sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Olavo de Carvalho nem sempre tem razão

Julio Severo


“Olavo tem razão” gritam seus adeptos para tudo e para todos. Mas é preciso agora levantar outro grito: “Olavo não é Deus.” Isso é auto-evidente. Mas ele e seus adeptos, também chamados de olavetes, não permitem nenhum questionamento. No Facebook, qualquer questionamento respeitoso às postagens desrespeitosas e chulas de Olavo é bloqueado e o questionador é sumariamente queimado na fogueira dos palavrões. A ausência ou banimento de questionamento é característica típica das ditaduras, dos deuses e das seitas.
A seita age assim: tudo o que o líder supremo diz é verdade absoluta e inquestionável. Quem questiona comete pecado imperdoável e vira inimigo mortal.
Olavo tem promovido uma direita com espírito e caráter de seita (o comportamento extremista das olavetes é prova mais que suficiente disso) e tudo pode descambar em seita, como já é bem evidente pela forma como tratam Olavo: “mestre.”
Olavo defende e desculpa a Inquisição (que torturava e matava judeus e evangélicos) do jeito que um comunista ou nazista defende e desculpa seus próprios crimes. Ele xingou Lutero e Calvino de dois “filhos da ****,” trata a Reforma protestante como o primeiro movimento revolucionário (de linha marxista) da história, e mesmo assim existe evangélico masoquista para lhe lamber os pés em tudo e dizer para tudo e para todos: “Olavo tem razão.” Isso não é ser inteligente. Isso é perfil de adepto de seita.
A questão não é apenas que ele xingou Lutero e Calvino. A questão essencial é que xingar é errado. O hábito de xingar é sempre desrespeito. Qualquer mau-caráter faz isso.
Xingar de longe, se valendo da distância como proteção e simulando uma valentia que o xingador não tem frente a frente, é a atitude em que o mau-caráter apimenta o desrespeito com a covardia. De longe, dá para xingar qualquer um no Brasil e na China.
A atitude nobre e corajosa é prevalecer sobre a tentação do desrespeito, mau-caratismo e covardia. É possível e correto criticar publicamente opiniões e comportamentos públicos errados sem apelar para baixarias.
Contudo, alguns jovens evangélicos, por causa da influência filosófica de Olavo, não estão evitando essa tentação. Estão agora vendo e usando a boca suja como virtude, não como comportamento próprio de banheiro de boteco, não como comportamento a ser evitado. Boca suja, entre evangélicos imaturos que alegam ser conservadores, está virando sinônimo de distinção. Eles esqueceram que a boca suja é a marca registrada do mau-caráter.
Pensam que cultivando o hábito das palavras chulas ficarão semelhantes ao Olavo, quando na verdade esse vício os torna conforme a imagem e semelhança dos frequentadores de prostíbulos de periferia.
Esses jovens deveriam parar para pensar: Como é que pode alguém que minimiza os horrores da Inquisição e xinga Lutero e Calvino estar certo e honesto em outras questões?
Olavo disse acerca da Inquisição:
“Até mesmo na imagem popular das fogueiras da Inquisição a falsidade domina. Todo mundo acredita que os condenados ‘morriam queimados,’ entre dores horríveis. As fogueiras eram altas, mais de cinco metros de altura, para que isso jamais acontecesse. Os condenados (menos de dez por ano em duas dúzias de países) morriam sufocados em poucos minutos, antes que as chamas os atingissem.”
Olavo também disse:
“Esclareço: O mito da Inquisição foi A MAIS VASTA E DURADOURA CAMPANHA DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO DE TODOS OS TEMPOS, DURA ATÉ HOJE, COM FINANCIAMENTO MILIONÁRIO, E PARECE QUE NÃO VAI ACABAR NUNCA. QUEM A INVENTOU NÃO FORAM ILUMINISTAS NEM COMUNISTAS. FORAM PROTESTANTES, QUE CONTINUAM A PROMOVÊ-LA ATÉ AGORA, TENDO COMO CENTRO IRRADIANTE AS IGREJAS DOS EUA. Isso é um fato histórico que nenhum historiador profissional hoje em dia desconhece, e não tem nada a ver com ‘debates teológicos.’”
