Lembro-me bem de uma aula de civil na qual a professora informou que até a lua pode ser requerida judicialmente, se é um pedido possível, se é um pleito viável, apenas a instrução do processo e decisão judicial irão confirmar.
Com a utilização da função de questionamentos/consulte um advogado do jus Brasil, que por sinal eu acho interessante ler alguns casos, observei que vários questionamentos terminam com: "posso processar?".
“Posso processar porque fiquei 1 hora na fila do banco aguardando atendimento? Posso processar por que a oferta não foi cumprida?”
Poder processar é diferente de possuir um direito fundamentado favoravelmente na legislação ou jurisprudência.
Poder processar, qualquer pessoa capaz, devidamente representada por um advogado ou até mesmo sem o advogado nos procedimentos que dispensam a representação, pode!
O direito de ação é protegido pela Constituição da República, ninguém pode questionar o ato de demandar judicialmente em busca de um direito que se acredite possuir. Vejamos o que diz a letra da CRFB:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
O questionamento gira em torno da viabilidade da procedência desse direito. Como fazer esse filtro acaba sendo uma tarefa difícil para quem não vivencia a prática forense e não possui conhecimentos jurídicos, fazendo com que o pensamento seja apenas acerca do direito que possivelmente existe pautado nos fatos ocorridos.
Nós advogados, em especial nos casos consumeristas, que em diversos casos atuamos com base no êxito, somos obrigados a realizar um filtro prévio na consulta, afim de não abarrotarmos o Judiciário com aventuras jurídicas, pois é nosso dever também como profissionais do direito zelarmos pelo Judiciário, pois somos sim parte dele.
É melhor ser honesto e informar ao cliente que por mais que tal situação lhe pareça ser justificativa para buscar a resposta do Judiciário, as decisões judiciais não lhe são favoráveis, ou as probabilidades de procedência dos pedidos é muito pequena.
Nos casos em que não se atua pelo êxito da demanda, e sim por um valor de honorários pré-fixados, também acredito ser necessária à honestidade e a apresentação dos entendimentos que não sejam favoráveis.
Acerca da plausibilidade do direito que é pleiteado, por mais descabido que os motivos ou o direito apresentado pela parte para fundamentar seu pleito sejam, não podemos incluir a judicialização do conflito como litigância de má-fé.
Sobre o tema inclusive, temos a seguinte decisão do TJ/RJ:
O réu apenas ajuizou demandas buscando tutelar direito que entendia cabível. Trata-se do exercício do direito de ação, assegurado constitucionalmente, sendo certo que nosso ordenamento jurídico não aplica a teoria concreta do direito de ação, no sentido de que só haveria tal direito se existisse também o direito material. Ao contrário, o nosso ordenamento adotou a teoria abstrata do direito de ação, em que há plena autonomia entre o direito de pretensão e o direito material em si pleiteado. Sendo assim, segundo a teoria da abstração, o direito de ação independe da existência efetiva do direito subjetivo invocado. Dessa forma, não se verifica a prática de ato ilícito, sequer na modalidade de abuso de direito, somente o réu tendo buscado valer direitos pleiteáveis. No mesmo sentido, não merece prosperar o pedido do réu na condenação do autor nas penas de litigância de má-fé, que igualmente apenas exerceu o seu direito de ação, a fim de tutelar direito que entendia cabível. (TJ-RJ - APL: 02822906620128190001 RJ 0282290-66.2012.8.19.0001, Relator: DES. RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 03/12/2014, TERCEIRA CÂMARA CIVEL, Data de Publicação: 05/12/2014 00:00)
Dessa forma, por mais ausente de razoabilidade que a pretensão seja, é direito de ação judicializar a questão e receber a resposta acerca dos pedidos apresentados ao Judiciário, pois a própria Constituição da República garante tal direito. A questão é complexa e gira em torno inclusive de fatores psicológicos, pois podemos nos deparar com casos em que o consumidor se sente tão lesado por atos de determinados réus, que é necessário o ingresso judicial para que, ainda que não tenha seus pedidos julgados procedentes, possa receber uma resposta, uma justificativa dos réus.
Por Dra Juliana Boschoski, para o blog Diário da Vida Jurídica
Este texto foi originalmente publicado no blog Diário da Vida Jurídica, sob autoria da Dra Juliana Boschoski. A reprodução total ou parcial deste conteúdo é autorizada somente mediante manutenção dos créditos e citação da fonte original (link aqui). Grata.
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