terça-feira, 17 de março de 2015

Comparando Jihad e Cruzadas, em um mapa dinâmico


Cruzadas: guerras defensivas contra o imperialismo islâmico
Comparando Jihad e Cruzadas, em um mapa dinâmicohttp://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2015/03/comparando-jihad-e-cruzadas-em-um-mapa.html.
Posted by Osvaldo Aires Bade on Segunda, 16 de março de 2015
Dr. Bill Warner, do Centro de Estudos do Islão Político (CSPI), mostra as diferenças, em tempo e espaço, entre a Jihad e as Cruzadas.

Como eu costumo dizer, se o Cristianismo for o buraco na estrada, o islão é o próprio precipício.

Vídeo original disponível em: http://youtu.be/I_To-cV94Bo


Cruzadas: guerras defensivas contra o imperialismo islâmico



Por Thomas F. Madden


Muitos historiadores têm tentado há já algum tempo esclarecer os factos em torno das Cruzadas visto que as más-concepções que são demasiado comuns. Para eles, este é um momento de ensinar sobre as Cruzadas no preciso momento em que as pessoas estão a prestar atenção.

Com a possível excepção de Umberto Eco, os estudiosos medievais não estão habituados a tanta atenção; nós temos a tendência de ser um grupo tranquilo (excepto durante as bacchanalia anuais que nós damos o nome de "International Congress on Medieval Studies" em Kalamazoo, Michigan, e logo aí), estando absorvidos a ler crônicas empoeiradas e a escrever estudos chatos e meticulosos que poucas pessoas irão ler. Imaginem, portanto, a minha surpresa quando no espaço de alguns dias após o 11 de Setembro, a Idade Média subitamente se tornou relevante.

Como um historiador das Cruzadas, deparei-me com a reclusão tranquila da torre de marfim a ser destruída pelos jornalistas, editores e apresentadores de talk-shows operando contra tempo, ansiosos por publicar uma notícia antes dos outros. O que foram as Cruzadas?, perguntaram eles. Quando foi que aconteceram?
Quão insensível foi o Presidente Bush ao usar o termo "cruzada" nos seus comentários?
Eu fiquei com a impressão que algumas das pessoas que me ligaram já sabiam as respostas para estas perguntas, ou pelo menos, pensavam que sabiam. O que elas realmente queriam era que um perito lhes dissesse o que eles já defendiam e já acreditavam. Por exemplo, fui frequentemente questionado que comentasse o facto do mundo islâmico simplesmente ter um mágoa contra o Ocidente. Não é a violência atual, insistiram eles, algo que tem as suas raízes no ataque brutal e não-provocado das

Cruzadas contra o tolerante e sofisticado mundo muçulmano?
Dito de outra forma, não será essa violência [islâmica] culpa das Cruzadas?
Isso é o que Osama bin Laden parece pensar. Nas suas várias atuações em vídeo, ele nunca se esquece de descrever a guerra Americana contra o terrorismo como uma nova Cruzada contra o islão. O ex-presidente Bill Clinton também apontou o seu dedo acusador às Cruzadas como causa primordial do atual conflito. No seu discurso na Universidade Georgetown, Clinton recontou (e embelezou) o massacre de Judeus depois dos Cruzados conquistarem Jerusalém em 1099, e informou o seu público que esse episódio é lembrado de forma amarga no Médio Oriente. (Não foi explicado o porquê dos muçulmanos ficarem perturbados com a matança de Judeus).

Clinton foi atacado de forma agressiva nos editoriais jornalísticos por querer culpar tanto os Estados Unidos que estava disposto a regressar até às Cruzadas. Mas ninguém colocou em causa a premissa principal do ex-presidente.
Bem, quase ninguém.
Muitos antes de Bill Clinton as ter descoberto, há já muito tempo que os historiadores tentavam esclarecer os eventos em torno das Cruzadas. Estes historiadores não são revisionistas, tais como os historiadores Americanos que criaram a exibição em torno do Enola Gay, mas sim estudiosos mainstream a disponibilizar os frutos de várias décadas de trabalho académico cuidadoso e sério. Para eles, este é "momento de aprendizagem", uma chance de explicar as Cruzadas exactamente no momento em que as pessoas estão atentas. Esta atenção não vai durar muito tempo, e como tal, aqui vai disto.

Os equívocos em relação às Cruzadas são demasiado comuns; elas são geralmente caracterizadas como uma série de guerras santas contra o islão, lideradas por Papas sedentos de conflitos bélicos e combatidas por fanáticos religiosos, para além de supostamente serem o epítome do farisaísmo e da intolerância - uma mancha negra da história da Igreja Católica em particular, e da civilização Ocidental no geral.

Sendo uma raça de proto-imperialistas, os Cruzados deram início à agressão Ocidental a um Médio Oriente pacífico, e deformaram uma erudita cultura muçulmana, o que causou a que esta ficasse em ruínas. Para tomarmos conhecimento de variações deste tema, não é preciso olhar muito longe. Por exemplo, vejam o épico de três volumes de Steven Runciman com o nome de History of the Crusades, ou vejam o documentário BBC/A&E com o título de, The Crusades, apresentado por Terry Jones. Ambos são historicamente terríveis mas maravilhosamente divertidos.

[O que a História diz sobre as Cruzadas]

Então, qual é a verdade em torno das Cruzadas? Os acadêmicos ainda estão a averiguar algumas coisas em relação a isso, mas muito pode já ser dito com elevado grau de certeza.
Para começar, as Cruzadas a Oriente foram de todas as formas possíveis guerras defensivas. Elas foram uma resposta directa à agressão muçulmana - uma tentativa de retornar ou criar uma linha defensiva contra as conquistas muçulmanas de terras Cristãs.

Os Cristãos do século 11 não eram fanáticos paranoicos; os muçulmanos queriam mesmo acabar com eles. Embora os muçulmanos possam ser pessoas pacíficas, o islão nasceu no meio da guerra e cresceu da mesma forma. Desde os tempos de Maomé, a forma de expansão do islão sempre foi a espada.
O pensamento muçulmano divide o mundo em duas esferas: A Morada do islão [Dar ar-islam] e a Morada da Guerra [Dar al-Harb]. O Cristianismo - e, diga-se de passagem, todas as outras religiões não-islâmicas - não tem essas moradas.

Os Cristãos e os Judeus podem ser tolerados dentro dum estado muçulmano, sob o domínio muçulmano, mas no islão tradicional, os estados Cristãos e Judaicos têm que ser destruídos e as suas terras conquistadas.

Quando Maomé estava a levar a cabo uma guerra contra Meca no século 7, o Cristianismo era a religião dominante em termos de poder e de riqueza. Como a fé do Império Romano, ela espalhava-se por todo o Mediterrâneo, incluindo o Médio Oriente onde havia nascido. Portanto, o mundo Cristão era um alvo importante para os califas iniciais e aos olhos dos líderes muçulmanos, isto ficou assim durante os 1000 anos que se seguiram.

Com um vigor enorme, os guerreiros do islão atacaram o Cristianismo pouco depois da morte de Maomé. Eles foram muito bem sucedidos; a Palestina, a Síria e o Egito - que foram a dada altura as áreas mais Cristãs do mundo - rapidamente caíram. Por volta do 8º século, os exércitos islâmicos haviam conquistado o Norte de África Cristão e a Espanha.

Por volta do século 11, os Turcos Seljúcidas conquistaram a Ásia Menor (a Grécia actual), que já era Cristã desde os dias de São Paulo. O antigo Império Romano, conhecido pelos historiadores modernos como o Império Bizantino, foi reduzido a pouco mais que a Grécia.
Em desespero, o imperador de Constantinopla enviou um pedido de ajuda à Europa ocidental como forma de ajudar os seus irmãos e as suas irmãs do Este.

