segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PICASSO POLÍTICO


Nos últimos anos, tem havido uma tentativa de despolitização da sua arte. Uma tentativa de vender um Picasso não político, que, no entanto, tem uma obra que reflete ideais e convicções.










Picasso foi sempre uma figura controversa. A vida amorosa, o apoio à República Espanhola e a filiação ao Partido Comunista Francês, motores da sua produção, eclipsaram muitas vezes a difusão da sua obra. Nos últimos anos, tem havido uma tentativa de despolitização da sua arte. Uma tentativa de vender um Picasso não político, que, no entanto, tem uma obra que reflete ideais e convicções. Artigo de Ana Bernal Triviño publicado em Andaluces.es
"O meu compromisso com o Partido Comunista é a consequência lógica da minha vida, do meu trabalho. Entrei no partido sem hesitação, porque, basicamente, eu estava sempre com eles para sempre". (Picasso, New Masses)
Assim justificava Picasso a sua filiação ao Partido Comunista Francês (PCF) em 1944. Antes, durante a Guerra Civil Espanhola, deixou inúmeras amostras, artísticas e pessoais, de apoio pessoal à República. Mas este compromisso político saiu-lhe caro.
Não danificou a sua imagem artística só no passado. "Ainda o faz", diz com convicção Lynda Morris, professora da Norwich University College of the Arts, e que foi responsável pela exposição Picasso: paz e liberdade na Tate Gallery, em Liverpool. A partir desta exposição, John Richardson, biógrafo de Picasso, escreveu em 2011 um artigo no New York Review of Books, em que questionava o compromisso político de Picasso e criticava a exposição de Morris. O professor Vincenç Navarro escreveu no Público que houve uma estratégia da instituição de arte dos EUA para despolitizar a arte, uma visão compartilhada por Morris: "Richardson, que é atualmente empregada de Larry Gagosian, baseava-se nuns contactos menores que Picasso teve com dois espanhóis que, posteriormente, estiveram ligados ao franquismo". Embora a exposição de Morris tenha sido bem sucedida, diz: "Tate recusa-se a trabalhar comigo de novo no que quer que seja".
O motivo? "Gagosian é o mais famoso comerciante de hoje. Ele tem investido fortemente nas últimas pinturas de Picasso, porque são as únicas no mercado. Os clientes dele são americanos ricos intensamente anti-comunistas", diz ele .
O apoio à República durante a Guerra Civil Espanhola foi, para muita gente, o detonador do seu compromisso político. "Concordo que se tenha tendido a simplificar as implicações políticas da obra de Picasso. Mas a sua postura torna-se clara a partir de 1936", diz Salvador Haro, Professor de Arte da Universidade de Málaga e comissário da exposição Viñetas en el Frente, do Museo Picasso Málaga. No entanto, para o biógrafo Rafael Inglada, a sua postura torna-se clara mais cedo: "Desde a juventude em Barcelona, Picasso atacou directamente a burguesia por meio de suas obras e reflectiu a sua posição ao lado dos desfavorecidos em algumas das suas pinturas. Por exemplo, em 1900, assinou o manifesto La amnistía se impone, a favor dos desertores de guerra em Cuba e nas Filipinas". Por isso, está claro que "o trabalho de Pablo Picasso não pode ser entendido sem se levar em conta o seu compromisso político", diz Genevieve Tussell, Professora de História da Arte da UNED.
Desde o início da guerra, o lado de Franco deixou clara a sua capacidade mediática. O EnABC contém uma discussão de Queipo de Llano em Dezembro de 1937, que afirma que Picasso pintou "quadros com horrores": "O seu programa de rádio, sanguinário, foi ouvido massivamente em ambas as zonas e causou o pânico em Madrid. Os nazis aprenderam com Queipo a sua própria rádio propaganda", diz Ian Gibson.
Durante a guerra, Picasso não deixou de fazer gestos contínuos de apoio à causa republicana. Estes incluem doações para conseguir leite para as crianças espanholas”. Depois, há a criação de hospitais e orfanatos", diz Morris.
