Reportagem de Duda Teixeira, com colaboração de Tatiana Gianini eNathalia Watkins, publicada em edição impressa de VEJA
20/04/2013
às 19:00 \ Vasto Mundo
UMA DAMA DO LADO DIREITO DA HISTÓRIA
Margaret Thatcher salvou a Inglaterra do declínio econômico e político. O conjunto de suas ideias ganhou um nome, thatcherismo, algo que nenhum outro premiê britânico alcançou – nem Winston Churchill
Margaret Thatcher morreu dia 8 de abril, vítima de derrame. Ela tinha 87 anos. Andou esquecida até que Merryl Streep a representou no cinema, em um filme espetacular que se fixou mais no outono de sua vida, quando Thatcher, viúva e senil, conversava com Denis, o marido morto havia anos, como se ele estivesse tomando café da manhã com ela. Comovente e triste.
Mas Thatcher, feita baronesa depois de deixar o posto de primeira-ministra, se permitia raras demonstrações públicas de emoção. Ela estava com os olhos marejados de lágrimas quando diante da imprensa se despediu do cargo, ocupado por ela por onze anos, entre 1979 e 1990.
Nesse período, transformou a política no Reino Unido, ajudou a enterrar o moribundo comunismo soviético e criou uma doutrina de política econômica, o thatcherismo, que, em diferentes gradações, dominou o período áureo da globalização na década de 90, dando racionalidade aos políticos no poder e tirando milhões de pessoas da miséria em países tão díspares quanto o Vietnã e o México.
Foi chamada pela primeira vez de Dama de Ferro por um jornal oficial soviético, que julgou estar ofendendo-a. Ela adorava o apelido. Fez jus a ele na vida pública. Mostrou que governo e povo não são a mesma coisa. Governo é uma gigantesca burocracia cujos interesses só em alguns poucos casos, aqueles em que há ganho político, coincidem com os do povo. Por isso é preciso vigiar os governantes, cobrar eficiência deles e diminuir seus poderes.
Thatcher foi demonizada pelas esquerdas retrógradas por ter obtido sucesso em suas políticas e tê-las imitadas em quase todas as partes do mundo. Com razão, pois o salvacionismo insurrecional das esquerdas só tem, na cabeça de seus seguidores, alguma chance quando tudo dá errado em um país e a miséria se instala.
Tolice.
Se fizessem uma pequena pesquisa histórica, descobririam que, no Ocidente, os partidos de esquerda crescem mesmo é nos momentos de bonança econômica, quando o capitalismo produz excedentes econômicos bastantes para sustentar a imensa turma de socialistas e assemelhados que invariavelmente ganham a vida sem trabalhar. Foi assim nos Estados Unidos.
Durante a dura recessão dos anos 30, o partido comunista do país praticamente desapareceu. Foi só no esplendor econômico do pós-guerra, quando a classe média enriqueceu e os pobres viraram classe média, que as ideias socialistas e comunistas ganharam maior projeção nos Estados Unidos.
Não é por outra razão que o esquerdismo no Ocidente tem sempre um quê de esnobismo, um ar de superioridade moral, intelectual e de classe.
Isso vem da certeza de que, enquanto derrubam o sistema nos bares e em ambientes chiques, o capitalismo continua firme produzindo o excedente econômico que permite aos militantes viver sem trabalhar e aos ricos dizer-se de esquerda sem o temor de perder tudo para os revolucionários.
O esquerdismo no Ocidente é apenas um estado de espírito. Quando passa disso, cobra um alto preço.
Na Grã-Bretanha deu-se um fenômeno semelhante. O conservador Winston Churchill, vencedor na II Guerra Mundial, não foi apeado do poder pelos socialistas no alvorecer da paz por causa das penúrias impostas ao povo.
Livres da guerra e da pobreza pela ajuda dos Estados Unidos, os eleitores britânicos sentiram-se confortáveis o bastante para embarcar na experiência socializante que afundaria o Reino Unido – até que Thatcher salvasse o país.
Entre 1945 e 1951, praticamente todas as grandes companhias de bens e serviços foram estatizadas e passaram a se pautar por aquela dinâmica antiprogresso, antitecnologia e antieficiência que caracteriza a esquerda no poder.
A British Telecom, por exemplo, conseguiu bloquear a entrada do fax no Reino Unido. A empresa temia que o aparelho fosse uma ameaça ao uso do telefone para falar. Em quadro muito familiar aos brasileiros antes das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, um telefone na Inglaterra podia ficar mudo seis semanas antes que aparecesse um técnico da estatal para tentar resolver o problema.
Sem concorrência, sob a proteção do monopólio, as estatais tripudiavam sobre os usuários e o público. Prejuízos? O governo cobria. Mas de onde tirar tanto dinheiro? Ora, aumentando os gastos públicos e deixando a inflação devorar o poder de compra das pessoas.