Foi isto que deu início às Cruzadas; elas não foram idealizadas por um Papa ambicioso ou por cavaleiros ["knights"] vorazes, mas sim programadas como resposta a mais de 400 anos de conquistas onde os muçulmanos já haviam capturado dois-terços do antigo mundo Cristão. A dada altura, a fé e a cultura Cristã teriam que se defender ou ser submetida pelo islão. As Cruzadas foram guerras defensivas.

Durante o Concílio de Clermont, em 1095, o Papa Urbano apelou aos cavaleiros da Cristandade que empurrassem de volta as conquistas do islão. A resposta foi tremenda:
muitos milhares de guerreiros fizeram o juramento da cruz, e prepararam-se para a guerra. Porque é que eles o fizeram? A resposta a essa pergunta tem sido muito equivocada. Com o aproximar do Iluminismo era normalmente afirmado que os Cruzados nada mais eram ignorantes sem-terra que se aproveitaram da oportunidade para pilhar uma terra distante.

Os sentimentos de piedade, auto-sacrifício e amor a Deus manifestos pelos Cruzados obviamente que não eram para serem levados a sério visto que estes sentimentos [supostamente] nada mais foram que uma fachada para intenções mais sombrias.

Durante as últimas duas décadas, estudos às cartas-régias com o apoio informático têm demolido essa invenção; os estudiosos descobriram que os cavaleiros cruzados eram, de maneira geral, homens ricos com bastantes terras suas na Europa. Mais mesmo assim, eles voluntariamente abdicaram de tudo para levar a cabo a missão sagrada. Ser um cruzado não era barato; até mesmo os senhores ricos poderiam empobrecer rapidamente (e com eles as suas famílias) ao tomarem parte numa Cruzada.

No entanto, eles avançaram com isso não porque esperavam algum tipo de riqueza material (algo que muitos deles já tinham) mas sim porque esperavam amontoar um tesouro onde onde a traça e a ferrugem não consomem [Mateus 6:19]. Eles estavam bem conscientes da sua natureza pecaminosa e desejosos de tomar parte nas dificuldades da Cruzada como um acto de penitência, de caridade e de amor.

A Europa encontra-se cheia de milhares de cartas-régias medievais atestando para este sentimento - cartas onde estes homens ainda nos falam, se nós prestarmos atenção. Claro que eles não se opunham à captura do saque se isso fosse possível. Mas a realidade dos factos é que as Cruzadas eram um mau sítio para se obter lucro. Algumas poucas pessoas enriqueceram, mas a largam maioria veio sem nada.


O Papa Urbano II deu aos Cruzados dois objetivos, e esses objetivos mantiveram-se centrais para as Cruzadas no Oriente durante séculos. O primeiro era o de salvar os Cristãos do Este. Tal como o seu sucessor, Papa Inocêncio III, mais tarde escreveu:

Como é que um homem que ama o seu próximo segundo os preceitos divinos, sabendo que os Cristãos seus irmãos na fé e no nome, são retidos pelos pérfidos muçulmanos em reclusão estrita, e subjugados pelo jugo mais pesado da servidão, não se dedica à missão de os livrar? …
É por acaso que vocês não sabem que muitos milhares de Cristãos se encontram escravizados e aprisionados pelos muçulmanos, torturados com tormentos inumeráveis?

“Ir para uma Cruzada,” alegou corretamente o Professor Jonathan Riley-Smith, era entendido como um "gesto de amor" - neste caso, amor pelo próximo. A Cruzada era vista como uma missão de misericórdia como forma de corrigir uma mal terrível. Tal como o Papa Inocêncio III escreveu aos Cavaleiros Templários:

Vocês executam as obras das palavras do Evangelho, "Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos."

O segundo objectivo era o da libertação de Jerusalém e de outros locais tornados santos pela Vida de Cristo. A palavra "cruzada" é uma palavra moderna; os Cruzados Medievais olhavam para si como peregrinos, levando a cabo atos de justiça a caminho do Santo Sepulcro. A indulgência da Cruzada que eles recebiam estava canonicamente relacionada com a indulgência da peregrinação. O objectivo era frequentemente descrito em termos feudais. Apelando para a Quinta Cruzada em 1215, Inocêncio III escreveu:

Levemos em consideração, meus queridos filhos, que se algum rei temporário fosse lançado para fora dos seus domínios, e talvez capturado, não iria ele, depois de ver restaurada a sua liberdade cristalina, e o tempo tivesse chegado para que ele executasse um olhar justo sobre os seus vassalos, classificá-los de desleais e traidores a menos que eles não só tivessem comprometido as suas posses mas também as suas pessoas para o libertar? Semelhantemente, não irá Jesus Cristo, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, cujos servos deles vocês não podem negar ser, que uniu a vossa alma com o vosso o corpo, que vos remiu com o Seu Precioso Sangue .... vos condenar pelo vício da ingratidão e pelos crime de infidelidade, se por acaso vocês negligenciarem prestar-Lhe ajuda?

A reconquista de Jerusalém, portanto, não era colonialismo mas sim um acto de restauração e de declaração aberta de amor por Deus. Os homens medievais sabiam, obviamente, que Deus tinha o Poder para restaurar Ele mesmo Jerusalém - de facto, Ele tinha o poder para restaurar todo o mundo para o Seu governo. Mas tal como São Bernardo de Clairvaux pregou, a Sua recusa em fazer as coisas assim eram uma bênção para o Seu povo:
Volto a dizer, consideremos a bondade do Todo Poderoso e levemos em conta os Seus planos de misericórdia. Eles coloca-Se sob a vossa obrigação, ou melhor, finge que faz isso, de modo a que Ele vos possa ajudar a satisfazer as vossas obrigações para com Ele... Eu qualifico de abençoada a geração que pode agarrar uma oportunidade de tão rica indulgência como esta.

É frequentemente assumido que o propósito central das Cruzadas era o de converter à força o mundo islâmico; nada poderia estar mais longe da verdade. Do ponto de vista dos Cristãos Medievais, os muçulmanos eram os inimigos de Cristo e da Sua Igreja. Era a função dos Cruzados derrotá-los e levar a cabo actos defensivos contra eles. Nada mais. Os muçulmanos que viviam em terras conquistas pelos Cruzadas eram geralmente permitidos que retivessem as suas posses, o seu modo de vida, e sempre a sua religião.

De fato, durante a história do Reino Cruzado de Jerusalém, o número de habitantes muçulmanos era superior ao número de Católicos. Foi só a partir do século 13 que os Franciscanos deram início aos esforços de conversão entre os muçulmanos, mas estes foram na sua maioria infrutíferos e, por fim, abandonados. De qualquer das formas, tais esforços consistiam na persuasão pacífica e não em esforços com base na ameaça de violência.

As Cruzadas foram guerras, e como tal, seria um erro caracterizá-las como algo mais que piedade e boas intenções. Tal como em todas as guerras, a violência foi brutal (embora não tão brutal como as guerras modernas). Houve percalços, asneiras, e crimes. Estes são normalmente muito bem lembrados nos dias atuais.

Durante os dias iniciais da Primeira Cruzada, em 1095, um indesejável grupo que se encontrava entre os Cruzados, liderado pelo Conde Emicho de Leiningen, atravessou o Reno, roubando e assassinando todos os Judeus que conseguiram encontrar. Sem sucesso, os bispos locais tentaram colocar um ponto final na carnificina.

Aos olhos desses guerreiros, os Judeus, tal como os muçulmanos, eram inimigos de Cristo, e como tal, matá-los e ficar com as suas posses não era visto com maus olhos. De facto, eles viam isso como um acto justo uma vez que o dinheiro dos Judeus poderia ser usado para financiar a Cruzada para Jerusalém.

