China: Uma voz dissidente que sobrevive ao tempo
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Pequim _ Mesmo aos 106 anos de idade, Zhou Youguang é o tipo de pensador
criativo que os líderes chineses frequentemente exigem que o governo cultive
para que seu país seja mais que o chão de fábrica do mundo.
Portanto, é curioso que ele personifique uma contradição no cerne desta
premissa: a noção de que os livres-pensadores devem ser venerados, a menos ou
até que questionem a legitimidade do Partido Comunista.
Zhou é o inventor do Pinyin, o sistema de escrita romanizada que adaptou a
antiga linguagem escrita chinesa aos tempos modernos, ajudando a China a
praticamente erradicar o analfabetismo. Ele era um dos líderes da tradução
chinesa da Encyclopaedia Britannica nos anos 1980, e escreveu cerca de 40 livros
_ o mais recente foi publicado no ano passado.
Os líderes chineses poderiam exaltá-lo como um modelo para os jovens, a não
ser por um defeito: Zhou não apoia o sistema unipartidário e não acredita que
ele possa durar. Portanto, ele continua sendo pouco celebrado dentro da China.
Conforme afirmou o jornal estatal China Daily em 2009, seu nome deveria ser
conhecido por todos, mas é praticamente ignorado.
Um exemplo contundente do desconforto do partido em relação a ele: quando o
governo convocou mais de 500 especialistas em 2009 para comemorar o lançamento
da segunda edição chinesa da enciclopédia, Zhou foi desconvidado no último
minuto. Os amigos dizem acreditar que isso ocorreu porque o chefe de propaganda
do partido, Li Changchum, não desejava apertar sua mão.
Zhou não se importa com esse tipo de afronta, nem se sente intimidado por
ela. Ele começou relativamente tarde com as controvérsias, voltando sua atenção
para a política somente depois de se aposentar de seu emprego em tempo integral
aos 85 anos.
Mas ele está recuperando o tempo perdido. Durante um recente bate-papo em seu
estúdio com prateleiras cheias de livros, Zhou afirmou que a democracia é "a
forma natural da sociedade moderna". Ele rejeitou o argumento de que a China não
está preparada para ela. "A democracia pode existir independentemente do grau de
desenvolvimento", afirmou. "Basta observar a primavera árabe."
Shiho Fukada/The New York Times
Muitos intelectuais chineses compartilham essa opinião. Mas os mais sinceros
são com frequência os idosos _ pessoas mais velhas ou aposentadas dos quadros do
Partido Comunista que se apoiam na reverência chinesa aos idosos ou que já
deixaram de se preocupar com as consequências.
A mídia estatal chinesa ignora as opiniões políticas de Zhou, mas não o seu
papel como o arquiteto do Pinyin. Há três anos, ele foi a figura de destaque em
um documentário de uma hora sobre o Pinyin realizado pela rede estatal CCTV.
Os ideogramas chineses não correspondem diretamente aos sons. O alfabeto
fonético Pinyin permitiu que os estudantes relacionassem as palavras e a fala
com mais facilidade.
"Isso teve um enorme impacto na alfabetização", afirma Victor H. Mair,
professor de língua e literatura chinesa na Universidade da Pensilvânia. Todos
os estudantes chineses agora começam a ler e a escrever utilizando o Pinyin
antes de passar aos ideogramas.
Bem humorado, mas irônico e rigidamente imparcial, Zhou trabalha em uma
pequena mesa de madeira em um apartamento do governo no terceiro andar de um
prédio sem elevador e com paredes de concreto sem pintura. Seu colega de longa
data Chen Zhangtai, de 80 anos, afirma que Zhou concluiu que uma reforma iria
perturbá-lo demais.
Ele descreveu Zhou como a personificação de um "verdadeiro erudito". E
acrescentou: "Ele parece estar sempre em paz com o mundo".
E continuamente fascinado por ele. Em seu blog, ele comenta desde a
modernização do confucionismo até a história da rota da seda, passando pela nova
classe média da China. A tela do computador machuca seus olhos, mas ele devora
jornais e revistas estrangeiras. Um famoso artista chinês lhe deu o apelido de
"velhinho na moda".
Zhou nasceu em 13 de janeiro de 1906, quando a dinastia Qing governava e as
mulheres amarravam os pés. Filho de um funcionário da dinastia Qing, ele se
casou com a filha de uma família abastada e foi trabalhar em um banco.
