès se projeta sob a fama de seus clientes para escandalizar os meios de comunicação". Vergès, enfim, é a acepção literal de um "advogado do diabo" – aquele que se candidataria a defender o próprio, por gosto e convicção.
A clientela de Vergès
Nazistas, genocidas e terroristas são seus favoritos – e às vezes amigos
KLAUS BARBIE
Na foto à esquerda, Vergès (de perfil) e Barbie, durante o julgamento deste, em 1987. Um dos chefes da Gestapo na França ocupada, o oficial nazista (que aparece com seu uniforme à direita) ficou conhecido como "Açougueiro de Lyon". Ele gostava de torturar e foi responsável direto por algo como 4 000 mortes.
Osvaldo
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