Mas eles estavam errados e a Igreja condenou de modo firme os ataques dirigidos aos Judeus. Cinquenta anos mais tarde, quando a Segunda Cruzada estava a ser preparada, São Bernardo pregava frequentemente que os Judeus não deveriam ser perseguidos:
Perguntem a qualquer pessoa que conheça as Sagradas Escrituras o que ele encontra profetizado sobre os Judeus no Livro dos Salmos: “Não para a sua destruição eu oro", diz o Salmo. Os Judeus são para nós as palavras vivas das Escrituras ,visto que eles nos lembram sempre o que o Nosso Senhor sofreu.... Sob os príncipes Cristãos, eles suportam um cativeiro severo mas "eles esperam o momento da sua libertação".

Mesmo assim, um Cisterciense , companheiro e igualmente monge, chamado Radulf agitou as pessoas contra os Judeus do Reno, apesar das inúmeras cartas de Bernardo a exigir que ele parasse. Por fim, Bernardo foi forçado a ir ele mesmo para a Alemanha, onde se encontrou com Radulf, enviou-o de volta para o seu convento, e colocou um ponto final das massacres.

É normalmente dito que as raízes do Holocausto podem ser vistas nestes pogroms medievais. Até pode ser que sim. Mas se isto é assim, essas raízes são muito mais profundas e muito mais difundidas que as Cruzadas. Os Judeus foram mortos durante as Cruzadas, mas o propósito das Cruzadas não era matar Judeus. Pelo contrário, Papas, bispos e pregadores deixaram bem claro que os Judeus da Europa não deveriam ser perturbados. Numa guerra actual, chamamos a estas mortes de "danos colaterais". Mesmo com as tecnologias modernas, os Estados Unidos mataram mais inocentes com as nossas guerras do que as Cruzadas alguma vez poderiam. Mas ninguém iria alegar que o propósito das guerras Americanas é matar mulheres e crianças.

Independentemente da forma que se olhe para ela, a Primeira Cruzada foi um tiro no escuro; não havia líder, não havia linha de comando, não havia linhas de abastecimento e nem uma estratégia detalhada. Ela apenas era um conjunto de milhares de guerreiros a marchar bem para dentro do território do inimigo, unidos por uma causa comum. Muitos deles morreram, quer tenha sido através da doença ou da fome.

A Primeira Cruzada foi uma campanha dura, uma que parecia sempre estar à beira do desastre, no entanto ela foi milagrosamente bem sucedida. Por volta de 1098 os Cruzadas haviam restaurado a Niceia e a Antioquia ao domínio Cristão. A alegria da Europa encontrava-se desenfreada; parecia que o rumo da História, que havia elevado os muçulmanos para tal posição exaltada, estava agora a virar.

Mas não estava.

Quando pensamos na Idade Média, é fácil olhar para a Europa para aquilo que ela se tornou e não naquilo que ela era. O colosso do mundo medieval era o islão e não a Cristandade. As Cruzadas são interessantes principalmente porque elas foram uma tentativa de contrariar essa tendência, mas em cinco séculos de cruzadas, só a Primeira Cruzada conseguiu retornar de forma significativa o progresso militar islâmico. A partir daí, foi sempre a cair [para a Europa].

Quando o Condado Cruzado de Edessa caíu para as mãos dos Turcos e Curdos em 1144, houve, na Europa, uma vaga de fundo enorme em apoio para uma nova Cruzada. Esta foi liderada por Luis VII de França e Conrado III da Alemanha, e pregada pelo próprio Bernardo. Ela foi um fracasso total. A maior parte dos Cruzados foi morta durante o percurso e aqueles que sobreviveram até Jerusalém, pioraram as coisas atacando Damasco muçulmana, que havia sido previamente uma forte aliada dos Cristãos.

No seguimento deste desastre, os Cristãos Europeus foram forçados a aceitar não só o crescimento contínuo do poder muçulmano, mas a certeza de que Deus estava a castigar o Ocidente pelos seus pecados. Movimentos piedosos leigos emergiram por toda a Europa, enraizados no desejo de purificar a sociedade Cristã de modo a que ela pudesse ser mais bem sucedida no Este.

Devido a isto, levar a cabo uma Cruzada na parte final do século 13 tornou-se portanto um esforço total de guerra. Todas as pessoas, independentemente da pobreza ou fraqueza, foram chamadas a ajudar. Pediu-se aos guerreiros que sacrificassem a sua riqueza e, se fosse preciso, as suas vidas na defesa do Este Cristão. A nível doméstico, os Cristãos foram chamados para apoiar as Cruzadas através da oração, do jejum e das esmolas.

Mas mesmo assim, os muçulmanos cresceram em força. Saladino, o grande unificador, havia forjado o Médio Oriente islâmico numa única entidade, ao mesmo tempo que pregava a jihad contra os Cristãos. Por volta de 1187, na Batalha de Hattin, as suas forças derrotaram as forças combinadas dos Reino Cristão de Jerusalém e capturaram a preciosa relíquia da Santa Cruz. Indefensáveis, as cidades Cristãs começaram a render uma a uma, culminando na rendição de Jerusalém no dia 2 de Outubro. Só uma pequena lista de portos se manteve firme.

A resposta foi a Terceira Cruzada, liderada pelo Imperador Frederico I Barbarossa do Império Alemão, e pelo Rei Ricardo I Coração de Leão. Qualquer que seja a forma que esta Cruzada seja analisada, ela foi um empreendimento enorme, embora não tão grandiosa como os Cristãos haviam desejado. O envelhecido Frederico afogou-se quando atravessava um rio montado no seu cavalo, e consequentemente, o seu exército regressou para casa antes de chegar à Terra Santa.

Filipe e Ricardo vieram de barco, mas as suas lutas incessantes apenas acrescentaram mais problemas à já de si situação divisiva na Palestina. Depois de reconquistar Acre, o rei de França regressou para casa, onde ele ocupou o seu tempo com a repartição das posses Francesas de Ricardo Coração de Leão. A Cruzada, portanto, ficou totalmente sob a responsabilidade de Ricardo.

Um guerreiro talentoso, um líder dotado, e um táctico soberbo, Ricardo levou as forças Cristãs a vitória atrás de vitória, eventualmente reconquistando toda a costa. Mas Jerusalém não era na costa, e depois de duas tentativas abortadas de assegurar linhas de abastecimento para a Cidade Santa, Ricardo por fim desistiu. Prometendo um dia regressar, ele fez um pacto de tréguas com Saladino que assegurava paz na região e acesso livre a Jerusalém por parte de peregrinos desarmados. Mas isto foi um remédio difícil de engolir. O desejo de restaurar Jerusalém para o domínio Cristão, e re-obter a Verdadeira Cruz, permaneceu intenso por toda a Europa.

As Cruzadas do 13º Século foram maiores, com melhor financiamento, e com melhor organização, mas também elas falharam.

A Quarta Cruzada (1201-1204) caiu por terra quando se deixou seduzir pela rede da política Bizantina, que os Ocidentais não entendiam na plenitude. Eles fizeram um desvio para Constantinopla como forma de dar o seu apoio a um pretendente imperial que lhes prometeu recompensas e apoio para a Terra Santa. Mas mal ele se encontrou no trono dos Césares, o seu benfeitor descobriu que ele não conseguiria pagar o que havia prometido.

Traídos, portanto, pelos seus amigos Gregos, em 1205 os Cruzados atacaram, capturaram e saquearam de modo brutal a cidade de Constantinopla, a maior cidade Cristã do mundo. O Papa Inocêncio III, que havia previamente excomungado toda a Cruzada, condenou fortemente os Cruzados, mas não havia muito que ele poderia fazer.

