quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Amor e entrelaçamento quântico no filme "Interestelar"




 domingo, novembro 23, 2014  Wilson Roberto Vieira Ferreira  4 comments

Depois de desafiar os espectadores com desconstruções narrativas como “Amnésia” e articular sucessivas camadas de mundos oníricos em “A Origem”, agora Christopher Nolan em “Interestelar” (Interstellar, 2014) nos desafia com os paradoxos da mecânica quântica e relatividade.  Aqui não há mais heróis tentando salvar a Terra, mas pessoas que se sacrificam na procura de um caminho para a humanidade abandonar um planeta agonizante. E a única saída será através de buracos negros e “buracos de minhoca” cósmicos. Porém, as equações falham em tentar conciliar a dimensão quântica e a relatividade. Qual a solução proposta por Nolan? Amor e Comunicação, os únicos elementos que atravessam os diferentes espaços-tempos e que resolveriam o enigma do chamado “entrelaçamento quântico”. Tudo com muitas alusões gnósticas e religiosas, criando uma poderosa atmosfera mística.

John Smith trabalha como projetista em um cinema nos EUA. John fez um curioso relato no início desse mês: ao receber a cópia do filme Interestelarpercebeu que ela veio embrulhada e rotulada como “Flora’s Letter” – The Hollywood Reporter, 22/10/2014.

Já é bem conhecida essa estratégia onde os filmes são distribuídos ou mesmo produzidos com títulos falsos a fim de dificultar a pirataria ou roubo.

Mas também é conhecido que muitos produtores não resistem à tentação de deixar nesses falsos rótulos pistas inteligentes e sugestões. É o exemplo de filmes anteriores de Nolan que foram distribuídos dessa maneira, com intrigantes pistas: “Backbreaker” para o filme Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) e “Be Kind, Rewind” para Amnésia (Memento, 2000).


      Ora, Flora’s Letteroficialmente seria uma alusão a uma das quatro filhas de Nolan, Flora. Mas também poderia ser uma sincrônica referencia a “Carta para Flora” ou “Epístola para Flora”, texto gnóstico atribuído a Ptolomeu, discípulo do professor gnóstico Valentino no cristianismo primitivo, onde assume que Jesus fora enviado não para destruir a Lei Mosaica (materializada nos Dez Mandamentos), mas para completa-la. Por ser obra não de Deus mas de um Demiurgo, a Lei era imperfeita e necessitava ser completada.

Simbolismos religiosos


Coincidência ou Sincronismo? O fato é que Interestelar de Nolan lida com os paradoxos das leis da Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade. Passamos as quase duas primeiras horas do filme acompanhando todo o esforço de um projeto que tenta salvar a raça humana da extinção baseado nas equações do Professor Brand (Michael Caine). Porém, as equações do professor falham por não encontrar a solução para aquilo que toda a Física até agora não conseguiu: achar o chamado “Campo Unificado” que conciliaria a relatividade com a dimensão quântica.

Porém, assim como no texto gnóstico Carta para Flora, um Salvador deve chegar para completar a Lei imperfeita, acrescentar o componente que falta na equação. E para Nolan, aquilo que ultrapassaria o Tempo e o Espaço, conciliando as dimensões relativísticas e quânticas, seria o Amor – Jesus?.


        Assim como essa sincrônica referencia gnóstica, Interestelarpossui uma série de simbolismos religiosos: os doze apóstolos (Dr. Brand teria enviado anteriormente através do buraco de minhoca cósmico “doze bravas almas” que lá estariam à espera do salvador da humanidade); lá existe uma espécie de Arca de Noé; o primeiro planeta com ondas gigantescas (dilúvio bíblico?); há um anjo caído (Dr. Mann que vira um demônio em uma espécie de Jardim do Éden invertido); todo o projeto secreto da NASA se chama “Lázaro” (referência ao personagem bíblico que ressuscitou dos mortos); a heroína salva a humanidade aos 33 anos de idade (a idade de Jesus).

Nolan parece espalhar esses simbolismos na narrativa para fazer a delícia dos críticos de cinema. Porém, o filme vai mais além do que essa lista de simbolismos mais evidentes: Interestelar lida com o tema do amor de uma forma bem peculiar – como o elemento mais importante da equação, capaz de atravessar o contínuo tempo/espaço, ir além da atração gravitacional. Para tanto, veremos como Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico, conceito que curiosamente Jim Jarmusch também introduz no seu último filme Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013, já analisado pelo blog, clique aqui).

O Filme


A maioria dos filmes de Hollywood baseia-se em narrativas sobre o amor romântico ou sexo. Mas Interestelar quase não tem casais para se obter o tradicional par romântico que salvará o mundo. Ao invés disso, vemos diferente formas de amor, de geração em geração, ao longo do tempo e espaço.

O filme começa em uma fazenda onde vemos o amor do avô Donald (John Lithgow) pelo seus netos e o amor dos filhos pelo pai viúvo e astronauta aposentado da NASA Cooper (Matthew McConaughey). Eles estão metidos em uma crise ambiental global onde os alimentos desaparecem e tempestades de areia arrasam com plantações.

