sábado, 21 de julho de 2012

FHC em entrevista: governo Dilma tem DNA diferente do de Lula — se é que este tinha algum DNA

"Não vamos ignorar que o governo da presidente Dilma é mais voluntarioso na sua relação com o mercado" (Foto: Gilberto Tadday)
FHC: "No vento a favor, Lula cuidou do consumo, não da produção, do investimento" (Foto: Gilberto Tadday)
(Entrevista feita por André Petry, de Washington, publicada nas Páginas Amarelas da edição de VEJA que está nas bancas. O título original está abaixo.)

Mas onde foi parar o debate?

Honrado com um prêmio equivalente a um Nobel, o ex-presidente diz que o Brasil continua no rumo, mas reclama da apatia social e da falta de discussão política
Com seu proverbial bom humor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contou a uma plateia de 200 pessoas em Washington que só não aceitou ficar nos Estados Unidos nos anos 70, quando dava aulas no país, porque o convite não incluía uma cadeira de senador. “No Brasil, concorro e ganho”, brincou. Voltou e ganhou a cadeira. Aos 81 anos, FHC cumpriu uma carreira brilhante, que lhe rendeu, na semana passada, o prêmio Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso americano.
Equivalente a um Nobel na área de humanas, o prêmio vem com um cheque de 1 milhão de dólares, que ele pretende partilhar com os netos para ensinar-lhes a fazer ação social. Depois da premiação, em seu hotel na capital americana, ele falou do mundo e do Brasil na entrevista a seguir.

No exterior, até o ano passado o Brasil era uma estrela mundial, o país do futuro ao qual o futuro finalmente chegou. Agora, deu uma virada. Houve exagero antes ou agora?
Houve exagero tanto antes quanto agora. O Brasil melhorou muito, mas não foi tanto assim. Faltou a percepção de que o PIB cresceu mas a sociedade continua com problemas. Não somos uma sociedade organizada, com democracia enraizada, acesso à educação e à saúde de boa qualidade. O mundo começou a olhar para o Brasil como se tudo estivesse resolvido. O exagero não se deu apenas em relação ao Brasil. Fiz uma visita recente à China, e lá eles fazem questão de insistir que são um país em desenvolvimento. Olhe que a China é o segundo PIB do mundo. Mas, efetivamente, é um país em desenvolvimento. Como o Brasil.

A mudança da percepção externa sobre o Brasil não é fruto do ativismo econômico do governo atual?
A mudança começou quando apareceram alguns sinais de que talvez o Brasil fosse se desviar do caminho anterior, com as intervenções tópicas do governo na economia. Depois, a balança comercial deixou de ser tão favorável. O sujeito que tem bilhões de dólares investidos no Brasil começa a ficar com receio. Mas a situação não é tão negativa quanto está sendo pintada. O governo tem obrigação de se ajustar à conjuntura. A economia política é política por um lado, mas não é propriamente ciência por outro.
É uma navegação. Se tem uma ilha, desvia-se. Sem tem tormenta, reduz-se a velocidade. Só não pode perder o rumo. Agora, não vamos ignorar que o governo da presidente Dilma é mais voluntarioso no que diz respeito à sua relação com o mercado. É o comando do Estado sobre o mercado, mas não é estatista. Tanto que acabou de fazer a concessão dos aeroportos.
O que se percebe é que o DNA do governo atual é outro. O presidente Lula procurava disfarçar o seu DNA, se é que o tinha. A presidente Dilma é mais consequente com aquilo em que ela acredita. E ela acredita mais na regulação.

DNA Governo Dilma (Foto: Agência Brasil)
"A presidente Dilma é mais consequente com aquilo em que ela acredita. E ela acredita mais na regulação" - por parte do Estado (Foto: Wilson Dias/ABr)

Há risco de o Brasil perder o rumo?
Não acredito. Falaram muito por causa da mudança cambial, mas é bobagem. Eu mesmo mexi no câmbio várias vezes. Já demiti presidente do Banco Central. O perigo está na tendência ao protecionismo. A Argentina tem tendência protecionista abertamente. O Brasil também, mas é topicamente. O protecionismo seria ruim para nós. Temos de aumentar a produtividade para poder baixar os preços e assim beneficiar a todos. Mas, quando se fecha o mercado, reduz-se a competição e, ao fazê-lo, reduz-se também o incentivo para as pessoas aumentarem a produtividade. Com o tempo, fica-se defasado. Nada disso é do interesse do Brasil.