Os eventos trágicos de 1204 fecharam uma porta de ferro entre os Católicos Romanos e os Gregos Ortodoxos - porta essa que nem o atual [ed: na altura em que o artigo foi escrito] Papa João Paulo II tem sido incapaz de reabrir. É uma ironia terrível que as Cruzadas, que eram um resultado directo do desejo Católico de salvar o povo Ortodoxo, tenham afastado ainda mais os dois grupos - e talvez irrevogavelmente.

As restantes Cruzadas do 13º Século não fizeram muito melhor. A Quinta Cruzada (1217-1221) capturou durante pouco tempo Damietta no Egito, mas os muçulmanos eventualmente derrotaram o exército e reocuparam a cidade.

São Luis XI de França liderou duas Cruzadas durante a sua vida. A primeira também capturou Damietta, mas Luís foi rapidamente superado pelos Egípcios e forçado a abandonar a cidade. Embora Luís tenha estado na Terra Santa durante vários anos, gastando livremente em obras defensivas, ele nunca atingiu o seu desejo mais profundo: libertar Jerusalém. Por volta de 1270 ele era um homem mais velho quando liderou outra Cruzada contra Tunis, onde morreu com uma doença que devastou o seu acampamento militar.

Depois da morte de Luís, os impiedosos líderes maometanos Baibars e Qalawun levaram a cabo uma jihad brutal contra os Cristãos na Palestina. Por volta de 1291, as forças muçulmanas haviam sido bem sucedidas na matança ou na erradicação do último dos Cruzados, e desde logo, apagando o Reino Cruzado do mapa. Apesar de numerosas tentativas e de muitos outros planos, as forças Cristãs nunca mais conseguiram obter um ponto de apoio na região até ao século 19.

Seria de pensar que três séculos de derrotas Cristãs tivessem azedado os Europeus contra a ideia das Cruzadas, mas nada disso aconteceu. De qualquer forma, eles não tinham outra alternativa.

Por volta dos séculos 14, 15 e 16, os reinados muçulmanos estavam a ficar mais - e não menos - poderosos. Os Turcos Otomanos não só conquistaram os seus companheiros muçulmanos, unificando ainda mais o islão, mas continuaram a avançar para o ocidente, capturando Constantinopla e mergulhando profundamente bem dentro da Europa.

Por volta do século 15, as Cruzadas já não eram obras de misericórdia para com pessoas distantes, mas tentativas desesperadas de sobrevivência do último reduto do Cristianismo. Os Europeus começaram a ponderar a possibilidade real do islão poder finalmente atingir os seus objectivos de conquistar todo o mundo Cristão. Um dos maiores best-sellers da altura, The Ship of Fools, por parte de Sebastian Brant, deu voz a este sentimento num capítulo com o título de “Of the Decline of the Faith”:

Our faith was strong in th’ Orient,
It ruled in all of Asia,
In Moorish lands and Africa.
But now for us these lands are gone
‘Twould even grieve the hardest stone….
Four sisters of our Church you find,
They’re of the patriarchic kind:
Constantinople, Alexandria,
Jerusalem, Antiochia.
But they’ve been forfeited and sacked
And soon the head will be attacked.

Claro que isto não aconteceu, mas quase aconteceu. Por volta de 1480, o Sultão Mehmed II capturou Otranto como uma praça de armas para a sua invasão da Itália. Roma foi evacuada, mas o sultão morreu pouco depois, e os seus planos morreram com ele. Em 1529, Suleiman o Magnífico sitiou Viena. e se não fossem chuvas anormais que atrasaram o seu progresso e forçaram-no a deixar para trás a maior parte da sua artilharia, é virtualmente certo que os Turcos teriam tomado a cidade. A Alemanha estaria, então, à sua mercê.

No entanto, ao mesmo tempo que estes encontros próximos estavam a ocorrer, outra coisas estavam a acontecer na Europa - algo sem precedentes na história humana. O Renascimento, nascido dos valores Romanos, piedade medieval, e um respeito único pelo comércio e pelo empreendedorismo, haviam levado a outros movimentos tais como o humanismo, a Revolução Científica e à Idade da Exploração.

Ao mesmo tempo que lutava pela sua vida, a Europa preparava-se para se expandir à escala global. A Reforma Protestante, que havia rejeitado o papado e a doutrina da indulgência, fez das Cruzadas algo impensável aos olhos de muitos Europeus; isto, consequentemente, deixou a luta para os Católicos. Em 1571, a Liga Santa, que era ela mesma uma Cruzada, derrotou a frota Otomana em Lepanto; no entanto, vitórias militares tais como esta eram raras.

A ameaça muçulmana foi economicamente neutralizada. À medida que a Europa cresceu em riqueza e poder, os outrora soberbos e sofisticados Turcos começaram a parecer retrogados e patéticos - não mais dignos duma Cruzada. O "Homem Doente da Europa" coxeou até ao século 20, quando finalmente expirou, deixando para trás a confusão atual que é o Médio Oriente.

Da segura distância de muitos séculos, é muito fácil olhar com repulsa para as Cruzadas. Afinal, a religião não é para se combater guerras. Mas não nos devemos esquecer que os nossos ancestrais medievais ficariam igualmente enojados com as nossas guerras infinitivamente mais destrutivas, combatidas em nome de ideologias políticas. No entanto, tanto o soldado medieval como o soldado atual lutam principalmente em prol do seu próprio mundo e tudo o que o compõe. Ambos estão dispostos a sofrer um sacrifício enorme, desde que seja em nome de algo que eles consideram válido - algo maior que eles mesmos.

Quer nós admiremos as Cruzadas ou não, é um facto que o mundo de hoje não existiria sem os seus esforços. A Fé antiga que é o Cristianismo, com o seu respeito pelas mulheres e antipatia pela escravatura, não só sobreviveu como floresceu. Sem as Cruzadas, era bem possível que ela tivesse seguido os passos do Zoroastrismo - outra fé rival do islão - à extinção.

- http://goo.gl/QdaFYG em inglês



COMO A CIVILIZAÇÃO PODE VENCER A BARBÁRIE SEM RECORRER AOS MESMOS MÉTODOS?
 

Venho repetindo esta pergunta há algum tempo. Não há uma resposta fácil. O discurso atual sobre a questão islâmica vai do relativismo moral da esquerda (que os vê como aliados objetivos na luta contra as democracias liberais) ao fundamentalismo ocidental que praticamente prega uma nova cruzada. Evidentemente não há mérito ou bom-senso nestes extremismos, como não o há no extremismo islâmico. Em outro artigo lembrei que “as sociedades possuem histórias e desenvolvimentos díspares ao longo do tempo. Os árabes já foram superiores aos Europeus em tolerância, educação, matemática, engenharia, astronomia etc. Por conta da dominação Otomana, pararam no tempo. Já os países reconhecidos hoje como de Primeiro Mundo avançaram e construíram um código de valores civilizatórios que os faz críticos de suas próprias histórias.”
Agora encontro outra reflexão que me parece seguir trilha semelhante e de forma mais abrangente.

Segundo Stephen Greenblatt, no livro A Virada: O Nascimento do Mundo Moderno, o destino da imensa quantidade de livros em pergaminhos é muito bem exemplificado pelo fim da maior das bibliotecas do mundo antigo, localizado em Alexandria, a capital do Egito e centro comercial do Mediterrâneo oriental. Em local conhecido como Museu, quase toda a herança cultural das culturas grega, latina, babilônia, egípcia e judaica tinha sido reunida a um custo enorme e cuidadosamente arquivada para pesquisa.