Somados todos os sindicatos, os dias de trabalho eliminados por greves na Inglaterra antes de Margaret Thatcher se contavam em dezenas de milhões por ano. Thatcher chegou e acabou com o processo de destruição do país. “A Inglaterra antes de Thatcher era como a Argentina de hoje, mas sem a maquiagem dos índices”, resume o economista Maílson da Nóbrega, que vivia em Londres naquele período.
Na campanha para as eleições de 1979, o Partido Conservador sagrou-se vitorioso e Margaret Thatcher assumiu como primeira-ministra. Suas convicções, formatadas no liberalismo, foram fortalecidas por valores morais e religiosos (ela era metodista e converteu-se ao anglicanismo após se casar). A inflação, segundo ela, era um “mal moral traiçoeiro”. A liberdade individual, um valor moral a ser defendido em sua totalidade.
O governo Thatcher teve um começo difícil. Para combater a alta dos preços, ela elevou os juros e passou a faca nos gastos governamentais. Como resultado imediato, a atividade econômica esfriou e o desemprego triplicou. A popularidade dela afundou, mas suas convicções não se abalaram.
Em 1982, um fator inesperado contou a seu favor. Em abril, o ditador argentino Leopoldo Galtieri ordenou a invasão das Ilhas Malvinas (Falklands para os britânicos), governadas pelos ingleses desde o início do século XIX. Em defesa dos kelpers, a população local, Thatcher mandou reconquistar as ilhas, o que ocorreu dez semanas depois.
O retorno dos soldados vitoriosos foi uma festa. “As Malvinas empurraram a popularidade de Thatcher para cima”, diz o economista John Van Reenen, da London School of Economics. “Sem a guerra, ela provavelmente teria perdido a eleição de 1983.”
Em seu segundo mandato, Thatcher comprou briga com os sindicalistas, a maioria deles agraciada e controlada pelo Partido Trabalhista. Os mineradores estavam entre os mais paparicados. As minas de carvão, que sustentaram a Revolução Industrial do século XVIII, estavam mais profundas e eram de difícil exploração. Com isso, o produto importado da China custava 25% menos.
Antes de Thatcher, a pressão dos funcionários garantia o monopólio do carvão nacional e obrigava o governo a pagar pesados subsídios ao setor. Proteger um setor ineficiente não fazia sentido para Thatcher. “Você não sai de casa para comprar um paletó quatro vezes mais caro só para manter as pessoas no trabalho”, disse ela. O Sindicato Nacional de Mineradores convocou uma greve e Thatcher chamou policiais de outras cidades para combater os piquetes, para que não tivessem dó de usar o cassetete. Um ano depois, a paralisação acabou e a Justiça multou o sindicato.
Com os sindicatos enfraquecidos, inflação controlada e previsibilidade na política econômica, a Inglaterra atraiu investidores estrangeiros. Um deles foi a montadora japonesa Nissan, que instalou uma fábrica na cidade de Sunderland, no norte do país. Em 1987, cinquenta indústrias japonesas já haviam se estabelecido na Inglaterra.
O investimento externo triplicou. “Se Thatcher não tivesse existido, a Inglaterra seria hoje mais pobre, mais influenciável por outras nações e estaria totalmente afundada na crise europeia”, diz o historiador Timothy Knox, diretor do Centro de Estudos Políticos, em Londres, fundado por ela. “E suspeito que a Guerra Fria teria durado mais.”
Não por acaso, os detratores de Thatcher são os mesmos reacionários que tentam recompor a barreira que dividia Berlim em duas. Gente mais sensata vê no liberalismo de Thatcher parte da explicação para as crises financeiras recentes. Pode até ser, mas ela não tinha como prever o surgimento dos subprime e dos derivativos, mecanismos de alto risco que maquiaram a bolha especulativa.
Seu legado é altamente positivo, a começar pela conversão dos socialistas do Partido Trabalhista inglês ao sistema produtivo de mercado, o capitalismo. Thatcher dizia ter sido essa sua maior conquista. Em 1995, o Partido Trabalhista alterou o seu programa, eliminando a cláusula que previa a socialização dos meios de produção. Disse o chefe de estratégia do premiê trabalhista Tony Blair: “Somos todos thatcheristas, agora”.
SABEDORIA QUE FAZ FALTA
Thatcher era direta, incisiva e, muitas vezes, intransigente, mas mantinha a coerência e a clareza de ideias sempre
“Não, não, não.”
Discurso no Parlamento inglês contra um plano de transferência de poderes para a Comissão Europeia, em 1990
“‘Liberdade, igualdade, fraternidade’ – eles se esqueceram de obrigações e deveres, eu acho. E então, é claro, a fraternidade desapareceu por muito tempo.”
Sobre a Revolução Francesa, em entrevista ao jornal francês Le Monde, em 1989
“Não seja tolo, senhor Gorbachev, vocês mal conseguem alimentar seus próprios cidadãos.”
Em resposta ao então secretário de Agricultura da União Soviética, quando ele afirmou que o comunismo era superior ao capitalismo durante visita à Inglaterra, em 1984
“O problema do socialismo é que uma hora ele acaba com o dinheiro dos outros.”
