VIAGEM/TURISMO/FÉRIAS - Relaxando no mar das Filipinas
Por Dan Levin, The New York Times News Service/Syndicate
Estávamos flutuando com cuidado sobre uma floresta de corais que pareciam
galhadas de veados quando ouvi o sueco que mergulhava de snorkel comigo berrar.
Pus a cabeça para fora da água e só ouvi um pedaço de sua declaração entre o
chapinhar das ondas: "Monstro num buraco."
Ao tirar a máscara dos olhos, de repente me senti extremamente exposto.
Estávamos mergulhando nas águas ao longo da província de Palawan, nas Filipinas,
e o "bangka" (barco) de 25 metros que seria nossa casa por cinco dias estava
longe demais para uma fuga rápida.
Assim, reajustei o snorkel, inspirei e mergulhei rumo ao recife. Alguns
membros da nossa expedição navegadora de 19 pessoas já estavam lá, examinando um
coral laranja maior do que uma poltrona. Aquilo significava que a criatura não
era letal. Só parecia faminta. Com metade do corpo escondido numa fenda, pairava
um predador comprido salpicado de pintas, com as mandíbulas abertas. Eu mantive
distância e fiz uma anotação mental para ensinar um novo nome ao meu amigo
escandinavo: moreia. Só que antes eu precisava respirar.
Felizmente, relaxamento não faltava a bordo do Buhay.
Estávamos no meio do paradisíaco nada: um mar de azul-celeste em alta
definição se estendia até o horizonte, pontilhado somente pelas distantes ilhas
desabitadas. Depois de alguns dias navegando, a vida se tornara uma rotina
indistinta: comer, snorkel, descansar. Repetir.
A maioria dos turistas que chega às Filipinas em busca de descanso vem direto
a Boracay, uma loja de conveniência tropical cheia de jet skis, piscinas de
resorts e ressacas. Só que eu procurava uma fuga verdadeira, nada que envolvesse
ser derrubado pelo drinque "scorpion bowl".
Assim, fiz uma viagem de van de Puerta Princesa a El Nido, minúsculo e denso
aglomerado de lojas de mergulho ao redor da baía Bacuit, em Palawan. O que
descobri, depois de seis horas desviando de cabras numa estrada poeirenta, foi
um centro de lançamentos de "bangka" às ilhas espetaculares da região.
Jes Aznar/The New York Times
Jes Aznar/The New York Times
El Nido criou um nicho no circuito de mochileiros, dando a impressão de que
simplesmente apareceu no mapa. Imponentes despenhadeiros de calcário guarnecem
algumas ruas empoeiradas que ficam vazias muito antes da meia-noite. Os resorts
são mantidos à distância pela falta de voos comerciais e pela decrépita
infraestrutura da cidade _ não existem caixas eletrônicos e a eletricidade é
cortada ao nascer do sol, voltando ao redor das 16h00.
Como a maioria dos moradores itinerantes da cidade, passei as horas de
blecaute parcial nadando entre peixes-papagaio e fazendo piquenique numa franja
de areia branca. Cada local tinha um nome tomado da mitologia do paraíso, como
Praia Escondida e Laguna Secreta.
Só que o segredo acabou. As agências de turismo local oferecem os mesmos
quatro itinerários diários _ conhecidos como A, B, C e D _, assim a água, ainda
que estonteante, às vezes ficava lotada. Quando todos voltavam para casa à
tardinha, as pessoas ficavam vendo o sol se pôr, pediam uma cerveja e logo
entravam no Facebook num café a um metro ou dois das ondas. Parecia que os
outros turistas (e a internet) estavam estragando minha fantasia de ilha
deserta.
A única opção era cortar a ligação com a civilização e todas as suas
comodidades modernas. Enquanto planejava minha próxima viagem a El Nido em
fevereiro, fiz reserva com a Tao Philippines, que fornece viagens de barco
explorando algumas das ilhas mais remotas do Sudeste Asiático e férias totais de
tudo que é digital: nada de e-mail, agregadores de notícias ou telefone.
A Tao foi fundada por Eddie Brock, 34 anos, um filipino magrelo, e seu amigo
britânico, Jack Foottit, 27 anos, que se conheceram quando trabalhavam como
garçons na Escócia e depois fugiram para as ilhas de Palawan. Ao longo dos anos,
Brock e Foottit descobriram um verdadeiro planeta solitário de ilhotas
desimpedidas, vilas de pescadores e, para a aventura não terminar, começaram a
levar as pessoas que conheciam na jornada. Agora eles têm seis "bangkas" e meus
colegas de bordo e eu éramos seus mais recentes passageiros clandestinos.
Uma noite antes de zarparmos, Brock foi direto ao explicar o propósito da
viagem: "Não existe plano." Durante a viagem entre El Nido e o destino final,
Coron, a cerca de 160 quilômetros a noroeste, o andamento de cada dia seria
determinado pelos ventos e as correntes. Ao longo do trajeto, desembarcávamos em
ilhas tão isoladas que turistas raramente as veem.