Depois da invasão japonesa de 1937, sua família foi forçada a fugir para o
interior para escapar dos bombardeios japoneses em Chongqing, a capital chinesa
na época da guerra. Sua filha morreu de apendicite aos 5 anos de idade.
Mesmo nunca tendo se afiliado ao partido comunista, a simpatia de Zhou pelo
partido data desse período. Em Chongqing, ele conheceu Zhou Enlai, na época o
principal emissário do partido para o mundo exterior _ uma relação que mais
tarde ajudou a salvar sua vida.
Em 1946, Zhou e sua família se mudaram para Nova York, onde ele representou o
Banco de Crédito e Poupança Xinhua. Ele viajou pelos Estados Unidos em luxuosos
carros Pullman, embarcou para a Europa no transatlântico Rainha Elizabeth e
recusou ofertas de bancos ocidentais. Sua vida intelectual era igualmente rica:
Ele teve várias conversas longas com Albert Einstein.
Mas pouco antes da vitória comunista na guerra civil chinesa em 1949, Zhou
trouxe sua família de volta. Ele ensinou economia em uma universidade de
Shanghai e estudou linguística como hobby.
Em 1955, Zhou Enlai, que na época era primeiro ministro, o chamou para
Pequim. O partido queria transformar o Mandarim na língua nacional, simplificar
os ideogramas e desenvolver um novo alfabeto fonético. O filho de Zhou, o
astrofísico Zhou Xiaoping, afirmou que seu pai protestou, dizendo que não
passava de um amador. Responderam-lhe: "São todos amadores".
Os convites chegaram no momento certo. No ano seguinte, o diretor da campanha
antidireitista de Mao passou a perseguir os economistas educados no Ocidente. Um
dos melhores amigos de Zhou, o chefe do departamento de pesquisa econômica,
cometeu suicídio. O aluno predileto de Zhou fez o mesmo.
Eu seu novo emprego, Zhou encontrou uma tremenda confusão, mas também as
bases para seu trabalho. No final dos anos 1500, o jesuíta italiano Matteo Ricci
formulou um sistema de romanização do chinês. Muitos falantes de inglês já
estavam utilizando o sistema britânico Wade-Glies, desenvolvido no século XIX.
Linguistas chineses haviam desenvolvido novas alternativas.
A equipe de Zhou discutiu incessantemente: como lidar com os homônimos que
são abundantes no idioma chinês; como indicar os quatro tons do Mandarim;
deveriam utilizar o alfabeto cirílico, o japonês ou o romano; ou deveriam
inventar um novo alfabeto chinês com base nas formas dos ideogramas.
Zhou escolheu o alfabeto romano para melhorar a conexão da China com o mundo
exterior. Em 1958, após três anos de trabalho, o Pinyin _ literalmente "juntar
sons" _ foi concluído e rapidamente adotado.
A Revolução Cultural que começou em 1966 exterminou a crença remanescente de
Zhou no comunismo. Ele foi humilhado publicamente e enviado para um campo de
trabalhos forçados por dois anos. Após seu retorno, ele se juntou novamente ao
governo, lutando para que o Pinyin fosse adotado como padrão internacional.
Segundo Mair, a ONU concordou em 1986.
Zhou diz que os ideogramas chineses ainda existirão por muitos séculos. Mas,
para seu deleite, o Pinyin provou ser cada vez mais útil. Os chineses agora
utilizam programas que convertem o Pinyin em ideogramas para enviar mensagens de
texto no celular, postar em microblogs na Internet e escrever e-mails.
O próprio Zhou utiliza uma máquina de escrever que converte Pinyin em
ideogramas para escrever críticas cada vez mais afiadas ao partido em ensaios e
em seu blog que, até o momento, não foi censurado.
A respeito de Mao, ele disse em uma entrevista: "Eu nego que ele tenha feito
algo de bom". Sobre o massacre na Praça da Paz Celestial em 1989: "Tenho certeza
que um dia a justiça será feita". A respeito do apoio popular ao Partido
Comunista: "O povo não tem liberdade para se expressar, portanto, não temos como
saber".
Quanto à promoção da criatividade no sistema comunista, Zhou disse isto em um
livro de ensaios de 2010: "Invenções são flores que crescem no solo da
liberdade. A inovação e a invenção não crescem segundo ordens do governo".
O livro foi proibido na China assim que o primeiro lote de cópias foi
impresso.
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