Em entrevista na televisão inglesa, um ano após assumir a liderança do Partido Conservador, em 1976
“Nós queremos uma sociedade em que as pessoas sejam livres para fazer suas próprias escolhas, cometer seus erros, ser generosas e misericordiosas. É isso o que nós entendemos por uma sociedade moral.”
Discurso na Universidade de Zurique, na Suíça, em 1977
“O problema com você, John, é que a sua espinha dorsal não alcança o cérebro.”
Ao secretário John Whittingdale, que insistia em apoiar o Tratado de Maastricht, que estabeleceu a unificação política da Europa, em 1992
“Esse é o nosso povo, nossas ilhas. Eu disse imediatamente: se elas forem invadidas, teremos de trazê-las de volta.”
Ao ministro da Defesa John Nott, sobre a invasão argentina das Falkland/Malvinas, em 1982
Tags: "Dama de Ferro, classe média, comunismo soviético, FHC, globalização,Gorbachev, greves, Guerra Fria, inflação, kelpers, Leopoldo Galtieri, liberalismo,Margaret Thatcher, monopólio, Partido Conservador, Partido Trabalhista,privatizações, recessão, Revolução Francesa, Revolução Industrial, sindicalistas,thatcherismo, Tratado de Maastricht, Winston Churchill
THATCHER: CONTROVERTIDA, POLÊMICA, A MAIOR ESTADISTA BRITÂNICA DESDE CHURCHILL AJUDOU A COLOCAR ABAIXO O MURO DE BERLIM E A MUDAR O MUNDO — PARA MELHOR
O que é que vou escrever sobre Margaret Thatcher, depois de uma cobertura de qualidade como a do site de VEJA, depois do que escreveram o Reinaldo Azevedo e o Caio Blinder?
Mas não se pode silenciar quando um gigante tomba — e a primeira-ministra que governou o Reino Unido de 1979 a 1990 e, como muito se lembrou hoje, alterou a agenda do grande país a ponto de mudar os rumos do próprio partido adversário era, efetivamente, uma estadista de porte gigantesco.
Pode-se concordar ou não com Thatcher, sua agenda liberalizadora, sua determinação férrea — daí o apelido –, sua autoconfiança não raro transmudada em arrogância.
Não se pode, porém, negar a brutal importância que teve para seu país, que ela retirou do atraso estatista rumo a uma economia extremamemente dinâmica a ponto de empresários britânicos dominarem, hoje, setores inteiros da economia da nação mais rica do mundo, os Estados Unidos. Thatcher colocava em segundo planos os grandes custos sociais que resultaram do enxugamento do Estado por considerar que o capitalismo, devidamente livre de amarras, cria riqueza suficiente para que a sociedade dê um salto conjunto de qualidade.
No poder, conseguiu o que um ou outro antecessor conservador timidamente havia tentado, como Edward Heath (1970-1974), em vão: quebrar a espinha dos sindicatos, que mandavam e desmandavam em setores-chave da economia, não admitiam modernizações de qualquer espécie que implicassem em perda de empregos, paralisavam o país a três por dois e controlavam o Partido Trabalhista, a única alternativa de poder ao Partido Conservador.
O Reino Unido não tinha um estadista de grande porte desde Winston Churchill, um dos maiores senão o maior do século XX, que governou a Grã-Bretanha de 1940 a 1945 — foi um dos vencedores do maior conflito militar da história, a II Guerra Mundial — e, depois, de 1951 a 1955. E nem teve, depois dela.
Sua firme postura de confrontação com a União Soviética e o bloco comunista, ao lado do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan — e com a contribuição inequívoca do papa João Paulo II –, revelou-se importante para a derrubada do Muro de Berlim e o fim das ditaduras “socialistas” que oprimiam a Europa Oriental.
Até na América Latina sua firmeza se fez sentir, ao derrotar implacavelmente em 1982, numa guerra rápida e cruenta, a ditadura militar argentina que determinou uma invasão suicida das ilhas Malvinas/Falkland, território britânico desde 1833 — a guerra teve como saldo positivo o fim da ditadura e a volta da democracia ao país vizinho.
Não se poderá, no futuro, falar na história mundial do século XX sem incluir um nutrido capítulo sobre Margaret Thatcher. Com o fim das ditaduras comunistas e a chegada da democracia e a melhoria nas condições de vida na maior parte dos países da Europa Oriental — vários deles, hoje, integrando a União Europeia –, o mundo mudou, muito. E para melhor.
Tags: capitalismo, Edward Heath, estadista, II Guerra Mundial, Ilhas Malvinas/Falkland, Margaret Thatcher, Muro de Berlim, papa João Paulo II, Partido Conservador, Partido Trabalhista, Ronald Reagan, sindicatos, União Soviética,Winston Churchill
Osvaldo Aires Bade
Comentários Bem Roubados na "Socialização" - Estou entre os 80 milhões Me Adicione no Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário