(Reportagem de Giuliano Guandalini, desde Atenas e Frankfurt, na edição impressa de VEJA)
Euro
DOIS LADOS DA MESMA MOEDA
Tanto a Grécia como a Alemanha usam o euro. Mas a diferença na capacidade competitiva explica por que um país vive uma depressão econômica e o outro prospera
Sob a perspectiva de um alemão, é difícil enxergar a crise econômica europeia.
A Alemanha, dona do maior PIB da Europa e do quarto do mundo, superou rapidamente a recessão de 2009. Em três anos, o número de pessoas sem trabalho foi reduzido em 600 000. A taxa de desemprego, de apenas 5,7% da população economicamente ativa, nunca foi tão baixa desde a reunificação, em 1990. As fábricas trabalham em três turnos para suprir a demanda mundial, acima de tudo asiática, pelos seus carros luxuosos e máquinas sem similares.
Na Grécia, o quinto ano seguido de contração do PIB
Para um grego, a crise é real, evidente, diária. Depois de catorze anos ininterruptos de economia em ascensão, bonança catapultada pela adesão ao euro, em 2001, a Grécia entrou em recessão em 2008 – e dela não saiu mais. As últimas estimativas apontam para uma queda de 5% no PIB em 2012, o quinto ano seguido de contração.
Desde 2008, o total de desempregados aumentou em 500 000 pessoas. A taxa de desemprego, de 21%, é a segunda maior da Europa, atrás apenas da taxa da Espanha. Metade dos jovens não possui trabalho (em comparação, apenas 8% dos alemães com menos de 25 anos estão desempregados, o menor porcentual da Europa). Estima-se que 68 000 pequenas e médias empresas tenham fechado as portas na Grécia. Em Atenas, as placas de enoikiazetai (aluga-se, em grego) fazem parte da paisagem urbana.
A Grécia e a Alemanha são os dois extremos da desigualdade crescente entre os dezessete países que utilizam o euro como moeda, a chamada zona do euro.
As economias da Áustria e da Holanda, além da alemã, sentiram um leve impacto com a desaceleração mundial. Portugueses, espanhóis e gregos, no entanto, sofrem na pele com a recessão mais profunda em pelo menos uma geração.
Falta funcionar como região econômica coesa
Como pode coexistir tamanho contraste entre países que fazem parte de um único bloco econômico e compartilham a mesma moeda?
A crise desencadeada em 2008 expôs uma realidade que havia sido encoberta durante os anos de crescimento. A zona do euro não funciona, pelo menos ainda, como uma região econômica coesa. “Precisamos de uma união fiscal que complemente a união monetária”, afirmou a VEJA o economista alemão Joerg Asmussen, diretor do Banco Central Europeu (BCE), em Frankfurt.
Mas Asmussen enfatiza o comprometimento europeu com o futuro da moeda única: “O euro nunca esteve em crise. Existe na verdade uma crise da dívida e de confiança em alguns dos países da região”.
Nos primeiros anos do euro, houve a sensação de que todas as nações operavam como uma única economia. Uma mostra disso é a taxa de juros paga pelos países para financiar suas dívidas. Há duas décadas, quando existiam a peseta, o escudo e a dracma, os governos da Espanha, de Portugal e da Grécia pagavam juros internacionais que chegavam a ser o triplo dos desembolsados pela Alemanha.
Com o euro, praticamente da noite para o dia, espanhóis, portugueses e gregos passaram a dispor de taxas baixíssimas, idênticas às dos alemães. Se todos possuíam a mesma moeda, o risco implícito era igual, e por isso os juros deveriam ser os mesmos, dizia a lógica dos investidores.
Existia, no entanto, uma diferença de competitividade subjacente. O crédito farto e barato impulsionou o consumo e os investimentos, formando bolhas que mais tarde estourariam. Ao mesmo tempo, os gastos públicos também avançaram rapidamente.
Ainda que o total das despesas com políticas de bem-estar social nesses países seja inferior ao de nações mais ricas do bloco, os gastos cresceram rápido demais num curto espaço de tempo. O superaquecimento elevou o custo da mão de obra. Produzir em Portugal ou na Grécia ficou tão ou mais caro do que na Alemanha ou na Áustria, países mais produtivos.
Combinação letal
Num mundo de estabilidade, todos esses desequilíbrios passavam incólumes. Mas eles foram se avolumando. Então veio a crise. O crédito desapareceu, e os investidores começaram a ser mais restritivos. Os juros dispararam para a Grécia, Portugal e também para a Irlanda, um dos primeiros países a ir à lona.
A combinação letal de queda no crescimento e elevação no custo do financiamento tornou as dívidas públicas dessas nações impagáveis. A crise se arrasta há quatro anos.
A Espanha, depois de uma leve retomada no ano passado, entrou de novo em recessão. A Grécia, na melhor das hipóteses, só voltará a ter algum crescimento em 2013.
