CULTURA/EDUCAÇÃO/ARTE - Autor a bordo
Por Cristina Padiglione, estadao.com.br, Atualizado: 8/4/2012 11:59
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"'Se você fizer uma novela com classes D e E,
dificilmente vai ter atrativo'"
Lauro César Muniz recebe o Estado em casa, um belo apartamento
com cara de casa, no bairro paulistano dos Jardins. Piano e televisor convivem
no mesmo ambiente, a poucos metros do cômodo que lhe serve de escritório para o
árduo expediente de escrever novelas. Máscaras, título que remete a uma troca de
identidade, um thriller policial, é seu terceiro folhetim na Record. Tratada
pelo autor como sua última novela, a trama começa a bordo de um cruzeiro, nesta
terça-feira, às 22h30. Eis um resumo da nossa conversa.
Você vem defendendo há tempos novelas mais curtas. Esta tem
menos personagens?
Tem. São 38. Nós ficaríamos mais em dia com o mundo da internet
se fizéssemos novelas mais enxutas, com 20 personagens. Disse que esta é minha
última novela com 200 capítulos para provocar a Record a testar uma novela de
120, 140 capítulos. Isso já está acontecendo um pouco, na Globo, e na própria
Record já há um bochincho favorável. Fiz as contas: vou ter 77 anos quando tiver
que fazer uma próxima novela, em 2012. Não dá. E o que mais ouço das pessoas é:
'Puxa, essa novela não acaba nunca!', tanto para novelas da Globo como da
Record.
Quanto tempo você tem ainda de contrato mais com a Record?
Até 2014.
Não vou perguntar se você vai ficar lá depois disso
porque...
Vou ficar, vou encerrar minha carreira de novelista na
Record.
A Globo não propõe sua volta?
Não, não, todo mundo pensa que a Globo... Eles estão muito
aborrecidos comigo. Acho que sou muito agressivo com a Globo. Eu tenho uma
bronca deles porque eles exibem cenas de novelas minhas e não dão crédito. Eles
passam pedaços de Casarão, Salvador da Pátria, Escalada. Toda vez que eles
homenageiam o Lima (Duarte) eles passam o Sassá Mutema, mas eu não sou autor de
nada?
As novelas não estão mais didáticas, mais explicadinhas? Isso
é efeito da busca pela classe C?
É verdade. E aí as emissoras se imbuíram do espírito de que a
nova classe C é ignorante e que é preciso fazer programas de nível mais baixo
para essa classe que vê muita televisão e agora tem televisão de plasma. Não é
bem assim. Porque esse público, que era da classe D/E e teve uma ascensão, é o
mesmo que gostava de ver as novelas antes. Eles viam, gostavam, entendiam, por
que agora ficaram burros? Se houve uma ascensão, como é que eles podem estar
entendendo menos? Essa queda de audiência não tem nada a ver com isso.
Mas é fato que a TV aberta sofre uma queda de audiência.
Mas é claro, tem internet, TV por assinatura... Se você fizer
uma novela com classes D e E, dificilmente vai ter atrativo, é o negócio do
Joãosinho Trinta ('Quem gosta de pobre é intelectual'). E acho que as
telenovelas não sabem fazer classe E, fica falso. Vidas Opostas talvez seja
exceção porque foi ao morro, não à cidade cenográfica. Vi essa novela (Avenida
Brasil, na Globo) e o lixão não é tão lixão. Quando o José de Abreu entrou com
aquela capa, não deu pra acreditar. Ele estava fantasiado.
Máscaras tem núcleo pobre e núcleo rico?
Não tem, são todos de classe média para B e A. Tem várias
classes, mas não estou tão preocupado com isso, estou preocupado com uma
história policial, um triller. E como é a última que eu tô fazendo...
É a última ou a última de 200 capítulos?
Ah, essa resposta eu só posso te dar daqui a dois anos. Se a
Record estiver interessada em fazer uma novelas de 120 a 140 capítulos, eu
topo.
A Record faz algum tipo de recomendação a você?
Não, estou muito à vontade. No passado houve uma
interferenciazinha aqui e ali, mais de imagem que de texto, coisa de sexo. O
aspecto político é absolutamente livre, falo o que quiser.
Falando em política, você fez 'O Salvador da Pátria'. Por que
as novelas não tocam mais nisso?
Porque não há um inimigo à vista. E a gente enfrentou
restrições no Salvador da Pátria. Eu teria terminado a novela de outro jeito.
Aquilo era uma parábola. Eu faria aquele homem, julgando que ele era ignorante,
ser cooptado pra ser vice numa chapa ultradireitista. Ele topava, era eleito e,
no processo, o direitista morria e ele assumia a Presidência da República. E
faria um governo absolutamente popular, como o do Lula.
E na época, pré-eleição de 1989, o Sassá remetia ao Lula.
E era mesmo, eu me dei essa liberdade. A abertura era o Sassá
Mutema subindo a rampa do Planalto. Mas não foi uma censura da emissora, foi
recomendação de um ministro da Justiça que teria telefonado pro Roberto Marinho
dizendo: 'Puxa, essa novela vai eleger o presidente da República'. Não era minha
intenção, embora eu tenha votado no Lula naquela eleição. Agora, quem pode fazer
oposição ao governo que está no poder hoje? Um partido que está perdido? Nessa
novela eu falo um pouco do Lula, da Dilma.
Nominalmente?
Claro, por que não? Eu não critico, mesmo porque tenho
simpatia pelo Lula, pela Dilma, pelo Fernando Henrique. A história começa um
pouco antes, quando o Lula era presidente. Pra situar a história, faço menções
àquele momento. E estou interessado nessa questão do biodiesel e na gula
americana em cima do nosso biodiesel. Mas não é denúncia. É um alerta.
Por que Máscaras?
As pessoas entram num navio seguras de que vão viver um mundo
diferente, uma fantasia, ter outra identidade. Parece que ao se separar do
continente elas cortam o cordão umbilical das suas coisinhas e se sentem mais
livres. Aí pensei num cara que assume a identidade de outro, já tinha visto isso
em Antonioni. Então imaginei o vilão vestindo a máscara do herói e o herói, a do
vilão, não porque eles queiram, e sim porque as circunstâncias levam a isso.
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