Por meio de uma estranha anomalia gravitacional que a filha Murph (Jessica Chastain) descobre em um cômodo da casa (ela pensa que há algum fantasma derrubando livros da estante) , eles descobrem coordenadas que levam a um laboratório subterrâneo e secreto onde a NASA planeja uma forma de salvar não o planeta, mas a humanidade: Dr. Brand desenvolve equações para solucionar problemas relativísticos e quânticos para levar a humanidade para um novo planeta do outro lado do Universo por meio de um “buraco de minhoca” (wormhole) encontrado nas cercanias de Saturno. E tudo leva a crer que esse buraco cósmico foi uma criação artificial de alguma outra civilização disposta a nos ajudar.


       Cooper é convocado para o Projeto Lazaro para ser o piloto de uma espaçonave que atravessará o “buraco de minhoca” em busca de uma nova Terra. Com isso, a narrativa passa a ser movida pelo amor mesclado com raiva da filha Murph, ressentida pelo pai abandonar a família por décadas. Para ela, o pai abandonou a família em um planeta à beira da extinção.

Há ainda outra forma de amor: doze “apóstolos” ou astronautas saíram sozinhos na vanguarda do Projeto Lázaro, sacrificando suas vidas para serem congelados e renascerem em algum lugar do outro lado do Universo.

Parece que o tempo inteiro Nolan quer nos mostrar a força magnética que liga pessoas que estão distantes; como pessoas separadas por longas distâncias no Universo podem ainda exercer uma força gravitacional. Todos no filme anseiam por reencontros, assim como no outro filme do diretor, A Origem (Inception, 2010), o protagonista Cobb tentava retornar para casa.

E assim como em A Origem, Nolan lida com camadas de realidades no tempo e espaço que funcionam em diferentes cronologias. Quando o protagonista Cooper vai para o espaço deixa para trás os paradigmas da vida terrena para entrar nos paradoxos da mecânica quântica e relatividade: a gravidade torna-se variável em diferentes planetas, o espaço dobra sobre si mesmo, astronautas voam por buracos de minhocas que conectam um ponto a outro distante no Universo e naves ganham impulsos gravitacionais em horizontes de eventos de um buraco negro.

O entrelaçamento quântico


      Com isso, Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico: como duas partículas que se interagem, ao serem separadas continuam a ter estranhos padrões como se ainda estivessem conectados a distâncias imensas. Interestelar mostra como pessoas que se amam adquirem alguns desses mesmos recursos e reagem da mesma forma, ao mesmo tempo para as mesmas coisas.

Baseado nas ideias do físico Kip Thorne, Insterestelar mostra como Ciência e emoção podem se misturar criando uma poderosa atmosfera mística. De início, Nolan opta por um pressuposto narrativo gnóstico: a ideia de uma Terra seca e devastada da qual o homem deve fugir, assim como Dorothy no filme clássico O Mágico De Oz, é a metáfora da condição humana no Gnosticismo – prisioneiro em um cosmos imperfeito e decadente do qual somente poderá escapar por meio da gnose, a busca da iluminação interior - sobre esse tema em O Mágico de Oz clique aqui.

E no filme essa gnose é a descoberta de que vivemos em um Universo onde o entrelaçamento quântico faz tudo parecer emergente e interligado. A vida parece menos como uma máquina e mais com padrões infinitamente complexos de ondas e partículas.

Em Interestelar, os personagens estão frequentemente experimentando transversais e conexões místicas que transcendem o tempo e o espaço. Parece que tanto Nolan como Jarmusch em Amantes Eternos parecem ter se inspirado na obra-prima My Bright Abyss do poeta norte-americano Christian Wiman:
“Se o entrelaçamento quântico for verdade, se as partículas relacionadas reagem de maneiras semelhantes ou opostas , mesmo separadas por distâncias enormes, então é óbvio que o mundo inteiro está vivo e se comunica por diversas maneiras que não compreendemos totalmente. E nós somos parte dessa vida, dessa comunicação” WIMAN, Christian. My Bright Abyss – Meditation of a Modern Believer).

A solução do entrelaçamento quântico: amor e comunicação(spoilers à frente)


      Levamos quase duas horas do filme para compreendermos qual o elemento que falta para a equação do professor Brand unificar relatividade e mecânica quântica, o que possibilitaria trazer Cooper de volta para casa dobrando o tempo-espaço no sentido inverso: amor e comunicação, aquilo que resolveria o enigma do entrelaçamento quântico.

Numa alusão ao filme 2001 de Kubrick, ao entrar no buraco negro Cooper descobre que seres da quinta dimensão prepararam para ele um espaço tridimensional de onde observa o quarto da casa na Terra onde está a filha Murph em tempo-espaço simultâneos na infância e na atual vida adulta. O presente dobra-se no passado: através de quantuns de energia em código morse, Cooper se comunica com Murph simultaneamente no passado e presente.