Vinte anos atrás, era a Alemanha a economia doente da Europa. O país lidava com o custo da reunificação, uma conta anual que oscilava, em valores atuais, entre 30 bilhões e 50 bilhões de euros. Havia 5 milhões de pessoas sem trabalho. “Os desafios posteriores à reunificação estimularam discussões sobre a necessidade de reformas estruturais para aumentar a produtividade”, diz Joachim Nagel, um dos diretores do Bundesbank, o banco central alemão.
A partir de 2003 Essas reformas tiveram como objetivo, em resumo, conter o aprofundamento dos gastos no sistema de seguridade social e também dar maior flexibilidade às leis trabalhistas.
Em 2003, no governo do chanceler social-democrata Gerhard Schroeder, foi lançado um pacote chamado Agenda 2010. Os pacientes do sistema público de saúde começaram a pagar por parte de alguns serviços. As negociações salariais passaram a ser feitas diretamente entre funcionários e empregadores, e os sindicatos perderam poder.
Criou-se a possibilidade de redução dos salários, mediante diminuição das horas trabalhadas. Os impostos sobre os lucros das empresas caíram.
O programa de reformas reduziu os gastos das companhias. Caiu sobretudo o custo final da mão de obra, em um período em que a despesa com funcionários aumentava continuamente na maior parte da Europa. A Alemanha, mais competitiva, passou a amealhar bilhões e bilhões de euros em superávits comerciais. Isso, mesmo lidando com uma moeda forte como o euro. “Foram ajustes difíceis de fazer, houve forte reação”, afirma Nagel. Schroeder, inclusive, perdeu o cargo em 2005, dando espaço a Angela Merkel. “Mas estamos nos beneficiando hoje das reformas estruturais feitas há dez anos.
É surpreendente, até mesmo para nós, como a economia alemã tem se comportado bem”, conclui Nagel. O país dispõe ainda de vantagens históricas, entre elas a sua liderança na engenharia de máquinas e a sua infraestrutura logística, com poucos paralelos no mundo.
O modelo alemão, contudo, reconhecem os próprios alemães, está longe de ser perfeito. Há regulações excessivas em diversas atividades. As novas leis trabalhistas, de acordo com alguns economistas, ampliaram as desigualdades salariais. Por fim, a austeridade e o excesso de poupança fazem com que os alemães desfrutem um padrão de vida inferior ao de outras nações ricas.
Não resta dúvida, porém, sobre seu poder econômico, mesmo em meio à crise continental.
Grécia: desperdício e descontrole
As dificuldades gregas, em contraponto, resultam da completa falta de austeridade e competitividade. “Tivemos uma bolha no setor público”, resume Constantine Papadopoulos, secretário grego para Relações Econômicas Internacionais. “Existia muito desperdício nos gastos do governo.”
Uma amostra desse descontrole ficou evidenciada na semana passada. O governo anunciou os resultados de uma auditoria no sistema previdenciário e descobriu que 200 000 pessoas não deveriam estar recebendo benefícios – ou porque não tinham direito a eles ou porque estavam mortas fazia algum tempo.
Milhares de funcionários públicos foram dispensados, e os salários dos servidores, reduzidos em mais de 20%, assim como as aposentadorias. São ajustes tidos como inevitáveis, mas de impacto recessivo a curto prazo.
Driblando o Fisco
O país possui também um problema histórico de sonegação.
Nas lojas e restaurantes, é comum os vendedores e garçons dizerem que a máquina de cartão de crédito não está funcionando. Trata-se de uma desculpa para receber em dinheiro vivo, e assim driblar o Fisco.
“Se a nossa arrecadação fosse similar à dos demais países europeus, o déficit público deixaria de ser problema”, diz Loukas Tsoukalis, presidente da Fundação Helênica para Políticas Europeias.
Apesar das dificuldades, os gregos permanecem comprometidos com as reformas. Essa disposição terá de ser mantida pelo governo a ser eleito nas próximas eleições, amanhã, 6 de maio.
“Optamos pelo caminho mais difícil que, no fim, será mais produtivo”
O problema é que as reformas demoram a surtir efeito. Além disso, mesmo depois da renegociação da dívida (o maior calote da história, de 206 bilhões de euros), o endividamento público permanece acima de 160% do PIB, o triplo do considerado saudável.
Na prática, a dívida não mudou de tamanho. Os gregos deixaram de dever aos investidores privados e passaram a dever ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e aos outros países europeus, ainda que em termos mais favoráveis. Mas a maioria absoluta da população (70% dos eleitores) apoia a permanência na zona do euro”.
