sábado, 17 de março de 2012

ECONOMIA/POLÍTICA - Como a Índia se transformou nos Estados Unidos


Por Akash Kapur, The New York Times News Service/Syndicate

Pondicherry, Índia _ Caiu mais um tijolo da grande muralha que separa a Índia do resto do mundo. Recentemente, a Starbucks e a Amazon anunciaram que entrariam no mercado indiano. A Amazon já lançou um site de comparação de preços; a Starbucks planeja abrir o primeiro ponto de venda em meados do ano.
Nas palavras de um jornal indiano, pode se tratar da "marca final da globalização".
Porém, para mim, a chegada dessas duas empresas, tão emblemáticas do consumismo americano, e também tão emblemáticas da cultura tecnológica da Costa Oeste que se infiltrou no crescente setor tecnológico da Índia, é sinal de algo mais singular. É o mais recente episódio no notável processo de americanização da Índia.
Cresci na zona rural indiana, filho de pai indiano e mãe americana. Passei muitos verões (e um ou outro inverno chocante e frio demais) no interior de Minnesota. Sempre considerei os dois países o meu lar. Na verdade, porém, a Índia e os Estados Unidos da minha juventude eram muito distintos: adversários na Guerra Fria, a exuberância capitalista dos EUA representava um contraste agudo ao socialismo austero indiano. Durante boa parte da minha vida, minhas duas casas ficavam literalmente _ e também cultural, social e empiricamente _ em lados opostos do planeta.
Tudo isso começou a mudar no começo da década de 1990, quando a Índia liberalizou a economia. Desde então, vi a transformação da Índia com alegria, mas, às vezes, e cada vez mais, com alguma ansiedade.
Fui estudar num internato nos EUA em 1991. Quando me formei no ensino médio, dois anos depois, as cidades indianas estavam cheias de shopping centers e prédios comerciais envidraçados. No interior, as choupanas de sapé foram trocadas por casas de concreto, e as plantações de caju e manga, por comunidades fechadas. Na cidade e no interior, uma população recém-libertada se entregava a um frenesi (alguns chamavam de orgia) de consumismo e livre expressão.
Mais de meio século atrás, R. K. Narayan, o grande cronista da Índia nos tempos simples, escreveu sobre suas viagens aos EUA. "Os Estados Unidos e a Índia são profundamente diferentes em atitude e filosofia. A filosofia indiana realça a austeridade e uma vida cotidiana desimpedida e descomplicada. A ênfase americana, por sua vez, é na aquisição material e na busca ilimitada da prosperidade." Quando decidi voltar de vez para a Índia, em 2003, as observações de Narayan estavam ultrapassadas. Uma grande reconciliação ocorrera; meus dois lares não estavam mais tão distantes.
Essa reconciliação _ a americanização da Índia _ tinha manifestações tangíveis e intangíveis. Os sinais tangíveis incluíam um aumento na oferta de marcas americanas; um crescimento perceptível na população de empresários americanos (e suas vozes estrondosas) nos corredores dos hotéis cinco estrelas; e, também, num uso impressionante do sotaque e idioma americanos. Em empresas de terceirização por todo país, os indianos aprendiam a falar mais lentamente e alongar a letra "o". Eu me via virando a cabeça (e me assustando um pouco) ao ouvir jovens indianos chamando uns aos outros de "dude" (mano).
Porém, a evidência intangível da americanização era ainda mais notável. Algo que mudou o próprio espírito do país. A Índia em que cresci era, em muitos aspectos, um lugar isolado e austero, com poucas oportunidades. O país era restringido pela camisa de força da rejeição moralista ao capitalismo, por um fatalismo letárgico e muitas vezes depressivo.
Agora, a Índia está imbuída de uma energia, uma ambição confiante e um espírito empreendedor que só posso descrever como nitidamente americano. Em pesquisas de opinião global, os indianos costumam ser ranqueados entre as pessoas mais otimistas do mundo. As livrarias estão lotadas de títulos como "A Chegada da Índia", "A Expansão da Índia" e "O Renascimento Indiano". O Pew Global Attitudes Project, que mensura opiniões nos maiores países, constata regularmente que os indianos admiram valores e atributos geralmente vistos como americanos: capitalismo de livre-mercado, globalização e até multinacionais. Maiorias de peso associam os americanos a valores como trabalho duro e inventividade e, mesmo durante a Guerra do Iraque, a perspectiva que a Índia tinha dos EUA permaneceu claramente positiva.
Contudo, aprendi que a nova prosperidade ao estilo americano é um fenômeno mais complexo e certamente mais ambivalente do que parecia a princípio. Os vilarejos ao redor da minha casa se tornaram inegavelmente mais prósperos, mas também ficaram problemáticos. Campos abandonados e plantações não aproveitadas são prenúncios de futuras crises ambientais e agrícolas. Antigas estruturas sociais estão desabando sob o peso do novo dinheiro. Os vínculos de casta, religião e família se desgastaram; as "panchayats", assembleias de aldeia compostas pelos anciãos, perderam a autoridade tradicional. Com frequência, o desrespeito à lei e a violência assumem o vácuo criado.
Há pouco tempo falei com uma mulher de 50 e poucos anos que mora num vilarejo vizinho. Ela leva uma vida simples (ainda considerada pobre pelos padrões americanos), mas imensamente melhor do que há algumas décadas. Ela cresceu numa choupana de sapé. Agora, mora numa casa com laje de concreto, água corrente e eletricidade. O filho tem celular e dirige motocicleta. A sobrinha faz faculdade.
Só que, pouco tempo antes da nossa conversa, houve um assassinato na área, o último de uma série de ataques violentos e mortes. Lojas que não existiam há uma década foram fechadas com tábuas, prevenindo-se contra mais violência; a polícia patrulha estradas recém-asfaltadas. A mulher tinha medo de sair de casa.
"Isso é o que o dinheiro nos trouxe", ela disse. "Éramos pobres, mas não precisávamos nos preocupar com a vida. Acho que era melhor daquele jeito."
Eu ouço lamentos como o dela _ contra o rápido desenvolvimento, contra a brutalidade da modernidade _ com frequência crescente. A americanização da Índia tem sido maravilhosa de muitas formas. Ela tirou milhões da pobreza e, ao plantar a ideia da meritocracia e da conquista individual no imaginário nacional, começou o processo de derrubada de uma ordem antiga e muitas vezes repressora. Mais e mais, porém, eu me vejo acordado à noite, preocupado com o que irá tomar o lugar dessa ordem. A promessa americana de renovação e reinvenção é muito sedutora _ mas, como aprendi depois que voltei, também é muito ameaçadora.
(Akash Kapur é autor do futuro livro "India Becoming: A Portrait of Life in Modern India".)
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Olimpia Pinheiro
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