Como profissional, a sua nomeação como diretor do Museo del Prado, em 1936, fez com que pudesse salvar as obras de arte das chamas da guerra, como ele mesmo reconheceu num telegrama ao Congresso Artistas Americanos: "Eu tenho tomado todas as medidas necessárias para proteger o tesouro artístico da Espanha durante esta guerra cruel e injusta", escreveu ele. A sua obra encarregar-se-ia de expressar a sua denúncia. O primeiro passo é dado em 1937, com Sueño y Mentira de Franco, uma sátira ao franquismo. Segundo Haro, é uma das maiores demonstrações de compromisso político não só pelo seu conteúdo, mas também pelas suas publicação e distribuição: "Picasso financiou a edição de 1.000 exemplares. A pasta com gravuras e uma reprodução fac-símile do texto foram expostas junto a Guernica no Pavilhão Espanhol na Exposição Universal de 1937. Ali foram vendidas a um preço razoável e as receitas foram diretamente para cobrir a causa republicana”. Guernica é o grande ponto de viragem da sua carreira. O quadro mostra a crueldade do ataque à cidade basca pela Legião Condor, em Abril de 1937. Assumir este encargo da república espanhola foi uma declaração de intenções: "Picasso é uma das bêtes noires do fascismo espanhol, especialmente a partir de Guernica, que dirige a atenção do mundo para ele. Desde então, a Espanha de Franco diz dele cobras e lagartos", diz Gibson. A obra não poderia chegar a Espanha antes de 1981: "O artista deixou por escrito que ela não deveria ser devolvida ao governo espanhol antes de serem novamente instauradas as liberdades públicas", disse Enrique Mallen, professor da Sam Houston State University no Texas e criador do Online Picasso Project. Guernica continua a ser um quadro desconfortável.
Com o tempo, Picasso tornou-se num problema para Franco: "Por um lado, era impossível não reconhecer o seu prestígio artístico, mas a condição de comunista e a luta pela paz enervaram o regime de Franco até ao ponto de o considerarem um inimigo político. Em meados dos anos 50 e por iniciativa de numerosos intelectuais, houve uma tentativa de celebrar uma exposição de Picasso no Museu de Arte Contemporânea de Madrid. O Ministério dos Negócios Estrangeiros recomendou que as negociações para a organização fossem feitas na sombra, mas, quando a notícia chegou aos ouvidos da imprensa espanhola, o regime desmentiu tudo de maneira categórica", conta Tussell. E acrescenta, como um exemplo da falta de interesse pela obra de Picasso em Espanha, que até aos anos sessenta a única obra de Picasso que fazia parte das colecções do Estado era A mulher em azul (1901 ). O motivo? "O pintor esqueceu-se de recolher a obra depois de tê-la apresentado na Exposição Nacional de Belas Artes", explica.

O franquismo não pôde conter o sucesso de Picasso. Por isso, foram feitas duas apresentações dele na Espanha de Franco. Uma em 1957, na “Galería Theo, sobre pinturas de Picasso. Mas houve um ataque da extrema-direita contra a galeria em que várias obras foram seriamente danificados e duas delas foram perdidas", lembra Tussell.

A chegada de Picasso ao PCF intensificou ainda mais o compromisso político. Desta etapa fazem parte o Osario (1945), o Monumento a los españoles muertos por Francia (1946). "Com a sua obra, Picasso queria deixar claro de que lado estava", comenta Haro. A sua filiação ocorreu logo após a libertação de Paris, em 1944. "Picasso tornou-se num herói”, diz Inglada .
No entanto, ele provocou um ataque ideológico que teria implicações para o seu próprio mercado: "O facto de Picasso ser membro do PCF fez com que os preços dos quadros de Matisse valessem mais que os de Picasso. Penalizou-se, em parte, a sua obra, e isto fez com que outros artistas beneficiassem disso a partir de 1945”, explica Morris. Nos EUA, o FBI abriu um arquivo sobre as suas actividades, classificadas por um "C" de comunista e considerou-o um "possível subversivo”. Entre outros artistas que também beneficiaram dele, há um espanhol, como Gibson revela: "O rastreio do FBI dificultou a sua difusão nos EUA devido à questão de McCarthy. Ele nunca poderia pôr os pés ali, o que facilitou o caminho a Dalí, um rival”. Mas essas restrições condicionaram o pintor? “Nem por isso”, diz Inglis. “A caça às bruxas nunca foi par para a sua grandeza. Ao contrário do que se pensava, Picasso reafirmou a sua obra como forma de expressão e de luta política”.