É ilusório imaginar que uma desvalorização cambial aumentaria a nossa competitividade, como afirmam alguns”, diz Constantine Papadopoulos. “A desvalorização cambial não passaria de um truque. Não haveria incentivo para fazermos as reformas necessárias. Optamos pelo caminho mais difícil. Acredito que, no fim, será mais produtivo.”
(LEIA NA CONTINUAÇÃO ENTREVISTA COM DIRETOR DO BANCO CENTRAL EUROPEU)
INTOLERÂNCIA INFLACIONÁRIA
O economista Joerg Asmussen foi secretário do Ministério das Finanças da chanceler Angela Merkel. Desde janeiro, ocupa uma das diretorias do Banco Central Europeu (BCE), o guardião da moeda única. Ele conversou com VEJA no seu escritório, em Frankfurt.
O euro esteve sob um ataque especulativo? O futuro da moeda única foi posto sob ameaça?
Não acreditamos em teorias conspiratórias. Nunca tivemos uma crise do euro.
Existe na verdade uma crise da dívida e de confiança em alguns dos países que fazem parte da zona do euro.
A cotação da moeda tem se mantido estável. Além disso, nos últimos dois anos houve um aumento da utilização do euro como reserva de valor e meio de pagamento.
Não existe, portanto, crise do euro.
O pior da crise financeira ficou para trás?
Os cenários catastróficos que eram discutidos abertamente no fim do ano passado não se confirmaram. Ao mesmo tempo, os países em crise começaram a pôr em prática planos de ajustes em suas economias.
O BCE ofereceu também linhas de recursos aos bancos. Tudo isso contribuiu para acalmar os mercados financeiros. Mas não podemos dizer que a crise acabou.
Sugiro que os governos europeus aproveitem a trégua para executar as reformas necessárias – não apenas em seus países, mas também na zona do euro como um bloco.
Existe uma grande divergência entre a competitividade dos países da região. Como reduzir essa disparidade?
Não existem atalhos. É preciso fazer reformas muitas vezes dolorosas no primeiro momento, mas cujos benefícios serão sentidos mais tarde. Posso citar o exemplo da Alemanha. No início da década passada, foram feitas reformas profundas no mercado de trabalho, dando a ele maior flexibilidade.
A resistência alemã à crise hoje, com um número recorde de pessoas empregadas, deve muito a essas reformas. Não há uma receita única. Cada país deve identificar quais são as reformas necessárias ao aumento de sua competitividade. Mas todos, sem exceção, têm de enfrentar o desafio do envelhecimento da população. É impossível fechar os olhos para essa realidade.
As políticas de amparo social devem ser reduzidas?
O welfare state (Estado de bem-estar social) não está na raiz da crise. O sistema de seguridade social contribui para a produtividade. Mas só se for devidamente financiado. Ele não pode ser mantido como uma constante. Precisa ser ajustado perante mudanças no ambiente econômico, como, por exemplo, o aumento dos idosos na população.
É positivo dispor de flexibilidade nas leis trabalhistas, mas também é importante a existência de algum tipo de seguro-desemprego e a assistência médica pública. Particularmente em períodos de crise, políticas assim contribuem para a coesão social. Mas, volto a enfatizar, o sistema precisa ser sustentável financeiramente. Só devemos ter aquilo que conseguimos pagar.
O BCE herdou do banco central alemão, o Bundesbank, a intransigência absoluta em relação ao aumento de preços. Tolerar um pouco mais de inflação, nas circunstâncias atuais, não apressaria a recuperação?
Estamos profundamente convencidos de que a melhor contribuição que um banco central pode dar ao crescimento é a manutenção da estabilidade de preços. Não acreditamos que exista um conflito entre crescimento e combate à inflação.
O governo brasileiro afirma que a ação europeia, junto com a de outros países ricos, de imprimir moeda para diminuir os efeitos da crise representa uma guerra cambial. Concorda?
Nosso mandato nos obrigar a perseguir a estabilidade de preços. Não temos nenhuma meta para a taxa de câmbio. Não notamos nenhuma apreciação sistemática das moedas dos países emergentes em relação ao euro, o que seria de esperar no caso de um eventual “tsunami monetário”.
Eu, particularmente, não gosto dessa terminologia bélica. Diretores de bancos centrais não são acadêmicos nem jornalistas. Precisamos tomar decisões. Precisamos avaliar as alternativas. Seria mais arriscado não fazer nada.
O crescimento na zona do euro é benéfico para todo o mundo.
Tags: Alemanha, Angela Merkel, austeridade, Banco Central Europeu,Bundesbank, crise econômica europeia, desemprego, dracma, economia,escudo, Estado de bem-estar social, euro, Gerhard Schroeder, Grécia, peseta,reunificação, welfare state
Esses camaradas são os maiores propagadores do comunismo no mundo (aqui)
Osvaldo Aires Bade Comentários Bem Roubados na "Socialização" - Estou entre os 80 milhões Me Adicione no Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário