domingo, 19 de agosto de 2012

ÓDIO: CONVERSA COM MEU AVÔ - ETIMOLOGIA

Uma vez fui visitar meu avô e o achei meio abatido. Perguntei por que e ele disse que tinha sabido que dois amigos muito queridos seus tinham tido uma briga muito séria.
Fiquei com pena dele.
- Por que acontecem essas coisas, Vô?

- A Humanidade tem dessas coisas, meu rapaz. Sempre teve e não vai mudar. A palavra ódio, por exemplo, é antiga; vem do Latim odium, “aversão, raiva por alguém.” Sabe aquele imperador romano chamado Calígula?
- Sim, parece que era uma peste.
- Era detestável pelos seus atos. Tanto que um dia um seu assessor criou coragem  -  não sei como  -  para lhe dizer que o povo o estava odiando pelo que fazia. E ele, em sua arrogância, respondeu “Oderint, dum metuant“, ou seja, “Odeiem, contanto que temam”. Um dia ele pagaria por esse jeito de ser.

- Falando nisso, e raiva, Vô? Foi inventada a partir de um cachorro furioso?

- Já começou a falar bobagens, menino? Mas não pare, que agüentar suas asneiras me faz bem. Essa palavra vem do Latim rabia, de rabies, “loucura, fúria, delírio”, de uma fonte Indo-Europeia rabhas, “ficar furioso”.

O vírus da raiva se instala num mamífero, muitas vezes um cão, e  altera seu comportamento, tornando-o agressivo. Parece que ele sabe exatamente o que tem que fazer para seguir reproduzindo-se, pois é pela mordida de um animal que está em surto de ferocidade que a saliva contaminada é passado adiante.

- O outro dia li algo que falava em aversão.

- Essa vem do Latim aversio, de aversus, literalmente “virado para o outro lado”, de ad-, “a”, mais versus, de vertere, “virar”. Quando a gente sente algo assim por uma pessoa, prefere se voltar para outro lado para não a enxergar.

- E se a pessoa for antipática?

- Ahá, essa vem do Latim antipathia, do Grego antipatheia, de antipathes, “aquele que se sente de maneira contrária à nossa, aquele que é oposto em sentimentos”, formada por anti-, “contra, oposto”, mais pathos, “sentimento”.

- Tem gente com quem eu antipatizo na escola e nem sei por que.
- É, a gente tem dessas. Às vezes é porque estamos percebendo intuitivamente que há algo ali que não é compatível com a gente. Mas pode ser apenas por razões inexplicadas; vale a pena dar uma oportunidade à pessoa.

Há outras palavras que têm significados nessa área que são pouco usadas, vamos ver se você conhece alguma. Digamos… quizília, já ouviu?

- Que esquisita, não conheço.
- Ela vem do Quimbundo kijila, “regra, mandamento, preceito”.
- E o que tem a ver com brigas e raivas?

- Tem que várias regras e mandamentos culturais definiam quais as coisas deviam ser evitadas, quais as  que deviam dar aversão às pessoas. A partir daí passou a se aplicar a antipatias, broncas, etc.
- Já que o senhor falou em…

- Sei. Bronca, não é? Vem do Italiano bronco, “indivíduo grosseiro”, originalmente “galho, ramo grosso partido”.
- Tenho uns colegas assim…

- Todos conhecemos gente deste tipo. Felizmente já percebi que você nunca será desta forma.

E antes que você se ruborize, vou falar de outra palavra que só se diz nas camadas mais cultas: cizânia. Ela vem do Latim zizania, do Grego zizanion, “joio”. Este é uma planta que cresce com o trigo, mas que não serve para consumo e é uma atrapalhação para os cultivadores. Deixa-os incomodados, gera uma briga entre eles e a planta intrusa.

- Essa é mesmo novidade para mim, Vô.

- Comigo perto tudo é novidade! Mas estamos falando nessas coisas feias e até agora não citamos uma consequência delas, a briga. Ela vem do do Italiano briga, “luta, incômodo, problema”, do Celta briga, “força”. Estes Celtas eram mesmo um povo muito chegado a essa atividade.

- E luta tem a mesma origem?

- Esta vem do Latim lucta, primitivamente luita, “luta, pugna, esforço”, de luctare, “lutar”, originalmente um termo desportivo.
Também podemos falar em ojeriza, do Espanhol ojeriza, “má vontade, antipatia, repulsa”, deojo, “olho”, do Latim oculus, “olho”. Se a gente tem má vontade com uma pessoa, passa a olhá-la torto.

Outra meio rara hoje em dia é picuinha, que se refere a pirraça, provocação, implicância, cisma. Ela vem de picar, que deriva do som de uma bicada, “pic-pic”, provavelmente relacionado ao Latim beccus, “bico” – originalmente o do galo.

Outro termo usado entre estes é ira, que em Latim era ira mesmo e queria dizer “raiva, cólera”.
- E esta, Vô?
- É do Latim cholera, do Grego kholé, “bile”.
- “Bile”, aquela que o fígado faz? O que tem a ver?

- Sabido, este meu neto, hein? Tem a ver que o temperamento irascível e briguento era atribuído, na Medicina antiga, à preponderância da bile entre os humores do organismo. Pensava-se que o sujeito colérico era assim devido a ter mais bile no sangue.

Mas agora chega de falar nessas coisas. Foi bom você ter aparecido e me feito falar. Nesse meio tempo percebi que os problemas são lá desses meus amigos e que não é impossível que eles acabem se acertando. Agora vá para casa e não se meta em brigas pelo caminho.

- E luto?

1) Do Latim LUCTUS, “dor, pesar, aflição”, de LUGERE, “lamentar, sofrer”.
2) Do L. LUCTA, primitivamente LUITA, “luta, pugna, esforço”, de LUCTARE, “lutar”, originalmente termo desportivo.
As palavras aparentemente não têm relação.


Osvaldo Aires Bade - Comentários Bem Roubados na "Socialização"

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