Organizações de direitos humanos, políticos dos dois maiores partidos e grandes nomes da mídia americana se voltaram contra a excessiva militarização da polícia nos EUA.
Ao longo da semana passada, tanques blindados, tropas camufladas, balas de borracha e gás lacrimogêneo foram usados para reprimir protestos pela polícia local de Ferguson, cidade de 21 mil habitantes na região metropolitana de Saint Louis (Missouri).
A morte do adolescente Michael Brown, 18, morto com seis tiros por um policial, depois de ter furtado cigarros em uma loja de conveniência, provocou violentos protestos em Ferguson, inclusive com saques e incêndios.
Jornalistas e manifestantes foram detidos em protestos e a polícia rodoviária substituiu a local no comando da segurança local.
A senadora democrata por Missouri, Claire McCaskill, disse que a resposta policial "se tornou problema em vez de solução". O senador republicano Rand Paul, presidenciável da oposição a Obama, disse que "é hora de dar um basta na militarização da polícia".
Diante das cenas de um campo de batalha entre os tanques e os gases contra centenas de manifestantes na pequena cidade, Arianna Huffington, editora do "Huffington Post", perguntou-se se Ferguson não estava muito parecida com Bagdá, capital do Iraque. Apresentadores de TV fazem esse paralelo dia e noite.
Desde 2001, as polícias locais americanas receberam US$ 4,5 bilhões em equipamentos e veículos militares. Boa parte desse investimento chegou depois da queda pronunciada na violência nas principais cidades americanas, que atingiu o pico nos anos 80 e 90.
O secretário de Justiça, Eric Holder, declarou no fim de semana que estava "muito preocupado com o uso de equipamento militar, o que manda uma mensagem errônea aos cidadãos".
Ironicamente, foram políticas do governo federal americano que armaram as polícias locais de cidades pequenas como Ferguson.
Em 1990, o Congresso americano autorizou "dar equipamento que estivesse sobrando" no Pentágono para as polícias lutarem na "guerra às drogas".
Cerca de 80% das cidades pequenas nos EUA já têm equipes de armas e táticas especiais, conhecidos como times SWAT, tendência que cresceu 1400% a partir dos anos 1980, primeiramente durante o governo de Ronald Reagan, como apoio às polícias locais na "guerra às drogas" e na epidemia de crack que durou até o início dos anos 90.
Foi reforçada nos anos 2000, como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001, e de unidades antiterrorismo.
Nos últimos dois anos, 610 tanques blindados resistentes a minas terrestres foram dados a polícias regionais.
"Unidades e treinamento para lidar com reféns, atiradores de elite e terrorismo são usadas para o crime comum. Vivemos uma fase do policial guerreiro, do Robocop", disse à Folha Radley Balko, autor do livro
"Rise of the warrior cop" [a ascensão do tira guerreiro].
"Veja os vídeos de treinamento dos nossos policiais na internet. Eles criam uma cultura da policiamento muito isolacionista, de confronto e militarística, que atrai recrutas pelos motivos errados."
RACISMO
A morte de Michael Brown segue uma série de incidentes trágicos envolvendo polícia e a minoria negra recentemente. No mês passado, um homem negro de 43 anos foi morto em uma chave de braço pela polícia nova-iorquina.
Segundo o FBI, o Escritório Federal de Investigações, 69% de todas as detenções no país são de pessoas brancas, contra 28% de negros. Mas negros são 43% dos suspeitos mortos durante um ato de prisão, contra 57% de brancos, o que comprova que uma pessoa negra tem chances maiores de ser morta pela polícia durante o ato de prisão. 11% da população americana é negra.
Pesquisa divulgada ontem pelo instituto de pesquisas Pew Research Center revela que, para 80% dos negros ouvidos, a crise em Ferguson "levanta um discussão sobre racismo que precisa ser debatida"; concordam com essa frase 37% dos brancos escutados pela pesquisa. Apenas 18% dos negros acham que "está se falando mais de racismo do que se deveria", contra 47% dos brancos tendo essa opinião.
Cerca de 65% dos negros acham que a reação policial foi "longe demais", opinião compartilhada por 33% dos brancos. A pesquisa foi feita entre 14 e 17 de agosto, com mil pessoas.