Mais uma noite, mais um
pouco de dinheiro para o impertérrito (significado: destemido, impávido, sem
medo - adjetivos que sentam bem com nosso personagem. Pelo menos
ele acha.) detetive das palavras, que ganha a vida explicando-lhes as origens.
E antes que possamos
descrever o escritório poeirento e anacrônico em que ele se encontra, batem à
porta.
Ele manda entrar e por
ali entra o grupo que tinha marcado hora para esta noite: baralho e
companhia.
Depois que as palavras
se acomodaram, o valoroso profissional lhes lança um olhar penetrante e
escolhe uma delas para começar o seu trabalho:
- Boa noite, baralho.
Você é o nome do conjunto de cartas de jogar, de modo que vou começar contando
que há controvérsias sobre a sua origem; aceita-se que venha debaralhar,
“misturar, desarrumar, tirar de ordem”, que viria do Provençal varalia,
“entrelaçamento, mistura de ramos”, do Latim vara, “ramo fino, vara”.
A palavra fez cara de
importante.
- Já que falamos em cartas,
há que explicar que esta palavra veio do Latim charta, “folha para
escrita, tablete”, do Grego khartes, “folha de papiro”, provavelmente de
origem egípcia. Aplicou-se aos retângulos usados para jogar devido ao material
de que eram feitos.
Prosseguiu o detetive:
- Encontra-se ao seu
lado naipe, que também tem origem meio perdida nos tempos, mas que se liga
ao Catalão naib, quando era usado para designar um jogo de cartas. Eu sei
o que você vai dizer: que se pensa que sua origem seja o Árabe, mas parece que,
apesar dos pensamentos em contrário, os jogos de cartas apareceram primeiro na
Europa. O pessoal do Oriente as usava, mas basicamente para fazer adivinhações.
E, ao falar em naipe,
ocorrem-nos os grupos que compõem um baralho. Ali, reluzindo, vemos ouros. Os
jogos de cartas apresentavam um simbolismo com as forças sociais; no caso, este
naipe se refere ao comerciantes e à burguesia em geral.
E seu nome vem do Latim aurum,
“ouro”.
Houve uma arrastar de
pés inquietos no grupo.
- Calma, eu sei o que
vocês pensam: o que é que um losango vermelho tem a ver com ouro? Em baralhos
espanhóis, por exemplo, usa-se mesmo uma moeda de ouro para este símbolo. Mas
nos países de idioma português, inglês e francês, usa-se mais a
simbologia das cartas francesas, onde foi escolhido este sinal.
Para lhes dar um
exemplo, em alemão os naipes são Herz, “coração”, Eichel,
“bolotas”, Laub, “folhas” e Schellen, “sinos”.
“bolotas”, Laub, “folhas” e Schellen, “sinos”.
Outro naipe é copas,
do Latim cubba, “taça, vasilha”. Representava o clero.
Ali se encontra,
olhando-nos com sua extremidade aguçada, espadas, que vem do Gregospathé,
“peça achatada de madeira usada pelos tecelões, pá do remo”. Já se vê que seu
nome era inicialmente ligado a ferramentas mais construtivas. Mas acabou
designando a nobreza, antigamente ligada aos aspectos bélicos de um país.
Falta-nos agora ver paus,
do Latim palus, “poste, moirão, pedaço de madeira”, e que representava os
camponeses.
Aqui na frente,
fazendo-nos caretas sem parar, se encontra curinga. Aparentemente sua
origem é o Quimbundo kuringa, “matar”. Isso porque ela pode ter a função
de sobrepujar o valor de outras cartas, conforme o jogo.
Curinga, já de si com
uma personalidade chocarreira, fez uma careta ameaçadora para as demais.
- As cartas podem ter
um número ou uma letra; estas são as cartas com figura.
Aqui à minha frente
está o valete, do Francês valet, “jovem que serve a um senhor”, do
Latim vassus, “servo, servidor”.
Está certo, está certo,
já notei a agitação de vocês. A letra “J” que aparece na carta é uma
consequência do Inglês jack. E este é um nome comum, meio tipo “fulano” ou
“Zé” (desculpem-me os Josés!) que se usa no idioma inglês desde pelo menos o
século XV. Deriva do Holandês Jankin, um diminutivo de “João”.
A próxima carta em
valor é a rainha, do Latim regina, “rainha”. Sua letra é o “Q” de queen,
do Inglês antigo cwen, que tanto podia ser usado para “mulher” e para
“rainha”.
A palavra empinou um
nariz aristocrático e se abanou com um leque de seda.
- Segue-se o rei.
Tal palavra vem do Latim rex, “rei”, derivada do Indo-Europeu reg-,
“mover-se em linha reta”, daí “dirigir, guiar, comandar”. A letra que porta é o
“K” de king, do Inglês antigo ciny, “rei, chefe”.
Antes de terminarmos,
devo lembrar que um conjunto de cartas pode se chamar também demaço, que veio
do Latim matea, de mateola, “pedaço de pau, cabo de instrumento”.
Imagino que a semelhança seja pelo aspecto agrupado e aparentemente sólido que
um maço de cartas apresenta.
O maço vem dentro de
uma caixa, palavra esta que veio do Italiano cassa, do Latim capsa,
que era o nome dado às caixas cilíndricas onde os cidadãos de Roma guardavam os
seus livros. Sim, refiro-me aos livros enrolados da época.
Para não esquecermos o
que se costuma fazer com cartas, informo que a palavra jogo vem do
Latim jocus, “pilhéria, gracejo, zombaria”. O que eles usavam para
designar o que agora conhecemos como jogo era ludus, mas esta
foi dominada pela outra.
Agora, caras clientes,
resta-me desejar-lhes uma boa noite e dizer que se cuidem com as companhias em
que vocês andam. Até mais ver.
Osvaldo Aires Bade
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