Para manter o rumo, qual deve ser a prioridade do Brasil nos próximos anos?
O vento no mundo não sopra mais a nosso favor. Então, o desafio do governo da presidente Dilma é retomar algumas reformas e fazer o que o governo do presidente Lula não fez durante o bom momento do crescimento econômico, que é cuidar do investimento e da poupança. No vento a favor, Lula cuidou do consumo, não da produção, do investimento.
A produtividade da nossa indústria perdeu em comparação com a de outros países. Mas não é a produtividade de dentro da fábrica. É de fora. São as estradas, o custo da energia, os aeroportos, o sistema tributário, a educação. Mais do que a possibilidade, a presidente Dilma tem a necessidade de olhar para a poupança e o investimento. Nosso futuro está aí.

A crise no capitalismo ocidental está ajudando a tornar o capitalismo de Estado da China mais atraente?
Há muita insatisfação social nos países ocidentais e, daí, há um fascínio com o que se imagina que seja o outro lado. Mas a China tem um modelo complicado. Ali, deu-se a aliança do capitalismo de estado com as grandes corporações internacionais. O preço é menos liberdade. Não é um caminho para o Brasil. Nós somos mais ocidentalizados, estamos acostumados à liberdade. E PIB não é tudo. Nos anos 70, nosso PIB cresceu muito mas as pessoas não foram beneficiadas. Havia concentração de renda. Monopólios, públicos ou privados, concentram renda. Só ter grandes empresas concentra renda. É o perigo do Brasil de hoje.
Mais do que a possibilidade, a presidente Dilma tem a necessidade de olhar para a poupança e o investimento. Nosso futuro está aí (Foto: stock.XCHNG)
"Mais do que a possibilidade, a presidente Dilma tem a necessidade de olhar para a poupança e o investimento. Nosso futuro está aí" (Foto: stock.XCHNG)

Mas o Brasil não vive um processo de desconcentração de renda?
A transferência de renda saudável é para baixo, mas também temos a transferência para cima. O BNDES pega dinheiro do Tesouro e empresta a empresas com juros subsidiados. Quem paga o subsídio? Nós, os contribuintes. Dá cerca de 20 bilhões de dólares. A Bolsa Empresa está forte no Brasil. É provável que na década de 70, com grandes estatizações e grandes empresas, a renda tenha se concentrado. Agora, não será igual porque temos os dois movimentos: concentração para cima e desconcentração para baixo. O Brasil hoje é o país da Bolsa Família e da Bolsa Empresa, o que resultou na felicidade geral. Daí o apoio ao governo.

Isso é ruim?
Primeiro, a felicidade é quase geral. A classe média ficou de fora. Mas, com a prosperidade das bolsas, as pessoas perderam a motivação para debater. Não há mais debate. O debate político-partidário perdeu sua centralidade. Não é um fenômeno só brasileiro. A Europa vive isso, os EUA também, mas com menor intensidade. No nosso caso, isso decorre da desconexão entre o mundo institucional da política e a sociedade. Passou a haver uma relação direta do Executivo com o povo, pulando o Congresso. É uma tendência brasileira antiga, mas se acentuou. Toda hora dizem que não temos oposição no Brasil. Está errado. A oposição está dentro do Congresso, só que o Congresso não tem repercussão na rua. Os partidos saíram da sociedade e se aninharam no Congresso ou no governo. O partido com mais vínculo com o movimento social era o PT.
Com o PT no governo, o movimento social virou cadeia de transmissão da vontade oficial. Perdeu vitalidade. O debate se deslocou para a mídia. É por isso que o governo acusa a mídia de ser oposição. Porque é a única instituição que fala e o povo ouve.

Como os partidos podem voltar a se reconectar com a sociedade?
Eles precisam tomar posição diante dos fatos correntes. Como têm medo de assumir posições, os partidos não falam nada. Legalização das drogas? Silêncio. Aborto? Silêncio. Relação do estado com a religião? Silêncio. Qual a melhor maneira de resolver a questão do transporte? Silêncio. São questões do cotidiano. Questões que levariam a população a se identificar com os partidos. A própria sociedade civil, antes vibrante e ativa, se encolheu. Sempre digo: se você não politiza, não acontece nada. Veja o mensalão. Se Roberto Jefferson não tivesse dramatizado e politizado, talvez o caso não tivesse a consequência que teve. Política requer que se tome partido, que se tome posição. Tem de dizer se está certo ou se está errado. A política é valorativa.