Então, será que um “mito” torturou e matou milhares de judeus e protestantes? Geralmente, Olavo acredita que os russos criam mitos destrutivos. Mas no caso da Inquisição, ele alega que foi criado pelos americanos.
Ben-Zion Netanyahu, um historiador conceituado que trabalhava na Universidade Hebraica de Jerusalém e na Universidade Cornell nos EUA, escreveu um livro enorme sobre a Inquisição, louvado pela A Revista Judaica (Jewish Journal), que disse que “’As Origens da Inquisição na Espanha do Século Quinze,’ uma obra-prima acadêmica e um tomo minucioso sobre a Inquisição da Espanha, descreve como a Igreja Católica perseguia, e muitas vezes executava, multidões de judeus que, sob pressão, haviam se convertido ao catolicismo e que eram acusados de praticar secretamente o judaísmo.” Ben-Zion Netanyahu é pai do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
O Dr. D. James Kennedy, um renomado líder conservador pró-vida, disse sobre a Inquisição, principalmente a Inquisição espanhola: “Foi deplorável no grau mais elevado — uma supermáquina monstruosa de brutalidade e crueldade. Sua natureza era diabólica.”
Mesmo assim para Olavo, a Inquisição não era tão diabólica. Não diferente de comunistas, que fazem revisionismo da história para acobertar e minimizar seus podres, Olavo promove um revisionismo insistente da Inquisição e seus horrores.
Se faz sentido defender a Inquisição, por que não também defender as clínicas de aborto, que igualmente torturam e matam inocentes? Qual é a diferença? Como não enxergar a hipocrisia disso?
Um problema comum nos brasileiros é a hipocrisia. Durante o governo militar no Brasil, ativistas esquerdistas, que se queixavam do capitalismo, escolheram exílio na Inglaterra, Suécia e até nos Estados Unidos, a nação mais capitalista do mundo. Por que anticapitalistas escolheram viver nas nações mais capitalistas do mundo?
Olavo frequentemente se queixa do protestantismo (não o protestantismo liberal, mas todo o protestantismo), mas escolheu exílio na nação mais protestante do mundo. Por que um homem que se queixa do protestantismo escolhe viver na nação mais protestante do mundo?
Olavo tem razão em algumas questões (aborto, educação em casa, vacinação de crianças, etc.). Na questão homossexual, ele acerta ao denunciar a ameaça da agenda gay, porém erra ao tratar o comportamento homossexual como natural. Em matéria de coerência moral e espiritual, protestantismo, Bíblia, Evangelho e Inquisição, OLAVO NÃO TEM RAZÃO.
Até mesmo em questões de geopolítica, Olavo comete erros. Embora ele ostente catolicismo, os grandes sites católicos conservadores dos EUA não publicam seus artigos. O maior site conservador americano a publicar um artigo dele foi o WND, que pertence a um evangélico. O artigo dele publicado pelo WND foi traduzido para o inglês pelo evangélico americano Don Hank, a quem o Mídia Sem Máscara atacou dias atrás com o artigo infame “Desinformação: os mentirosos pagos e os não pagos de Vladimir Putin”. Em defesa de Hank, publiquei internacionalmente este artigo: “Neocons, a Inquisição, russofobia e mentiras.”
Meu desafio público foi: “Hank não é um mentiroso. Ele é um americano conservador que ajuda cristãos em situações muito difíceis, desmascarando seus opressores. Se Kincaid — e também Olavo de Carvalho, que honrou o artigo difamatório de Kincaid publicando-o em português — acha que Hank é um agente pago (ou explicitamente: um mentiroso pago), meu desafio é que uma comissão de investigadores internacionais examine nossas contas bancárias (minha, do Hank, do Kincaid e do Olavo) para revelar ao mundo nossas fontes financeiras. Vamos abrir nossos registros financeiros. Vamos deixar que tal comissão nos investigue. Só desse jeito todos saberão quem está realmente sendo pago para mentir.”