Mais uma vez, mostra-se um "Picasso incansável a recolher fundos para o Partido Comunista", disse Morris. No entanto, algumas das suas acções renderam-lhe críticas até mesmo dos seus companheiros comunistas. "Ele assinou uma carta a L'Humanité contra a repressão na Hungria pela URSS em 1956. O seu retrato de Estaline foi condenado por pouco realismo e houve apelos para que fosse expulso do partido", diz Morris. Por esses actos, pode ser acusado de ser infiel ao partido?". Eu não acho que Picasso tenha sido fiel a essas exisgências ou a quaisquer outras", diz Inglis, porque não funcionava como outros pintores e intelectuais que eram fanáticos com slogans políticos. Talvez o mais distante de Franco fosse o comunismo. Era uma forma de apoiar as massas de esquerda através da sua arte”. Tussell traz uma outra visão: "A sua relação com o partido foi muito original, porque o artista obedecia a muito poucas regras. A própria Dora Maar dizia “Picasso é mais importante que o comunismo. Ele sabe-o e eles também”.
Nunca viajou para Moscovo e, para Mallen, "o seu longo exílio da Espanha natal levou-o a ver o comunismo como um ideal de paz e fraternidade. O Partido Comunista, por sua vez , serviu-se da imagem rebelde e inconformista de Picasso para fazer avançar a sua causa. Ainda assim, Morris afirma com certeza: "O seu compromisso com o Partido Comunista nunca foi fraco. São os historiadores americanos que se opõem a ele pelos seus próprios interesses. Eles questionam a ligação com o comunismo, influenciados por negociantes americanos, que, por sua vez, são influenciados por colecionadores norte-americanos”.
Picasso participou, em 1948, no Congresso dos Intelectuais pela Paz, em Wroclaw (Polónia). “Não há dúvida de que o movimento pela paz foi inspirado pela União Soviética", diz Morris. A cadeia de eventos com os que agradeciam a Picasso a sua defesa pela liberdade materializou-se em novembro de 1950, quando recebeu o Prêmio Lenin da Paz. O seu compromisso com os novos desenvolvimentos fez com que terminasse o Massacre na Coreia (1951) contra os invasores americanos. Em 1952, ele continuou a sua defesa pacifista em Vallauris com os murais La guerra e La paz.
Tradução de AnaBárbara Pedrosa para o Esquerda.Net
Artigo publicado no periódico Andaluces
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As lições de Guernica, 75 anos depois




O poder da arte em transformar armas em arados, e resistir à guerra, é constantemente renovado.
Há setenta e cinco anos, a cidade espanhola de Guernica foi bombardeada e reduzida a escombros. O ato brutal levou a que um dos maiores artistas do mundo pintasse um quadro em três semanas de trabalho intenso. “Guernica” de Pablo Picasso, um óleo de 3,5 x 7,8 metros retrata de forma cruel os horrores da guerra, refletidos nos rostos das pessoas e animais. Isto não prova que tenha sido o pior ataque durante a Guerra Civil de Espanha, mas tornou-se no mais famoso, graças ao poder da arte. O impacto de milhares de bombas lançadas sobre Guernica, o fogo das metralhadores aéreas que disparavam sobre civis tentando fugir do inferno, ainda hoje é sentido – pelos idosos sobreviventes, que ansiosamente partilham as suas memórias vividas, bem como pela juventude de Guernica, que luta por um futuro para a sua própria cidade longe da sua história dolorosa.