O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi indiciado por crime de formação de quadrilha
Veja o mensalão. Se Roberto Jefferson não tivesse dramatizado e politizado, talvez o caso não tivesse a consequência que teve (Foto: VEJA.com)
Se o debate político perdeu vigor no Brasil, mas também na Europa e nos EUA, pode-se falar em crise da democracia?
Fala-se nisso, mas não concordo. Ninguém quer não democracia. Mas é preciso ter um mecanismo pelo qual a população possa participar do processo decisório. Do debate, do antes. Só consegui fazer reformas porque houve muito debate e discussão. Agora, não. Quem debateu as quatro usinas da Petrobras? Quem debateu o trem-bala?

Se os réus do mensalão forem absolvidos pelo Supremo Tribunal, qual será o tamanho do desastre?
Não sou juiz e não sei qual deve ser a sentença. O que sei é que, se houver algo a ser corrigido, e for, será um marco histórico. Até hoje, o povo sente que gente importante pode fazer o que quiser e não paga o preço. Uma absolvição, se for percebida como algo por baixo do pano, vai referendar isso. É um julgamento histórico porque uma sociedade se forma de símbolos. Quando Lula foi eleito, preparei a transição mais civilizada possível. Entre outras razões, porque Lula era o primeiro líder popular sindical eleito presidente. Simbolicamente, é importante.

Faltou diplomacia brasileira na crise que resultou no afastamento do presidente do Paraguai?
Faltou diplomacia, mas não só brasileira. De todo mundo. Se eu pudesse ter interferido, aconselharia evitar o afastamento faltando dez meses para o fim do governo. A ação do Paraguai foi muito rápida, o que é politicamente inconveniente, mas não foi ilegal. Agora, grave também foi a entrada da Venezuela no Mercosul na ausência do Paraguai. Sou a favor da Venezuela no Mercosul. Mas ela tinha de ter cumprido o requisito básico de adotar a tarifa externa comum.

O Brasil está perdendo o foco na América do Sul ou perdendo influência?
Está perdendo influência. Antes, tínhamos uma influência não discutida, automática e não anunciada. No meu governo, houve várias crises no Paraguai. Lidamos com elas de maneira efetiva e discreta. O Peru e o Equador estavam em guerra. Ajudei muito na paz entre esses países, mas nunca anunciei isso. Agora, com Hugo Chávez na Venezuela, criou-se outro polo de influência. Tenho a impressão de que o Brasil prefere não se contrapor. É como se fôssemos da mesma família. Sei que ele é meu primo, meu primo é meio canhoto, eu preferia que ele não fosse, mas é meu primo. O Brasil fica um pouco tolhido de tomar posições para não ser percebido como alguém que saiu da família.

Há analistas dizendo que a relação entre estado e mercado será definida pelo que os Brics fizerem. O senhor concorda?
Ninguém vai transformar a Europa numa China, ou vice-versa. É preciso entender que há diversidade na cultura, na forma de organização política. A Rússia é uma plutocracia autocrática. Isso não se aplica ao Brasil, à Índia nem à China. A China é um mandarinato ilustrado com responsabilidade popular. Na minha visita ao país, fiquei bem impressionado com o debate na universidade. Eles estão voltando a falar em termos confucianos da virtude. O funcionário público, o mandarim, deve ser competente, fazer concurso e ter a virtude de servir o público. Na Rússia, não tem isso. No Brasil, o estado sempre foi muito importante, continua sendo e sempre será. Há diferenças. Nos EUA, fala-se em universalizar a saúde e eles entram em pânico. No Brasil, quem vai dizer que saúde gratuita é medida socialista? Não teremos um modelo só no mundo. Haverá vários. Os países árabes, islâmicos, não vão adotar comportamentos idênticos aos do Ocidente. Isso é ilusão do ocidentalismo e seu poder militar, que vinha para impor a cultura. Isso não dá mais. O desafio é como conviver com as diferenças.

