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Medos ancestrais de
contaminação e contágio podem explicar, pelo menos em parte, por que tendemos a
pensar no bem e no mal em termos de claro e escuro
Em 1977, quando a
indústria automobilística Chrysler lançou um novo modelo do Dodge Coronet, o
mote da campanha publicitária era “o especial de chapéu branco”. Algumas
propagandas exibiam caubóis cavalgando a esmo e “mantendo os preços baixos”,
enquanto outras tinham a onipresente “garota Dodge” com o típico chapéu branco
de vaqueiro dizendo: “Só os mocinhos poderiam propor um negócio destes”.
Essas propagandas não precisavam ser muito elaboradas. Os profissionais da
americana Madison Avenue, reduto de publicitários, sabiam que os consumidores
potenciais haviam crescido vendo filmes de Velho Oeste e estavam familiarizados
com o simbolismo dos chapéus brancos. No cinema, Roy Rogers e Gene Autry
encarnavam heróis: usavam chapéus brancos; já os bandidos ficavam com os
adereços negros. Simples assim.
O branco e o preto carregam sutilezas de significado moral muito antes de
caubóis e automóveis chegarem à mídia. Alguns cientistas acreditam que a nossa
associação entre escuridão e pecado pode estar relacionada a um temor ancestral
de sujeira e contágio que ainda hoje permanece profundamente arraigado em
nossos neurônios. Recentemente, os psicólogos Gary D. Sherman e Gerald L.
Clore, da Universidade de Virgínia, decidiram explorar essa ideia no
laboratório. Os pesquisadores queriam descobrir se as metáforas comuns
limitavam-se à retórica ou se poderiam estar inseridas no pensamento moral.
Assim, decidiram testar a associação entre os tons claros e a virtude e o preto
e a ideia de algo ruim, nocivo.
Os psicólogos adaptaram um teste de tempo de reação da década de 30, o Stroop.
Talvez você já o conheça da internet, onde ele circula como um tipo de jogo, no
qual os nomes das cores são impressos em cores desencontradas – a palavra
“azul”, por exemplo, pode aparecer em amarelo. A pessoa deve rapidamente indicar
a cor que vê – e não o que está escrito.
Aparentemente simples, revela que nossa mente teima em ler a palavra. A
lentidão para reagir pode ser sinal de desconexão ou conflito cognitivo.
Na versão adaptada por
Sherman e Clore, os voluntários não leram os nomes das cores e sim palavras
como avareza e honestidade. Algumas foram impressas em preto e outras em branco
– e todas apareciam rapidamente na tela. Como no Stroop original, a rapidez da
reação mental era tomada como evidência de uma conexão automática e “natural”;
a hesitação era vista como sinal de que a conexão não parecia verdadeira.
Os pesquisadores queriam ver se os voluntários associavam imediatamente
imoralidade com a cor negra e virtude, com brancura. A hipótese dos cientistas
se confirmou tão rapidamente que as associações não poderiam ter sido
intencionais. Quando as palavras ligadas à virtude eram impressas em branco e
aquelas com conotação negativa, em preto, o tempo de reação era
significativamente menor que quando se dava o contrário – como se houvesse um
“estranhamento” por parte do voluntário. Da mesma forma como nós, sem pensar,
“sabemos” que limão é verde, reconhecemos instantaneamente que a negatividade é
escura, sombria, e a virtude é clara e luminosa.
Por que existe essa associação intrínseca? Uma possibilidade é que a metáfora
seja mais ampla e abranja não apenas conceitos de certo e errado, mas também de
pureza e contágio. Pense em um floco de neve recém-caído. Ele não é apenas
claro, também parece intocado, novo, inalterado, como um vestido de noiva. Já
os tons de terra não apenas o mancham, também maculam a pureza – pelo menos
simbolicamente. Pensando nisso, psicólogos fizeram outro experimento,
acrescentando à noção de contágio a ideia de “moralmente sujo”. Eles pediram a
um grupo de voluntários que lesse uma história sobre um advogado egoísta e
antiético e depois compararam suas reações às de outros participantes do estudo
que receberam informações sobre um personagem virtuoso.
Resultado: pessoas que receberam informações sobre comportamento inescrupuloso
reagiriam mais rapidamente ao fazer a conexão entre a imoralidade e a cor negra
no teste moral. Os pesquisadores descobriram essa relação usando definições
mais livres de moralidade e imoralidade, incluindo vocábulos como dieta, fofoca,
sair para baladas, ajuda etc. Em outras palavras, os que receberam a ideia de
mau comportamento associaram a negrura não apenas ao crime e à trapaça, mas à
irresponsabilidade, à falta de confiança e a comportamentos egoístas e
irresponsáveis.
O resultado oferece uma
evidência bastante convincente de que a relação entre o preto e o mau não é
apenas uma metáfora: está mais profundamente associada com nosso velho medo de
adoecimento e contágio. Sherman e Clore, porém, queriam examinar a questão
ainda sob outro ângulo. Se a associação entre o mau e o escuro realmente se
reflete em uma fixação em sujeira e impureza, então essa aproximação deveria
ser mais forte para as pessoas muito preocupadas com limpeza e poluição, ou
mesmo compulsivas. Os pesquisadores testaram essa sequência de conexões
psicológicas em um estudo, finalizado com o teste de Stroop.
As conclusões foram inequívocas. Conforme publicado na edição de agosto do ano
passado da Psychological Science, os que expressaram fixação acentuada por produtos
de higiene pessoal(por creme dental e sabonete) também mostraram tendência de
associar a moralidade com o branco e a imoralidade com o preto. O curioso é que
itens para faxina, como detergentes, não ativaram o mesmo mecanismo psíquico.
Em resumo: preocupações excessivas com sujeira e higiene pessoal parecem ser
essenciais para ver o universo moral em preto e branco.
As descobertas têm implicações para o entendimento sobre o preconceito racial.
Embora os cientistas ainda não tenham investigado se as pessoas de diferentes
etnias têm desempenho semelhante no teste de Stroop moral, pesquisas sobre
outros tipos de associações inconscientes mostram diferenças. Novos estudos
podem ajudar a explicar por que o negro costuma ser vinculado à impureza de
forma tão arraigada na mente de muitas pessoas. E, quem sabe, colaborar para
diminuir preconceitos.
Por Way Herbert Diretor
da Association for Psychological Science (aqui)