quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


CONGRESSO DE VIENA

Após o Congresso de Viena (1815), a emancipação dos Judeus não se fazia ver. Em 1819, ano de crise económica, houve algumas manifestações de anti-semitismo em Franken, Hessen e Baden.

Judeus intelectuais fundam a "Verein für Kultur und Wissenschaft des Judentums" [União Judaica para a Ciência e Cultura] em Berlim. Começa a haver alguma aproximação entre Judeus e Não-Judeus.

Na constituição de 1849 separa-se o direito da religião. A 28 de Agosto de 1849, a questão judaica é debatida no Parlamento. Dizia o artigo II: "Jeder Deutsche hat das Deutsche Reichsbürgerrecht" [Todo o Alemão tem o direito à cidadania alemã] (Constituição de 1849). Os Judeus austríacos tinham o direito à cidadania, podendo construir as suas casas. Estavam, contudo, ainda excluídos da função pública. Finalmente, em 1860, são autorizados a possuir oficinas e indústrias.

A libertação do cativeiro judaico foi um longo processo que demorou duas gerações, desde os anos 80 do século XVIII até aos anos 60 do século XIX.

Existiu uma grande diferença neste desenvolvimento na Alemanha e na Áustria. Viena foi várias vezes um centro importante para os Judeus, onde se encontravam vários rituais e costumes. Havia Judeus ortodoxos e progressistas, uma comunidade ashkenazi e uma sefardita (turca)22. Stefan Zweig refere a esse respeito: Es war wundervoll hier zu leben, in dieser Stadt, die gastfrei alles Fremde aufnahm und gerne sich gab" [Era maravilhoso viver aqui nesta cidade que recebia os estrangeiros de forma hospitaleira e a eles, de bom grado, se entregava] (1979:47). Na Áustria, os Judeus constituíam 4,5% da população, e 10% da população vienense. No final do século passado, a comunidade judaica desempenhou um importante papel na história cultural vienense. Os Judeus dominam a Imprensa, o Teatro e a Literatura. Inicialmente, os Judeus austríacos eram os que fugiam da shtetl23, mas, em breve, conquistaram um lugar na sociedade. Mais tarde, os seus filhos fundaram jornais e revistas. A burguesia judaica controlava Viena. Ainda que para a maior parte a religião não tivesse qualquer sentido (muitos Judeus vienenses eram convertidos), a maior parte orgulhava-se da sua origem judaica. Vivia-se uma altura em que a ciência atingia o seu auge e os Judeus tinham conseguido um lugar em todos os campos: Sigmund Freud, na Psicologia, o Wiener Kreis [Círculo de Viena], na Política, Carl Menger, na Economia, Arthur Schnitzler, Hugo von Hofmannstahl e Hermann Bahr, na Literatura, Arnold Schönberg e Gustav Mahler, na Música.


Professor e seus alunos no Cheder. (Lublin, Polónia, 1924)

Na Universidade de Viena os Judeus constituíam um terço da população, optando pelos cursos de Medicina, Direito e Filosofia. Entre os professores da Faculdade de Medicina, mais de metade era de origem judaica24.

Como já foi mencionado, era na vida cultural que mais se realçava o domínio dos Judeus. O feuilleton estava na moda. Os Salons e as Coffee Houses eram frequentados por Judeus. Em suma, os Judeus constituíam a official inteligentsia e a liberal inteligentsia. (Beller, 1996:41). Existia uma certa simbiose cultural entre Judeus e Não-Judeus. Os Judeus forneceram vida cultural à cidade de Viena, da qual eles usufruíam. Por seu lado, o contacto com Não-Judeus possibilitou-lhes a experiência de um novo tipo de vida, e a possibilidade da assimilação.

Esta simbiose não era, no entanto, perfeita, uma vez que o anti-semitismo, sendo mais encoberto na Áustria do que na Alemanha, existia também. Karl Lueger, Presidente da Câmara de Viena desde 1897, assumiu publicamente o seu anti-semitismo. Porém, a utilidade dos Judeus na vida social e cultural de Viena era tal que Lueger afirmaria: "Wer ein Jude ist, bestimme ich" [Eu é que determino quem é judeu], denotando esta afirmação a hipocrisia que envolvia o anti-semitismo.

Arthur Schnitzler relata que apenas sentiu o anti-semitismo já adulto, na Universidade, ao cumprir serviço militar, e, mais tarde, na Ordem dos Médicos, em que os Judeus provenientes da Hungria começam a ser afastados. As suas obras Der Weg ins Freie, (1908) e Professor Bernhardi (1912) focam este problema.25

Também a comunidade judaica de Praga tem tradições bastante fortes. Já no século XVI tinha a sua própria bandeira com a estrela de David. "Prag ist nicht nur Schnittpunkt dreier Kulturen - der jüdischen, der tschechischen und der deutschen - sondern gleichzeitig Zentrum einer der bedeutendsten jüdischen Gemeinden Europas" [Praga não é apenas ponto de intersecção entre três culturas: judaica, checa e alemã - mas simultaneamente centro de uma comunidade judaica, das mais representativas da Europa] (von Glasenapp, 1996:135). Os Judeus de Praga dedicavam-se exclusivamente ao artesanato, principalmente à ourivesaria, ao contrário dos Judeus de Viena que eram, inicialmente, usurários ou camponeses.

