O ano em que o Brasil (quase) caiu do cavalo
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Em 1982, o País foi salvo da falência por um cheque dos EUA. Veja os bastidores das negociações.
Por Luís Artur NOGUEIRA
Há 30 anos, o Brasil tinha um modelo de desenvolvimento econômico extremamente dependente do financiamento externo. Após duas crises do petróleo, na década de 1970, o País estava à beira de um colapso financeiro e precisava urgentemente de recursos para pagar a importação de combustíveis. Para piorar, a elevação dos juros por parte do presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, com o objetivo de combater a inflação no mercado americano, pegou de surpresa uma América Latina endividada. De Brasília, a ordem era expressa: os preços podiam até disparar, mas o presidente da República, o general João Figueiredo, último delegado da ditadura militar, não toleraria filas de motoristas em busca de gasolina nos postos.
Encontro históricos: Figueiredo e Reagan (à esq.) e Regan e Garnero (abaixo)
em eventos no Brasil, em 1982
Sem dinheiro, o governo passava o chapéu junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao governo dos Estados Unidos, mas os cofres estavam fechados. A dívida bruta chegava aos US$ 85 bilhões e as reservas internacionais somavam parcos US$ 4 bilhões (veja quadro ao final da reportagem). Foi nesse contexto que Figueiredo convocou o empresário Mario Garnero, então presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para uma reunião secreta em Bauru (SP). A sua missão seria convencer os americanos a evitar a quebra do País. Garnero era o homem certo na hora certa. Em entrevista à DINHEIRO, ele conta que sua amizade com o então recém-empossado secretário de Estado americano, George Schultz, facilitou o trabalho.
Schultz tinha sido conselheiro da Brasilinvest, um banco de investimentos fundado por Garnero. Uma reunião com a direção do FMI e 500 banqueiros foi realizada em Toronto, no Canadá, em setembro daquele ano. Havia muita expectativa em torno da criação de um fundo de até US$ 100 bilhões para socorrer os países em desenvolvimento. Fiasco total. A equipe econômica brasileira, liderada pelo ministro do Planejamento, Delfim Netto, se esmerava na tentativa de convencer a todos de que o País merecia uma ajuda, mas a moratória do México inviabilizava qualquer acordo. “O clima ficou insustentável naquela reunião”, afirma Garnero, que voou imediatamente para Washington para falar com Schultz.
“Ele estava com os pés sobre a mesa, num clima de conversa entre amigos.” O empresário não só convenceu o secretário americano a visitar o Brasil como, dias depois, receberia uma notícia alvissareira. “Vai um pato muito mais gordo do que você está imaginando”, disse Schultz, que, nas palavras de Garnero, “é um sujeito de dois metros de altura, que pesa 110 quilos”. O pato gordo era ninguém menos do que o presidente Ronald Reagan, que viria ao Brasil no começo de dezembro para andar a cavalo com Figueiredo e liberar um cheque de US$ 1 bilhão, que aliviaria as contas brasileiras naquele ano. A tranquilidade, no entanto, duraria poucos dias.
O então presidente do Banco Central, Carlos Langoni, ligou para Garnero, em Nova York, na antevéspera do Natal para dizer que “o Brasil iria quebrar antes do Réveillon”. O que estava em jogo era um empréstimo-ponte de US$ 500 milhões, entre Estados Unidos e Arábia Saudita, para o Brasil. “Liguei para o Schultz, na Califórnia, e o dinheiro caiu na conta no dia seguinte”, diz Garnero. “A partir daí, as coisas entraram nos eixos também com o FMI, que renegociou a nossa dívida.” A solução definitiva, porém, só viria com a adesão do Brasil a um acordo nos moldes do Plano Brady, uma década depois, já com o Plano Real. Desde então, o Brasil passou a credor do Fundo e acumula US$ 350 bilhões em reservas internacionais. “E eu aqui na França tomando vinho”, brinca Garnero, que está em viagem de negócios.
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