Jes Aznar/The New York Times
Jes Aznar/The New York Times
Naquela primeira manhã a bordo do Buhay, nos livramos dos chinelos de dedo e
testamos nossa capacidade de navegar. O barco era um "bangka" típico
reinventado, com dois conveses ao ar livre e dois violões. Na cozinha, a
mestre-cuca, Annie, produzia joias das ilhas das Filipinas durante a jornada,
como "adobo" de atum e siri ao leite de coco e curry.
Meus colegas a bordo do Buhay eram na maioria europeus, contando com dois
belgas acompanhados por belas moças filipinas. Era uma expedição aberta, então
qualquer um podia reservar seu lugar. A cada noite nós dormíamos numa ilha
diferente, às vezes dividindo uma choupana. Casais em lua de mel e quem desejar
uma experiência mais íntima podem reservar um barco particular.
Eu havia vindo sozinho, mas quando desembarcamos no acampamento base da Tao
na ilha de Cadlao naquela tarde, qualquer desconforto inicial por dividir
alojamentos com estranhos havia desaparecido no primeiro mergulho no mar; estar
molhado e seminu faz essas coisas.
Brock surgiu por entre as palmeiras para nos receber em terra firme,
acompanhado por Foottit, um ex-londrino bronzeado que trocou as chaves do carro
por uma macaca de estimação. A símia de cauda longa pulou do seu ombro, guinchou
e correu pela areia para nos cheirar. Ela era a mascote ideal para o
acampamento, algumas choupanas de sapé à beira da selva.
Pescadores já moraram aqui, mas venderam a terra para nossos anfitriões anos
atrás. Hoje em dia, alguns deles trabalham para a Tao no papel de marujos e
cozinheiros. A Tao ajuda cada vilarejo com que trabalha nas ilhas, construindo
escolas e pagando professores, um investimento que lhes rendeu a lealdade local.
Os membros da tripulação eram desse cenário rural; eles ensinaram nossos
anfitriões a escalar coqueiros e navegar pelas estrelas.
"É uma tribo, não uma empresa", disse Foottit, rindo com uma cerveja. "Somos
os garotos perdidos."
Toda essa liberdade náutica estava afetando meus colegas de bordo. Antes de
começar a viagem, Marly Pols, 43 anos, aeromoça holandesa, disse que só
conseguia pensar nas praias que nos aguardavam. No segundo dia, estávamos
contando histórias e bebendo garrafas de rum como um bando de piratas de
folga.
"Esta agora é a nossa casa", ela disse enquanto descansávamos no convés
superior na manhã seguinte. "Estamos nessa juntos."
Jes Aznar/The New York Times
Jes Aznar/The New York Times
Gabie Vervoort, 37 anos, um bem-sucedido vendedor de impressoras da Holanda,
disse que estava flertando com a ideia de desistir de tudo.
"Em casa, quero o carro mais bacana e o maior televisor, mas aqui nada disso
faz sentido. Devo ter nascido no país errado."
Mas a vida insular nem sempre é paradisíaca. A elevação da temperatura do mar
e o excesso de pesca nas Filipinas estão devastando populações acima e abaixo
das ondas. O colapso pesqueiro começou a atingir Palawan, deixando os pescadores
locais incapazes de competir na corrida para alimentar a China. Os criadouros de
pérolas geram alguns empregos (à noite avistávamos as luzes distantes dos
"bangkas" protegendo as ostras submersas), ainda que os moradores locais só
recebam uma migalha do lucro final.
A Tao dá suporte a uma pequena economia rural que engloba o arquipélago
filipino. Nosso café matinal vinha do vilarejo de Brock, ao norte, já os
jantares eram estritamente locais. Quando paramos para passar a noite numa ilha
a várias horas de distância do naufrágio, um grande javali era assado num espeto
girado por um morador descalço. Mais tarde, nós relaxamos na praia até tarde,
destruindo a letra de "Fast Car", de Tracy Chapman, e das músicas do Red Hot
Chili Peppers.
Na terceira noite, em outra praia, as letras apareceram. Depois do pôr do sol
e dos camarões, nos reunimos numa cabana ao redor do motivo de haver um gerador
na aldeia: um aparelho de caraoquê. O inglês não era o idioma nativo de todos os
meus colegas, mas eles compensavam os erros com o conhecimento da música pop dos
Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Nós cantamos "Wonderwall", do Oasis, e dançamos a macarena. Durante dias
fiquei desejando que meus amigos tivessem me acompanhado na viagem, quando então
dei por mim: eles estavam ali o tempo todo.
Aproveitando uma pausa, corri descalço para a praia vazia, exceto pelos
caranguejos fantasmas que pairavam nas tocas, observando-me com olhos salientes.
A maré parecia um suspiro, o céu incandescia com as constelações e eu era, de
forma emocionante, a única testemunha.
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