Na Áustria eram muitos os Judeus baptizados que optavam mais tarde pelo Cristianismo, temendo-se que, assim, os Judeus da província perdessem orientação religiosa. Esta situação foi alterada com a construção de uma Sinagoga e de várias escolas religiosas (1825/26) na Seitengasse, que se tornou um importante centro de cultura judaica. Nesta época de florescimento cultural, os Judeus eram parte integrante da cultura. Desponta a imprensa judaica; é a época da Haskala (Aufklärung judaica), nascida em Berlim.

Em 1848, as gerações mais novas estão prontas a lutar pelos valores da liberdade e igualdade. O dia 13 de Março de 1848 viu judeus no centro da Revolução. Exigiam liberdade de imprensa.

A reacção neo-absolutista à Revolução de 1848/49 obrigou os Judeus a uma reflexão. Tinham um árduo caminho a percorrer até à igualdade. Lentamente vão ganhando território. Com a emancipação da Burguesia, a igualdade torna-se realidade. Como já foi referido, o Liberalismo fez da Áustria a pátria espiritual dos Judeus. Estes movimentam-se em direcção às grandes cidades. Em poucas décadas a população judaica aumenta. Está dividida em liberais e ortodoxos. A nível académico, abrem-se agora muitas portas aos Judeus, optando a maior parte pela Medicina e pelo Direito. Desde a época liberal, existe já na Áustria uma série de jovens autores que renova a literatura austríaca, assim como jornalistas, que viam no seu trabalho uma forma de expressão.

Nos Países Baixos, Estados Unidos da América e França assiste-se a um processo de democratização que dá aos Judeus plena igualdade de direitos e os procura integrar na sociedade26 .

Interior da Sinagoga Portuguesa, em Amesterdão

Na Alemanha existia o "Taufzettel", ou como afirmava Heinrich Heine, o "bilhete de entrada na cultura europeia" (apud Wiebel s/d : 8). O baptismo foi a solução para muitos Judeus (permitindo-lhes estudar nas universidades e tomar parte na vida pública em geral), sendo o Cristianismo apenas aparente, pois, mudando a religião, os Judeus não mudavam a sua ascendência étnica. Existe, por parte da população, um medo generalizado de que os judeus dominem toda a economia, uma sensação de "Verjudung des liberalen Systems" (Lohrmann in Thalmann, 1990:21). Esta é a época dos "Berliner Salons" (1800 - 1846), que constituem um refúgio onde se podia esquecer a monotonia da cidade de Berlim. Frequentavam-nos os intelectuais: professores, comerciantes, funcionários, contabilistas e estudantes. No entanto, esta foi uma moda que durou pouco tempo. O final dos salões marca o final de uma época para a mulher judia que, muitas vezes, tinha que optar entre a sua comunidade e o seu casamento. A assimilação trazia a tensão entre dois pólos distintos: a manutenção da identidade judaica e a integração na sociedade não judaica.

A industrialização dos anos 50 e a conjuntura que se instalou em 1857 levaram a um fortalecimento da Burguesia, que exigia poder político. Na Áustria, os Liberais alcançam maioria absoluta, sendo alguns Judeus eleitos para o Parlamento. A partir daqui, os Judeus têm plena igualdade de direitos. Parecia resolvida a questão dos Judeus, todavia, esta igualdade de direitos não foi resultado da herança de 1848. A religião judaica era tolerada nas não reconhecida publicamente27. O editor Ludwig Philippson afirmava no seu jornal Allgemeine Zeitung des Judentums [Jornal dos Judeus], que havia uma religião considerada "estatal". E entre os Cristãos o anti-semitismo era algo natural: os Judeus eram os matadores de Cristo. O movimento literário do Romantismo exaltava o sentimento patriótico, redescobrindo os heróis da mitologia germânica, onde não há lugar para os Judeus. É neste contexto que a imprensa racista encontra eco favorável. São editados jornais de cariz anti-semita, que, no entanto, não têm grande tiragem. Com uma grande tiragem, a revista Gartenlaube mostra os Judeus como "não alemães".

A discriminação dos Judeus torna-se uma arma política; em épocas de crise, eram apontados como bode expiatório. Aconteceu na grande depressão dos anos 70, na política guilhermina de 1896 (com a crise económica que termina com os "Gründerjahre") e após a Primeira Guerra Mundial. Épocas em que o anti-semitismo era mais disfarçado alternavam com períodos de crise económica, onde a falta de tolerância era maior.

Os Judeus mantiveram-se marginais. Sabiam que viviam num país onde não eram desejados. A nível económico foram os pioneiros da modernização, salientando-se as editoras de Leopold Ullstein e Samuel Fischer, e a firma de Rathenau, Allgemeine Elektrizitätsgesellschaft -AEG.

