Sr. Governador,
Estou escrevendo para agradecer-lhe a oportunidade que o senhor me brindou neste fim de semana, em ter assuntos para conversar com meus amigos. Eu estava me sentindo excluído do grupo, pois era um dos poucos que ainda não havia sofrido um sequestro relâmpago. Mas finalmente meu dia chegou, e agora eu quero relatar como foi esse aprazível episódio. O senhor tem um tempinho?
Tudo começou bem na esquina da Quintino com a José Malcher, a 50 metros do Tribunal de Contas do Estado, onde fica estacionado um carro de polícia, e que até hoje ainda não descobri se fica ali parado para evitar a entrada de bandidos no Tribunal, ou suas saídas, mas isso é outra história, que podemos tratar em outra oportunidade.
Pois bem, ali pertinho dois garotos pediram educadamente a mim, minha filha de 11 anos e duas de suas coleguinhas de escola que estavam conosco nesse final de semana, para entrar no carro, quando gentilmente logo assumiram a direção, e com a arma na cabeça de uma delas, informaram que era um assalto. Égua, até que enfim! Euzinho, sendo sequestrado. Que glória!!!!
Eles eram muito amáveis e disseram que só queriam os nossos pertences. Nossos, governador. Nossos! Não seu, não da polícia, não dos juízes que costumam soltar em 15 minutos esses bandidos, não dos que repelem a diminuição da maioridade penal. NOSSOS!!! E assim se foram, junto com nossas dignidades, os celulares, carteira, aliança, relógio, enfim, coisitas de pequeno valor, para quem como o senhor mexe com orçamento bilionário, ou se comparado com o contrato da Delta.
Mas com o valor de 4 vidas.
Ah, eles deixaram o meu surrado radinho de pilha que levo pro mangueirão. E eu nem pedi. Gente boa, penso que um dia poderão até ser políticos.
Bom, continuando, tio, (esqueci de dizer, era assim que também me chamavam, e também de mano) seguimos a viagem, descendo a Rui Barbosa em direção ao Jurunas, Terra Firme, Marco, Bengui, ou em direção ao nada. Foi uma viagem muito legal, de mais ou menos uma hora – mas não sei porque eu e as meninas tivemos a impressão que durava 7 dias.
Sabe o que foi legal nessa jornada? ter que chamá-los de “Senhor”, como eles pediram. Muito legal mesmo, porque minha filha e as colegas aprenderam como se respeita uma hierarquia. Que belo momento de aprendizado.
Outra momento marcante foi quando eles tiraram a aliança do meu dedo. Nesses tempos de relação homoafetiva, finalmente experimentei como é dar uma aliança pra outro homem. É um momento sublime, quase um segundo casamento. Por falar nisso, o senhor ainda tem a sua? Já colocou no dedo de outro homem? Experimente, pode ser que goste. Mas se ainda a tem, cuide bem dela, porque faz uma falta danada no nosso dedo aquele aro que a gente usa por muitos anos, no meu caso a quase 13. A ironia, e pela primeira e única vez eu faço uma ironia nesta carta, é que estar sem aliança depois de tê-la dado ao “mano”, fez de mim e Ana um casal muito mais próximo. Mas é uma pena essa perda, pois eu estava decidido em colocá-la no penhor para fazer uma doação eleitoral pro senhor na próxima eleição. Que grande perda para sua campanha!!!!
Bom, seguimos viagem, e eu tranquilão com aquela arma mirando minha filha, que inexplicavelmente chorava, como suas coleguinhas. Logo elas, que adoram a emoção de passear em montanhas russas e insanus. O que elas achavam que podiam fazer aqueles garotos, que podiam ser seus colegas de classe? Mas as elas insistiam em chorar. Seus filhos choram, governador? É irritante, né? Principalmente por motivos bobos, como esse.
Sabe o que se pensa nessa hora, tio (posso chama-lo assim, tio?) ? bom, eu particularmente pensava: fudeu-se, os caras vão me meter uma bala na cabeça, e eu vou acabar irritando o governador, que terá de aguentar mais uma daquelas passeatas chatas com todo mundo de camisa branca, minha foto e a palavra paz. Com direito a falar mal do governo no Fantástico, veja que injustiça, como se o senhor tivesse criado esses garotos. Enfim, a mesma ladainha de sempre, que tem surtido muito efeito nas políticas de segurança do nosso estado.
Mas ao mesmo tempo eu também pensava: porra, se eu levar o farelo, vou engrossar as estatísticas e o tio pode ir buscar no governo federal uma graninha para alugar mais e mais carros de polícia. Foi aí que me senti mais útil para o povo do Pará que a Rede Globo.
Tio, vou ficando por aqui, porque vou cuidar da minha filha, que insiste em estar toda estranha, como se alguma coisa grave tivesse acontecido com ela. Mas nada que um suquinho de maracujá não resolva, né?
Quero aproveitar e recomendar ao senhor essa fantástica experiência, e sugerir que dê uma volta de carro com sua família por Belém ou outro município do Pará, de dia ou de noite. Tenho certeza que vai adorar a emoção de encontrar tão amáveis “manos” pelo seu caminho. Mas tem que ir só. Não vale levar batedores, combinado?
Despeço-me pedindo perdão por atrapalhar a rotina de seus comandados, tendo que fazer BO, tirar novo RG, Carteira de motoristas, etc etc etc.
Obrigado pela notável experiência e novamente desculpe-me se quase estrago seu final de semana.
Paulo Fadul
SE VOCÊ SE ACHA BLINDADO CONTRA A BANDIDAGEM DE NOSSO ESTADO, DELETE.
SE PODE SER A PRÓXIMA VÍTIMA, REPASSE POR FAVOR
Abraço e Sucesso a Todos
Olimpia Pinheiro
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