Já a partir de 300 a.C., os reis que governavam Alexandria atraíram os principais eruditos, cientistas e poetas a sua cidade oferecendo-lhes empregos vitalícios no Museu com boas remunerações, isenções fiscais, comida e alojamentos gratuitos e acesso aos recursos quase ilimitados da biblioteca. Estabeleceram padrões intelectuais elevadíssimos e possibilitaram grandes descobertas e invenções.

A biblioteca de Alexandria não estava associada a uma doutrina ou escola filosófica em particular. Seu objetivo era a busca intelectual em todos os seus aspectos. Ela representava um cosmopolitismo global, uma determinação em reunir o conhecimento acumulado de todo o mundo e de aperfeiçoar e acrescentar mais a esse conhecimento.
Em seu apogeu, o Museu continha pelo menos meio milhão de rolos de papiro sistematicamente organizados, etiquetados e armazenados segundo um novo e engenhoso sistema que seu primeiro diretor parece ter inventado: a ordem alfabética.

As forças que destruíram essa instituição nos ajudam a entender por que o manuscrito de Lucrécio — Da Natureza –, recuperado apenas em 1417, fosse a única coisa que restava de uma escola de pensamento – o epicurismo – que tinha sido debatida intensamente em livros (papiros).

O primeiro veio em consequência de uma guerra: parte do acervo da biblioteca – rolos que estavam em depósitos próximos do porto – foi queimada acidentalmente em 48 a.C., quando Júlio César lutava para manter o controle da cidade.

Mas havia ameaça maior que a ação militar: a intolerância religiosa. O Museu, como seu nome indica, era um templo dedicado às Musasas nove deusas que representavam as realizações da criatividade humana. Estava repleto de estátuas de deuses e deusas, altares e outros artefatos do culto pagão.

Os judeus e os cristãos que viviam em grandes números em Alexandria estavam incomodadíssimos com esse politeísmo. Não duvidavam que outros deuses existissem, mas achavam que esses deuses eram, sem exceção, demônios, ferrenhamente determinados a atrair a tola humanidade para longe da única e universal verdade: a sua crença. Consideravam todas as outras revelações e orações registradas naqueles milhares de rolos de papiros eram mentiras. A salvação repousava nas Escrituras.

Séculos de pluralismo religioso sob a égide do paganismo – três crenças vivendo lado a lado com espírito de tolerância sincrética – estavam chegando ao fim. No começo do século IV, o imperador romano Constantino começou o processo pelo qual o cristianismo tornou-se a religião oficial de Roma. Foi só uma questão de tempo antes que um sucessor fervoroso lançasse éditos que proibiam sacrifícios públicos e fechavam grandes locais de culto pagão. O Estado romano tinha dado início à destruição do paganismo.

Em Alexandria, o líder espiritual da comunidade cristã seguiu os éditos ao pé da letra. Litigioso e impiedoso, açulou hordas de fanáticos cristãos que saíam pelas ruas insultando os pagãos. Expondo os símbolos secretos dos “mistérios” pagãos ao ridículo público, mandou que os objetos religiosos fossem levados em desfile pelas ruas.

Pagãos religiosos insurgiram-se irritados. Enfurecidos, atacaram os cristãos com violência e então se recolheram atrás das portas trancadas do Museu. Armada de machados e marretas, uma turba igualmente alucinada de cristãos invadiu o templo, passou por cima de seus defensores e destruiu uma famosa estátua de mármore, marfim e ouro do deus Serapeon. Pior, o líder cristão ordenou que monges se instalassem nos templos pagãos, transformando-os em igrejas!

Alguns anos depois, Cirilo, o sobrinho sucessor do patriarca cristão, expandiu o escopo dos ataques, dirigindo sua ira religiosa dessa vez aos judeus. Exigiu a expulsão da grande população judia da cidade. O governador cristão moderado recusou e essa recusa foi apoiada pela elite intelectual pagã da cidade, cuja representante mais conhecida era a influente, lendariamente linda quando jovem, e imensamente culta Hipátia. Filha de um matemático, um dos famosos estudiosos residentes do Museu, havia ficado famosa por suas realizações em Astronomia, Música, Matemática e Filosofia.

As mulheres no mundo antigo muitas vezes tinham vidas reclusas, mas não ela. Na época dos primeiros ataques às imagens pagãs, ela e seus seguidores nitidamente se mantiveram distantes, dizendo a si mesmos talvez que a destruição de estátuas animadas deixava intacto o que era realmente importante. Mas com a agitação contra os judeus deve ter ficado claro que as chamas do fanatismo não iriam morrer.

O fato de Hipátia ter apoiado Orestes, governador de Alexandria, quando ele se recusou a expulsar a população judia da cidade, incitou a circulação de boatos de que seu profundo envolvimento com Astronomia, Matemática e Filosofia – tão estranho, afinal, por parte de uma mulher – era sinistro: ela devia ser uma bruxa, praticar magia negra!

Em março de 415, a multidão incitada arrancou Hipátia de sua carruagem e a levou para um templo que simbolizava a destruição do paganismo para dar lugar à “única e verdadeira fé”. Ali, depois de ter as roupas rasgadas, sua pela foi arrancada com cacos de cerâmica. A turba então arrastou seu cadáver para fora dos muros da cidade e o queimou. Seu líder “herói”, Cirilo, acabou canonizado pela Igreja Católica Apostólica Romana…
O assassinato de Hipátia significou mais do que o fim de uma pessoa notável. Ele efetivamente marcou o declínio da vida intelectual alexandrina. Foi o sinal da morte de toda a tradição intelectual pagã da Antiguidade. Nos anos seguintes, a biblioteca de Alexandria com toda sua cultura clássica, praticamente, deixou de ser mencionada.

No fim do século IV, os romanos tinham praticamente abandonado a leitura como atividade séria. Não foram responsáveis só os ataques dos bárbaros ou o fanatismo dos cristãos. Com a perda das âncoras culturais, o Império Romano lentamente desmoronava em uma decadência que levava a uma trivialidade vulgar. No lugar do filósofo, chamava-se o cantor, antecessor da “celebridade” de hoje…
Quando, depois de uma longa e lenta agonia, o Império Romano ocidental finalmente ruiu – o último imperador, Rômulo Augústulo, renunciou sem alarde em 476 (exatamente 1.300 anos antes do nascimento do futuro Império Norte-americano) –, as tribos germânicas que tomaram uma província depois da outra não tinham nenhuma tradição letrada. Como os conquistadores eram em sua grande maioria cristãos, aqueles dentre eles que haviam aprendido a ler e a escrever não tinham nenhum incentivo para estudar as obras de autores pagãos clássicos como os filósofos gregos.

A barbárie predominou devido à intolerância religiosa. Lutemos para que a essa dramática história não se repita!

RETOMO PARA CONCLUIR

Se você já leu as “Mil e uma Noites”, principalmente a versão compilada e traduzida para o francês  pelo orientalista Antoine Galland em 1704 (a preferida de Jorge Luis Borges), é impossível não notar o quanto o curriculum da heroína Sherazade é inspirado em Hipátia. Esta observação é interessante na medida em que o livro, derivado da tradição oral de séculos, é fruto da cultura árabe/persa (muçulmana) e também uma reflexão sobre os efeitos nefastos da intolerância e do extremismo.

Quando olhamos para os enforcamentos de homossexuais e cristãos no Irã, por exemplo, que pode ser considerado moderado quando comparado ao Estado Islâmico, temos todo o direito de sentir repulsa e lutar por mudanças, mas não faz bem esquecer Billie Holiday emocionando os EUA ao dar voz ao poema/canção  “Strange Fruit” da década de 1930, que denunciava o enforcamento de negros, nem tão pouco a luta pelo direito a voto desta população, que só foi conquistado em 1965. Por que contraponho Irã e EUA? Simples: para lembrar que a racionalidade e a tolerância são construções/conquistas relativamente recentes. E não foram construções/conquistas fáceis.