Como havia ainda muitos cargos vedados aos Judeus, estes enveredavam pela vida artística, pelo teatro ou imprensa (são editados jornais em alemão e hebraico). Para além das profissões de médico e de advogado, a maior parte da população judaica optava por seguir carreira como banqueiro, editor, regisseur, actor, jornalista ou crítico. Apesar da população judaica não ultrapassar o 1%, cerca de 10% dos estudantes em escolas e universidades eram Judeus. Espelha-se assim a imagem do Judeu estudioso e letrado. Para eles (Burguesia), assegurar o futuro dos filhos era mais importante do que bens materiais.

Adolf Stoecker, da corte de Guilherme I, acusa os Judeus de culpados pela crise económica, e afirma serem eles os conspiradores da Revolução e os destruidores dos valores cristãos. Simultaneamente, rebentam as ideias darwinistas, fazendo apologia da lei do mais forte. Stoecker procede a uma petição para proibir os Judeus de serem professores e juízes, que apenas é recusada por razões formais, uma vez que ia contra a constituição. Esta propaganda anti-semita ligava o Judaísmo ao Liberalismo e Socialismo, e teve uma forte adesão por parte dos pequenos artesãos, que, com a Revolução Industrial, tinham visto piorar as suas condições de vida. Todavia, houve setenta e seis pessoas, entre elas professores universitários, que comentam esta situação com:"der Rassenhaß und der Fanatismus des Mittelalters [wird] wieder ins Leben gerufen und gegen unsere jüdischen Mitbürger gerichtet wird" [O racismo e o fanatismo da Idade Média está a voltar ao de cima e a direccionar-se contra os nossos cidadãos judeus] (Henryk, 1986:197). Stoecker teve como aliado o historiador Heinrich von Treitschke, que considerava os Judeus social-democratas "orientalischer Chorführer des Umstürzes" [dirigentes orientais do coral da revolução] (apud Grab, 1991:31). A ele se deve a frase "Die Juden sind unser Unglück" [Os Judeus são a nossa desgraça], que seria aproveitada pelos Nacional-Socialistas. Quando o movimento anti-semita ganha força, nos anos 80, surge uma nova "ciência" que justifica o anti-semitismo. Richard Wagner publica em 1850 Das Judentum in der Musik. Primeiro, como anónimo, só em 1869 com o seu nome. Wagner caracteriza o Judeu como parasita, não criador, incapaz de se mover em palco. Esta publicação surtiu grande efeito.

Em 1855 e 1864 saem os romances de Gustav Freytag, Soll und Haben, e de Wilhelm Raabes, Hungerpastor, onde o Judeu é apresentado como um homem pequeno e mesquinho28. Na mesma altura é publicado o ensaio de Gobineau, "Essai sur l'Inegalité des Races Humaines". Eugen Dühring desenvolve nos anos 70 uma "Wirklichkeitsphilosophie", "baseada" nas ciências exactas, justificando "naturalmente" a soberania do povo germânico com mitos e lendas, onde descreve os Judeus como "ein inneres Karthago" (apud Kampmann, 1979:300). Deste modo, não podem ser integrados na cultura europeia.

No Império Austro-Húngaro (1866), o anti-semitismo ganha adeptos, não só entre a pequena burguesia, como também entre os Liberais, que temiam o domínio do império alemão. Voltam as perseguições, sobretudo aos Judeus assimilados. Criam-se organizações políticas, como a "Deutsche Handlungsgehilfenverband" e a "Alldeutsche Verband", que continham nos seus estatutos parágrafos "arianos". Estes parágrafos faziam também parte dos estatutos das associações de estudantes.

Do outro lado, funda-se o "Verein zur Abwehr des Antisemitismus", por Não-Judeus, cuja finalidade era mostrar à população que os preconceitos anti-semitas não tinham qualquer fundamento. Publica "Antisemiten-Spiegel", em oposição aos "Antisemiten-Kathecismus": "Wieviel Juden gibt es? (...) etwas mehr als eine halbe Million unter 51 Millionen Deutschen (...). Wenn man die Antisemiten hört, so müßte man glauben, das Deutsche Reich, ja ganz Europa wäre in Gefahr, von dem Juden überschwemmt und zerdrückt zu werden. Überall sieht der Antisemit den Juden und seine Macht. Das mächtige Deutsche Reich, so stolz in Wehr und Waffen - es soll wehrlos geworden sein gegenüber den Juden" [Quantos Judeus existem? Um pouco mais do que meio milhão, para 51 milhões de alemães. Quando ouvimos os anti-semitas, quase acreditaríamos que o Império Alemão e até toda a Europa estaria em perigo de ser inundada pelos Judeus e esmagada por eles. O poderoso Império Alemão, tão orgulhoso nas suas armas e defesa - fica indefeso perante os Judeus] (apud Henryk, 1986:189). Não foi bem sucedida. Os Judeus criam então o "Zentral-Verein deutscher Staatsbürger jüdischer Glaubens", em 1893, quando 16 deputados anti-semitas entram para o Parlamento29. O seu objectivo era lutar através da palavra pela verdade.

É este o cenário que se observa no território alemão quando surgem Theodor Herzl e o movimento sionista.

Osvaldo Aires Bade Comentários Bem Roubados na "Socialização" - Estou entre os 80 milhões Aqui meu facebook 



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