Embora um evangélico seja seu dono, o WND tem colunistas católicos, especialmente o Pat Buchanan, que já foi candidato presidencial pelo Partido Republicano. Buchanan, que era assessor do presidente conservador Ronald Reagan, é um destacado líder católico pró-vida e pró-família, muito mais conhecido do que Olavo. Buchanan tem sustentado uma linha de denúncia aos neocons, que demonizam a Rússia em tudo.
Enquanto Olavo segue uma linha geopolítica neocon, Buchanan segue uma linha de combate aos neocons.
As colunas de Buchanan são publicadas na maioria dos grandes sites católicos conservadores dos EUA. Os artigos de Olavo não são publicados nesses grandes sites. E se fossem, receberiam contestação e questionamento dos leitores americanos, conduta que nem católicos nem evangélicos do Brasil parecem estar dispostos a mostrar diante do “mestre” Olavo. E se tivessem coragem de mostrar, seriam sujeitos à Inquisição de bloqueios e uma rajada de palavrões.
Se Olavo tivesse razão em tudo, todos os seus artigos seriam publicados em todos os grandes sites conservadores dos EUA e até do Vaticano. Se ele tivesse razão em tudo, ele seria um deus.
Mas com uma boca que ostenta com orgulho palavras chulas, xingando a seu bel-prazer Lutero, Calvino e até Julio Severo, como ele espera ser visto e respeitado como católico ou mesmo filósofo? Por que ele não xinga a Inquisição e seus horrores? Por que não xinga os papas que criaram a Inquisição, que torturava e matava judeus e evangélicos?
Por que ele não xinga o bruxo René Guénon? No Google, uma pesquisa conjunta dos nomes “Olavo de Carvalho” e “René Guénon” traz mais de 5 mil resultados. Confira: “Olavo de Carvalho e a premonição ‘magistral’ do bruxo islâmico René Guénon.” Olavo tem sido o maior propagandista do bruxo Guénon que o Brasil já viu.
Um ativismo antimarxista estridente não deveria ser desculpa para fazer vista grossa à Inquisição, aos xingamentos contra Lutero e o favoritismo pelo bruxo Guénon. Embora alguns evangélicos estejam vendo o antimarxismo (que tem seu papel legítimo quando está no seu devido lugar) quase como fruto indispensável do Espírito, a estridência na luta antimarxista nem sempre é sinal de que esse tipo de ativismo tem uma motivação genuinamente cristã por trás.
Portanto, os evangélicos que em busca de conservadorismo se tornaram idolatras de Olavo (mais comumente chamados de olavetes) e estão colocando assuntos políticos acima de assuntos espirituais deveriam lembrar: OLAVO NÃO É DEUS. Ele é mortal. Finito. Imperfeito. Humano. Em necessidade da redenção que só Jesus Cristo pode dar. Em necessidade de libertação e salvação. Em necessidade de oração.
O Olavo já me ajudou muito no passado, me defendendo. Minha humilde contribuição foi atrair o público evangélico a ele e ao Mídia Sem Máscara, onde fui o primeiro colunista evangélico. Isso foi um sucesso além do esperado. Mas as posturas públicas dele precisam ser questionadas. O apoio público dele à Inquisição e aos seus horrores precisa ser questionado. Os xingamentos dele contra Lutero, Calvino e a Reforma precisam ser questionados. Suas visões geopolíticas neocons precisam ser questionadas.
O público evangélico precisa parar de idolatrá-lo e começar a orar por ele.
Ele e suas ideias e escritos podem ser questionados? Sim! Podem ser questionados, rejeitados ou aproveitados, desde que devidamente analisados em busca de real fundamento e veracidade. Mas se você não tem conhecimento, não diga bovinamente que quem tem mais conhecimento está automaticamente certo. Mais conhecimento não é sinônimo de conhecimento certo e não é evidência de que quem o tem sabe usá-lo.
Se até as profecias proferidas nas igrejas devem ser examinadas, conforme ensinou o Apóstolo Paulo em 1 Coríntios 14, por que a opinião de um homem mortal deveria ser dispensada de exame e avaliação?
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