Quanto à questão islâmica propriamente, já deveria ser claro para nós ocidentais que o conflito físico, a guerra, é sempre trágica e muitas vezes inútil, como parece ter sido o caso das invasões americanas no Iraque e no Afeganistão (para não falar do desastre liderado pela França na Líbia).

Me parece que o único caminho que faz sentido é ser intolerante com a intolerância. É preciso ações de inclusão e não de exclusão. É preciso convidar todas as lideranças Islâmicas que se declaram moderadas a reconhecer em alto e bom som o estado laico e o direito inequívoco de professar qualquer fé ou nenhuma fé. É fundamental que digam com todas as letras que nenhum desenho de mau gosto, nenhum verso satânico, nenhuma opinião contra Maomé, Alá ou o Islã justifica agressões, assassinatos, chibatadas ou explosões.
A repetição destas mensagens de tolerância, a reflexão sobre elas, a cobrança para que as palavras correspondam a ações concretas certamente trarão mudanças. Sem elas, o fino verniz civilizatório construído pelo ocidente, ou mais especificamente pelas democracias laicas liberais, irá quebrar-se e triunfará a barbárie.

Artigo de Paulo Falcão.
Artigo original no blog Cidadania & Cultrura:

PARA EXTREMISTAS, NÃO INTERESSA QUEM MORRE, INTERESSA QUEM É O ALGOZ

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A frase que dá título a este artigo foi retirada do texto publicado por Gustavo Chacra em seu blog no Estadão dia 01/07/2014 na esteira das reações das pessoas em geral e de seus leitores em particular ao assassinato de três jovens israelenses por radicais palestinos.

Acompanho Gustavo Chacra há anos e o considero uma das melhores e mais isentas fontes de informação e análise sobre as questões do Oriente Médio e vizinhos.

Especula pouco, e quando o faz, deixa claro suas dúvidas. Além disso, nos comentários de seus leitores frequentemente aparecem pessoas muito bem informadas que trazem boas contribuições. Mas há também os odiadores profissionais, como de resto vemos com frequência assustadora na internet.

Embora a questão abordada envolva um radicalismo muito além do que assistimos nos conflitos que pipocam no Brasil, é impossível não notar a semelhança no modus-operandi de quem aposta em semear vento para colher tempestades. A diferença é apenas de grau, e talvez, de oportunidade.

Segue o post do Gustavo Chacra.

O que vocês querem leitores extremistas pró-Israel e pró-Palestina?

Sinto muito leitor extremista, mas mesmo se você odiar os israelenses, eles continuarão existindo. Podem cometer mais milhares de atentados terroristas e lançar um milhões de foguetes vagabundos a partir de Gaza. Mas eles estarão lá, em Tel Aviv, em Haifa, em Jerusalém. E se você odiar os palestinos, sinto muito, mas eles continuarão existindo. Podem construir mais milhares de casas em assentamento na Cisjordânia, bombardear Gaza de Copa em Copa do Mundo e prender centenas de membros do Hamas. Mas eles estarão em Ramallah, Nablus e Jerusalém Oriental.

Vocês tem a opção de continuar se odiando para sempre. Haverá seus defensores. Tenham certeza. Com o tempo, claro, os maiores defensores de Israel serão os mais islamofóbicos. E os maiores defensores dos palestinos serão os mais antissemitas.

Para vocês, leitores extremistas, não interessa quem morre. Interessa quem é o algoz. Sua maior diversão é dizer que os israelenses são os maiores assassinos do mundo ou, do outro lado, que os palestinos são os maiores assassinos do mundo. Para você leitor extremista do lado palestino no Brasil, é uma vitória quando Israel bombardeia Gaza e morre uma criança. Você pode dizer e mostrar foto dos israelenses e dizer que eles são assassinos. E para você leitor extremista do lado israelense no Brasil, é uma vitória quando três jovens são mortos porque você pode chamar os palestinos de terroristas.

Suas narrativas são distintas e vocês nunca conseguirão convencer o outro lado.

Retomo. 

É óbvio que os discursos e práticas de ódio servem a causas, mas não à população. Certas bandeiras só permanecem tremulando quando sopra o vento da intolerância, da acusação e, principalmente, dos objetivos radicalmente inalcançáveis, como a eliminação da outra parte, por exemplo.

Não há virtude neste extremismo. No caso Judeus X Palestinos, saltam aos olhos os malefícios e nenhum possível benefício. Isto deveria bastar em uma abordagem racional da questão, mas racionalidade é artigo raro onde prospera o ódio.

Aos que costumam disfarçar a irracionalidade do próprio discurso com argumentos do tipo “Israel é o algoz porque tem poder desproporcional” proponho um exercício de imaginação: qual seria a atitude do Hamas para com Israel se o poder de fogo estivesse invertido? A única resposta honesta, a julgar por seu próprio estatuto, é que já teriam aniquilado todos os judeus da região. Isto justifica barbáries por parte de Israel? Não, evidentemente, apenas deixa claro que a lógica do “poder desproporcional” é falsa, embora o fato seja verdadeiro.

A única alternativa para acabar com a morte de inocentes é a paz e o reconhecimento mútuo dos estados Judaico e Palestino. A postura “luta de classes” ou “guerra santa” é apenas hipocrisia ou ignorância.

Deixo com vocês a sugestão de uma artigo correlato e premonitório:

O NAZISMO ANTES DO NAZISMO E A PREVISÃO DO COMUNISMO/SOCIALISMO COMO RELIGIÃO



A insensatez travestida de razão está na base da maioria (se não de todos) os conflitos humanos. Leiam o texto de Eça de Queiroz, de 1880, e vejam como antecipa o nazismo na Alemanha (mas não somente lá), bem como o futuro das ideias de um certo Marx. Seja qual for a sua opinião sobre estes assuntos, recomendo a leitura.

VI


Israelismo
As duas grandes «sensações» do mês são incontestavelmente a publicação do novo romance de Lord Beaconsfield, Endymion, e a agitação na Alemanha contra os Judeus. 
Literariamente, pois, e socialmente o mez pertence aos israelitas.

Este extraordinário movimento anti-judaico, esta inacreditável ressurreição das cóleras piedosas do seculo XVI é vigiada com tanto mais interesse em Inglaterra quanto aqui, como na Alemanha, os judeus abundam, influindo na opinião pelos jornais que possuem (entre outros o Daily Telegraph, um dos mais importantes do reino), dominando o comercio pelas suas casas bancarias e em certos momentos mesmo governando o Estado pelo grande homem da sua raça, o seu profeta maior, o próprio Lord Beaconsfield. 

Aqui, decerto, [64] estamos longe de ver desencadear um ódio nacional, uma perseguição social contra os judeus; mas ha suficientes sintomas de que o desenvolvimento firme deste.

Estado israelita dentro do Estado cristão começa a impacientar o inglês. Não vejo, por exemplo, que o que se está passando na Alemanha, apesar de exalar um odioso cheiro d’auto-de-fé, provoque uma grande indignação da imprensa liberal de Londres: e já mesmo um jornal da autoridade do Spectator se vê forçado a atenuar, perante os graves protestos da colonia israelita, artigos em que descrevera os judeus como uma corporação isolada e egoísta, á semelhança das comunidades católicas, trabalhando só no mesmo interesse, encerrando-se na força da sua tradição e conservando simpatias e tendencias manifestamente hostis ás do estado que os tolera. Tudo isto é já desagradável.
Mas que diremos do movimento na Alemanha? Que em 1880, na sabia e tolerante Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer, com os professores Strauss e Hartmann, vivos e trabalhando, se recomece uma campanha contra o judeu, o matador de Jesus, como se o imperador Maximiliano estivesse ainda, do seu acampamento de Pádua, decretando a destruição da lei Rabínica e ainda pregasse em Colonia o furioso Grão-de-Pimenta, geral dos dominicanos — é facto para ficar de boca aberta [65] todo um longo dia de Verão. 