China em desenvolvimento (Daniel Berehulak/Getty Images)
A China é um mandarinato ilustrado com responsabilidade popular. (Daniel Berehulak/Getty Images)
O que seguirá unindo o mundo?
A noção de direitos humanos está voltando a ter peso. Sem perceber, estamos recriando a ideia de humanidade. Quando Hegel falava de humanidade, Marx dizia que, enquanto houvesse classe social, seria a classe. Só quando todos fossem iguais, poderíamos falar em humanidade. Agora, por causa da bomba atômica, do meio ambiente, é preciso pensar em humanidade. Gorbachev diz isso. Temos de pensar no conjunto, no que é universal e afeta a todos. Voltamos a ter de nos preocupar com os direitos que pertencem à humanidade. Temas como igualdade de homem e mulher, como tortura. O mundo terá de se organizar a partir de um núcleo de valores que afetem a humanidade, mas há que ter limite. Não podemos usar isso para impedir manifestações de diversidades culturais que são normais. Inclusive na política. O próprio mercado, hoje praticamente universal, sofre restrições diferentes aqui e ali. Vai continuar sofrendo. Esse é o desafio para o século XXI.

Osvaldo Aires Bade - Comentários Roubados na "Socialização"


Agora o Príncipe Fernando, com sua veia esquerdista, não consegue ser duro com seus primos de DNA igual e parecidos. E evidente que o sr. Fernando Henrique é muito superior a turma do Lulallate, mas tenho uma inclinação muito grande em responsabiliza-lo por entregar o país ao petismo de maneira servil – e até hoje tem estima pela quadrilha.
Isso demonstra que até nos EUA o coletivismo toma corpo e ameaça a liberdade e seu correspondente direto – o direito individual. 
Em um país menos sectário uma pessoa do quilate intelectual de FHC seria chamado para aconselhar presidentes da ativa. E ele faria isso, nem que fosse por sua vaidade.
Ao contrário de seu sucessor, ela não se furta a apontar os erros de seu governo. Vaidoso, sim, mas igualmente cônscio de que o homem é falho, admite que em seu governo existiu corrupção e que foi um erro a emenda da reeleição.
Sua experiência transformadora da economia, seu sangue frio face às turbulências internacionais que afetaram nossa economia, tudo isso poderia ser posto a serviço de seus sucessores.
Homem sem rancor, não colocou a máquina para tentar eleger Serra. Aceitou que a oposição vencer faz parte do jogo.
Impopular? Isso é o que desejam os que o temem. A candidatura ao Senado de Aloisio Nunes Ferreira estava patinando. FHC apareceu na TV pedindo votos e Aloisio se elegeu em 1o lugar.
Impopular? Como assim? Bateu Lula duas vezes em 1o turno, e é impopular?
FHC cometeu erros, mas deixou um legado de profundas transformações no Brasil.
Seus medíocres adversários, na falta de qualidades a apontar em Lulla ou Dilma, não podem enaltecê-los.
Então, tentam desconstruir FHC.
Vamos relembrar uma passagem sórdida, que exemplifica bem a diferença de caráter entre FHC e Lulla. Faço a ressalva de que sou contra se colocar assuntos de familia em público, mas, afinal, como um novo grande amigo de Lulla foi quem trouxe o assunto a baila, creio que nem ele terá o que dizer contra.
Na 1a campanha para presidente, Collor apresentou ao Brasil o caso da ex-amante de Lulla, a quem ele oferecera dinheiro para que ela fizesse aborto.
A moça recusou, nasceu Lurian.

Já FHC, reconheceu um filho que, depois de feitos os testes de DNA, restou provado não ser seu. Nem assim pediu que fosse retirada a paternidade.
Creio que isso revela um pouco a diferença abissal sobre o que é ser homem e um covarde, entre ambos. 

Mas, como é agradável ler um artigo em que o entrevistado se revela com frases inteiras e coerentes, com conhecimento de causa, e não com opiniões pontuais e demagógicas. Mostra o valor da cultura acadêmica e a sabedoria da experiência amadurecida, com consistente conhecimento de causa e uma visão abrangente da política mundial. FHC marca milhares de pontos positivos em relação aos governantes que o sucederam. Gente fina é outra coisa!

Abraço e Sucesso a Todos


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