A Legião Condor da Luftwaffe Alemã (Força Aérea Alemã durante a Alemanha Nazi) fez o bombardeio a pedido do Gen. Francisco Franco, que liderou uma revolta militar contra o governo espanhol democraticamente eleito. Franco pediu ajuda a Adolf Hitler e Benito Mussolini, que estavam ansiosos para pôr em prática técnicas modernas de guerra sobre os indefesos cidadãos de Espanha. O ataque contra Guernica foi a primeira destruição completa de uma cidade civil na história europeia efetuada por bombardeamento aéreo. Enquanto casa e lojas eram destruídas, algumas unidades de fabrico de armas, juntamente com uma ponte importante e a linha férrea foram deixadas intactas.
Ativo e lúcido aos 89 anos de idade, Luís Iriondo Aurtenetxea, sentou-se comigo nos escritórios da organização Gernika Gogoratuz, que em língua Basca significa “Recordar Guernica”. O basco é uma língua antiga e um elemento fundamental na independência feroz do povo Basco, que vive há milhares de anos na região fronteiriça entre Espanha e França.
Luís tinha catorze anos e trabalhava como assistente num banco local quando Guernica foi bombardeada. Era dia de feira, por isso a cidade estava cheia, a praça do mercado repleta de pessoas e animais. O bombardeamento começou às 16.30h da tarde do dia 26 de Abril de 1937. Luís recorda: “Nunca mais acabava. O ataque durou três horas e meia. Quando terminou, saí do abrigo e vi toda a cidade a arder. Estava tudo em chamas.”
Luís e outras pessoas fugiram até à aldeia vizinha de Lumo, no cimo da colina, onde, com o cair da noite, viram a sua cidade arder e as suas casas ruírem pelas chamas. Deram-lhes um lugar onde dormir num celeiro. Luís continua: “Não me recordo se era meia-noite ou outra hora qualquer, porque na altura não tinha relógio. Ouvi alguém chamar-me... No fundo, podia ver-se Guernica em chamas, e graças à luz do fogo, eu vi que era a minha mãe. Já tinha encontrado os meus outros três irmãos. Eu era o último.”Luís e a sua família foram refugiados de guerra durante muitos anos, acabando por regressar a Guernica, onde ele ainda vive e trabalha como pintor – tal como Picasso em Paris.
Luís levou-me até ao seu estúdio, com as suas paredes cobertas de pinturas. A mais proeminente era a que ele pintou sobre aquele momento em Lumo quando sua mãe o encontrou. Perguntei-lhe como se sentiu naquela altura. Os seus olhos marejaram-se de lágrimas, Pediu-me desculpa e disse que não podia falar disso. Apenas a alguns quarteirões de distância situa-se uma das fábricas de armas que foi preservada da destruição. Um edifício onde são fabricadas armas químicas e pistolas, chamado Edificio Astra. Embora Astra se tenha mudado, a empresa de fabrico de armas mantém a sua ligação com a cidade, uma vez que várias das suas armas automáticas são denominadas de “Guernica” desenhadas “por guerreiros, para guerreiros”.
Há alguns anos, um grupo de jovens ocupou o edifício vazio, exigindo que fosse transformado num centro cultural. Oier Plaza é um jovem ativista de Guernica que me contou, “A princípio a polícia expulsou-nos, mas nós voltamos a ocupar o edifício. Finalmente, a câmara comprou-o, e iniciámos este processo de recuperação do edifício para criar o projeto Astra.”
O objetivo do projeto Astra é reconverter esta fábrica de armas num centro cultural com aulas de arte, vídeo e outros meios audiovisuais. “Temos de olhar o passado para compreender o presente e criar um futuro melhor. E eu acho que Astra faz parte desse processo. É o passado, é o presente, e é o futuro desta cidade.”
De “Guernica” de Picasso ao auto-retrato de Luís Iriondo Aurtenetxea com a sua mãe, passando pela iniciativa de Oier Plaza e os seus jovens amigos, o poder da arte em transformar armas em arados, e resistir à guerra, é constantemente renovado.
Artigo publicado em Democracy Nowa 20 de julho de 2012. Dennis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Tradução de Noémia Oliveira para o Esquerda.net

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