Porque emfim, sob fôrmas civilizadas e constitucionais (petições, meetings, artigos de revista, panfletos, interpelações) é realmente a uma perseguição de judeus que vamos assistir, das boas, das antigas, das Manuelinas, quando se deitavam á mesma fogueira os livros do Rabino e o próprio Rabino, exterminando assim economicamente, com o mesmo feixe de lenha, a doutrina e o doutor.
E é curioso e edificante espetáculo ver o venerável professor Virchow, erguendo-se no parlamento alemão, a defender os judeus, a sabedoria dos livros hebraicos, as sinagogas, asilo do pensamento durante os tempos bárbaros — exatamente como o ilustre legista Roenchlin os defendia nas perseguições que fecharam o seculo XV!
Mas o mais extraordinário ainda é a atitude do Governo alemão: interpelado, forçado a dar a opinião oficial, a opinião d’estado sobre este rancor obsoleto e repentino da Alemanha contra o judeu, o governo declara apenas, com lábio escasso e seco, «que não tenciona por ora alterar a legislação relativamente aos israelitas»! 

Não faltaria com efeito mais que ver os ministros do império, filósofos e professores, decretando, á D. Manuel, a expulsão dos judeus, ou restringindo-lhes a liberdade civil até os isolar em vielas escuras, fechadas por correntes de [66] ferro, como nas judiarias do Ghuetto

Mas uma tal declaração não é menos ameaçadora. O estado dá a entender apenas que a perseguição não ha-de partir da sua iniciativa: não tem, porém, uma palavra para condenar este estranho movimento anti-semítico, que em muitos pontos é presentemente organizado pelas suas próprias autoridades.
Deixa a colonia judaica em presença da irritação da grossa população germânica — e lava simplesmente as suas mãos ministeriais na bacia de Pôncio Pilatos.
Não afirma sequer que ha de fazer respeitar as leis que protegem o judeu, cidadão do império; tem apenas a vaga tenção, vaga como a nuvem da manhã, de as não alterar por ora!
O resultado d’isto é que n’uma nação em que a sociedade conservadora fôrma como um largo batalhão, pensando o que lhe manda a «ordem do dia» e marchando em disciplina, á voz do coronel, — cada bom alemão, cada patriota, vai imediatamente concluir d’esta linguagem ambígua do governo que, se a côrte, o estado-maior, os feld-marechaes, o senhor de Bismarck, todo esse mundo venerado e obedecido não vêem o ódio ao judeu com entusiasmo, não deixam, todavia, de o aprovar em seus corações cristãos… 
E o novo movimento vai certamente receber, d’aqui, um impulso inesperado.
[67]Que digo eu? Já recebeu. Apenas se soube a resposta do ministério, um bando de mancebos, em Leipzig, que se poderiam tomar por frades dominicanos mas que eram apenas filósofos estudantes, andaram expulsando os judeus das cervejarias, arrancando-lhes assim o direito individual mais caro e mais sagrado ao alemão: o direito á cerveja!
Mas d’onde provem este ódio ao judeu? A Alemanha não quer, de certo, começar de novo a vingar o sangue precioso de Jesus. Ha já tanto tempo que essas cousas dolorosas se passaram!… 
A humanidade cristã está velha e, portanto, indulgente: em dezoito seculos esquece a afronta mais funda. E infelizmente hoje já ninguém, ao ler os episódios da Paixão, arranca furiosamente da espada, como Clovis, gritando, com a face em pranto:
— Ah, infames! Não estar eu lá com os meus Francos!
Além d’isso, este movimento é organizado pela burguesia, e as classes conservadoras da Alemanha são muito jurídicas, para não aprovarem, no segredo do seu pensamento, o suplicio de Jesus. Dada uma sociedade antiga e prospera, com a sua religião oficial, a sua moral oficial, a sua literatura oficial, o seu sacerdócio, o seu regime de propriedade, a sua aristocracia e o seu comercio — que se ha de fazer a um inspirado, a um revolucionário, que aparece [68]seguido d’uma plebe tumultuosa, pregando a destruição d’essas instituições consagradas á fundação de uma nova ordem social sobre a ruína d’elas e, segundo a expressão legal,excitando o ódio dos cidadãos contra o Governo? Evidentemente puni-lo.
Pede-o a lei, a ordem, a razão de Estado, a salvação publica e os interesses conservadores. É justamente o que a Alemanha, com muita razão, faz aos seus socialistas, a Karl Marx e a Bebel. Ora, estes maus homens não querem fazer na Alemanha contemporânea uma revolução, de certo, mais radical que a que Jesus empreendeu no mundo semítico. É verdade que o Nazareno era um Deus: para nós, certamente, humanidade privilegiada, que o soubemos amar e compreender:
mas, em Jerusalém, para o doutor do templo, para o escriba da lei, para o mercador do bairro de David, para o proprietário das cearas que ondulavam até Bethlem, para o centurião severo encarregado da ordem — Jesus era apenas um insurrecto.
E se Bismarck estivesse de toga, no pretório, sobre a cadeira curul de Caiphás, teria assinado a sentença fatal tão serenamente como o dito Caiphás, certo que n’esse momento salvava a sua pátria da anarquia. Os conservadores de Jerusalém foram lógicos e legais, como são hoje os de Berlim, de S. Petersburgo ou de Viena: no mundo antigo, [69]como agora, havia os mesmos interesses santos a guardar. Que diabo! é indispensável que a sociedade se conserve nas suas largas bases tradicionais: e outrora, como hoje, a salvação da ordem é a justificação dos suplícios.
É possível que este gozo, que nós, conservadores, temos hoje, de triturar os Messias socialistas, encarcerar os Proudhon, mandar para a Sibéria os Bakounine, e crivar de multas os Felix Pyat — venha a custar caro a nosso netos. 

Com o andar dos tempos, todo o grande reformador social se transforma pouco a pouco em Deus: Zoroastro, Confucio, Mahomet, Jesus, são exemplos recentes! As fôrmas superiores do pensamento têm uma tendencia fatal a tornar-se na futura lei revelada: e toda a filosofia termina, nos seus velhos dias, por ser religião.

Augusto Comte já tem altares em Londres; já se lhe reza. E assim como hoje exigimos capellas aos Santos Padres, aos que foram os autores divinos, os nobres criadores do catolicismo, talvez um dia, quando o socialismo for religião do Estado, se vejam em nichos de templo, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon de óculos, Bakounine parecendo um urso sob as suas peles russas, Karl Marx apoiado ao cajado simbolico do pastor d’almas.
Como a civilização caminha para o oeste, isto [70] passar-se-ha ai para o seculo XXVIII, na Nova Zelândia ou na Austrália, quando nós, por nosso turno, formos as velhas raças do Oriente, as nossas linguás idiomas mortos, e Paris e Londres montões de colunas truncadas como hoje Palmyra e Babylonia, que o zelandês e o australiano virão visitar, em balão, com bilhete de ida e volta… 

Logicamente, então, como são detestados hoje na Alemanha os herdeiros dos que mataram Jesus—só haverá repulsão e ódio pelos descendentes de nós outros, que estamos encarcerando Bakounine ou multando Pyat. E como toda a religião tem um período de furor e extermínio, esses nossos pobres netos serão perseguidos, passarão ao estado de raça maldita e morrerão nos suplícios… C’est raide!
Mas voltemos á Alemanha.
Ainda que o Pedro Ermita d’esta nova cruzada constitucional seja um sacerdote, o Revd. Streker, capelão e pregador da côrte, é evidente que ela não tira a sua força da paixão religiosa. As cinco chagas de Jesus nada têm que ver com estas petições que por toda a parte se assinam, pedindo ao governo que não permita aos judeus adquirirem propriedades, que não sejam admitidos aos cargos públicos, e outras extravagancias goticas! 

O motivo [71]do furor anti-semítico é simplesmente a crescente prosperidade da colonia judaica, colonia relativamente pequena, apenas composta de 400.000 judeus; mas que pela sua atividade, a sua pertinácia, a sua disciplina, está fazendo uma concorrência triunfante á burguesia alemã.
A alta finança e o pequeno comercio estão-lhe igualmente nas mãos: é o judeu que empresta aos Estados e aos príncipes, e é a ele que o pequeno proprietário hipoteca as terras. Nas profissões liberais absorve tudo: é ele o advogado com mais causas e o medico com mais clientela: se na mesma rua ha dois tendeiros, um alemão e outro judeu—o filho da Germania ao fim do ano está falido, o filho d’Israel tem carruagem!
Isto tornou-se mais frizante depois da guerra: e o bom alemão não pôde tolerar este espetaculoso do judeu engordando, enriquecendo, reluzindo, em quanto ele, carregado de louros, tem de emigrar para a America á busca de pão.
Mas se a riqueza do judeu o irrita, a ostentação que o judeu faz da sua riqueza enlouquece-o de furor. 
E, n’este ponto, devo dizer que o alemão tem razão. A antiga legenda do israelita, magro, esguio, adunco, caminhando cosido com a parede, e coando por entre as pálpebras um olhar turvo e desconfiado — pertence ao passado. 
O judeu hoje é um [72] gordo. Traz a cabeça alta, tem a pança ostentosa e enche a rua. É necessário vê-los em Londres, em Berlim, ou em Viena: nas menores cousas, entrando em um café ou ocupando uma cadeira no teatro, têm um ar arrogante e ricaço, que escandaliza. A sua pompa espetaculosa de Salomões parvenús ofende o nosso gosto contemporâneo, que é sóbrio. Falam sempre alto, como em pais vencido, e em um restaurante de Londres ou de Berlim nada ha mais intolerável que a gralhada semítica. 
Cobrem-se de joias, todos os arreios das carruagens são de oiro, e amam o luxo grosseiro e vistoso. Tudo isto irrita.
Mas o pior ainda, na Alemanha, é o hábil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem a sua influencia — plano tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Alemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociais— a Bolsa e Imprensa. 
Quase todas as grandes casas bancarias da Alemanha, quase todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacável. De modo que não só expulsa o alemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulência rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injuria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que ha-de fazer, o que ha-de pensar, como se ha-de governar e com que se ha-de bater!

[73]Tudo isto ainda seria suportável se o judeu se fundisse com a raça indígena. Mas não. O mundo judeu conserva-se isolado, compacto, inacessível e impenetrável. As muralhas formidáveis do templo de Salomão, que foram arrasadas, continuam a pôr em torno dele um obstaculo de cidadelas. 

Dentro de Berlim ha uma verdadeira Jerusalém inexpugnável: ali se refugiam com o seu Deus, o seu livro, os seus costumes, o seu Sabbath, a sua linguá, o seu orgulho, a sua secura, gozando o ouro e desprezando o cristão. Invadem a sociedade alemã, querem lá brilhar e dominar, mas não permitem que o alemão meta sequer o bico do sapato dentro da sociedade judaica. Só casam entre si; entre si, ajudam-se regiamente, dando-se uns aos outros milhões—mas não favoreceriam com um troco um alemão esfomeado; e põem um orgulho, um coquetismo insolente em se diferençar do resto da nação em tudo, desde a maneira de pensar até á maneira de vestir. Naturalmente, um exclusivismo tão acentuado é interpretado como hostilidade—e pago com ódio.
Tudo isto, no em tanto, é a luta pela existência. O judeu é o mais forte, o judeu triumala. O dever do alemão seria exercer o músculo, aguçar o intelecto, esforçar-se, puxar-se para a frente para ser, por seu turno, o mais forte. 
Não o faz: em logar d’isso, volta-se miseravelmente, covardemente, [74] para o governo e peticiona, em grandes rolos de papel, que seja expulso o judeu dos direitos civis, porque o judeu é rico, e porque o judeu é forte.
O Governo, esse esfrega as mãos, radiante. 
Os jornais ingleses não compreendem a atitude do sr. de Bismarck, aprovando tacitamente o movimento anti-judaico. É fácil de perceber; é um rasgo de gênio do chanceler. Ou pelo menos uma prova de que lê com proveito a Historia da Alemanha.
Na meia idade, todas as vezes que o excesso dos males públicos, a peste ou a fome, desesperava as populações; todas as vezes que o homem escravizado, esmagado e explorado, mostrava senais de revolta, a igreja e o príncipe apressavam-se a dizer-lhe: «Bem vemos, tu sofres! Mas a culpa é tua. 
É que o judeu matou Nosso Senhor e tu ainda não castigaste suficientemente o judeu.» A populaça então atirava-se aos judeus: degolava, assava, esquartejava, fazia-se uma grande orgia de suplícios; depois, saciada, a turba reentrava na treva da sua miséria a esperar a recompensa do Senhor.
Isto nunca falhava. Sempre que a igreja, que a feudalidade, se sentia ameaçada por uma plebe desesperada de canga dolorosa—desviava o golpe de si e dirigia-o contra o judeu.

[75]Quando a besta popular mostrava sede de sangue — servia-se á canalha sangue israelita.
É justamente o que faz, em proporções civilizadas, o sr. de Bismarck. A Alemanha sofre e murmura: a prolongada crise comercial, as más colheitas, o excesso de impostos, o pesado serviço militar, a decadência industrial, tudo isto traz a classe media irritada. O povo, que sofre mais, tem ao menos a esperança socialista; mas os conservadores começam a ver que os seus males vêm dos seus ídolos.
Para o calmar e ocupar, o que mais serviria ao chanceler seria uma guerra, mas nem sempre se pôde inventar uma guerra, e começa a ser grave encontrar em campo a França preparada, mais forte que nunca, com os seus dois milhões de bons soldados, a sua fabulosa riqueza, riqueza inconcebível, que, como dizia ha dias a Saturday Review, é um fenômeno inquietador e difícil d’explicar.
Portanto, á falta d’uma guerra, o príncipe de Bismarck distrai a atenção do alemão esfomeado — apontando-lhe para o judeu enriquecido. Não alude naturalmente á morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Mas fala nos milhões do judeu e no poder da Sinagoga. E assim se explica a estranha e desastrosa declaração do governo.
Da outra «sensação», o romance de Lord Beaconsfield, Endymion, não me resta, n’esta carta, espaço para rir. Figuram nele, sob nomes transparentes, Beaconsfield, ele próprio, Napoleão III, o príncipe de Bismarck, o cardeal Manning, os Rothchilds, a imperatriz Eugenia, duquesas, lordes, marechais… enfim um ramalhete de flores, pelo qual o editor Longman pagou cincoenta e quatro contos de reis fortes.
Jovens de letras, meus amigos, ponde vossos olhos n’este exemplo de ouro! Sê prudente, mancebo; nunca, ao entrar na carreira literária, publiques poema ou novela sem a antecipada precaução de ter sido durante alguns anos — primeiro ministro de Inglaterra!
  
Esses camaradas são os maiores propagadores do comunismo no mundo (aqui)

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