O suposto fantasma da estante na infância era o próprio pai no futuro tentando se comunicar, trazendo a solução que retirará a humanidade de um planeta agonizante.

Nessa sequência final, Nolan faz também uma curiosa alusão às comunicações dos espíritos do início do Espiritismo do século XIX com os fenômenos de batidas no chão e mesas girantes como formas de comunicação tiptológica dos mortos com os vivos. 

Seriam os espíritos não apenas pessoas que já morreram, mas na verdade seres interdimensionais tentando se comunicar conosco através de diferentes tempo-espaços? Seriam seres do futuro ou do passado? Assim como os seres da quinta dimensão que, por algum motivo misterioso, tentam ajudar a humanidade emInterestelar, os espíritos também tentam se comunicar conosco? 

Será que assim como os seres da quinta dimensão, é o amor por nós que move os espíritos a tentarem a comunicação?





Ficha Técnica

Título: Interestelar
Diretor: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, John Lithgow
Produção: Legendary Pictures
Distribuição: Warner Bros South (Brasil)
Ano: 2014
País: EUA

  
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Tecnologias de comunicação escondem o isolamento no filme "Bird People"



 terça-feira, fevereiro 10, 2015  Wilson Roberto Vieira Ferreira  No comments

No meio do caminho entre o realismo documental e o sobrenatural, o filme “Bird People” (2014) do francês Pascale Ferran nos mostra os dilemas dos momentos da vida em que precisamos assumir riscos e dar saltos no vazio. Pessoas que transitam em espaços impessoais como aeroportos e hotéis e que tentam mascarar o isolamento por meio de tecnologias de comunicação como dispositivos móveis e computadores. Ferran nos mostra a contradição de como pessoas cercadas de interfaces de comunicação podem, ao mesmo tempo, sofrerem do mal da incomunicabilidade. Escondem o isolamento, mas sofrem os sintomas da claustrofobia e alienação. E sentem a necessidade de darem um salto nas suas vidas, assim como os pássaros e aviões.

Grande parte das discussões em torno das tecnologias de comunicação baseiam-se em uma confusão conceitual: tomam os termos “informação” e “comunicação” como sinônimos. Ainda pensa-se a comunicação nos termos da chamada Teoria da Informação – comunicação se trataria unicamente de levar um conteúdo de um emissor para um receptor: comunicação seria pensada unicamente nos termos de uma transmissão de mensagens.

Informação trata-se de transmissão de dados - notícias, números, estatísticas, memorandos, requerimentos etc. Seu caráter é meramente aditivo: acrescentar dados supostamente desconhecidos para um receptor.

Ao contrário, a Comunicação não é mais um dado, mas Acontecimento: algo que nos confrontou, transformou nossa maneira de ver o mundo. Não é mais aditivo, é disruptivo. Quando ocorre a comunicação (quando nos deixamos abrir para um acontecimento que nos cause dissonância ou contradição) nos transformamos através da ruptura e a aceitação do risco do novo.

Esse é o tema principal do filme Bird People, um filme sobre saltos no vazio e a necessidade de assumirmos riscos em nossas vidas: chegarmos a um momento em nossas existências onde somos tentados a levantar voo, deixar tudo para trás – família, amigos e compromissos profissionais que normalmente nos impedem de fazê-lo.

Mas, principalmente, Bird People revela a contradição que vivemos na atual era das chamadas Novas Tecnologias de Comunicação: os personagens do filme estão constantemente conectados aos seus celulares, smartphones, computadores e dispositivos móveis – trocam constantemente informações, mas há uma continua incomunicabilidade em ambientes que, por isso, tornam-se claustrofóbicos como hotéis, saguões de aeroportos, salas de reuniões e auto-estradas.

Todos de passagem, apressados, constantemente informados e disponíveis online. Porém, incapazes de criarem formas de comunicação onde expressem anseios, frustrações e desejos.

O filme


O filme apresenta dois dramas complementares dentro de uma estrutura única. Rodado em Paris, Dubai e Estados Unidos, vemos personagens que transitam em espaços impessoais que acentuam ainda mais o isolamento. As janelas dos quartos do Hotel Hilton, situado em uma espécie de nowhere, uma região limítrofe ao aeroporto Charles De Gaulle, deixam ver pássaros e aviões. São metáforas do salto e do voo como uma saída para os protagonistas.

Gary é um engenheiro norte-americano de tecnologia da informação representando uma empresa do Vale do Silício. Ele participa de uma reunião em Paris para fazer parte de um milionário empreendimento em Dubai.

Depois de algumas reuniões de negócios e noites insones no quatro do hotel jogando games de computador e trocando mensagens no smartphone, cresce em Gary uma sensação claustrofóbica. Decide não tomar o voo de negócios para Dubai e informa laconicamente para empresa que está abandonando tudo (trabalho, família e filhos). Decide não voltar mais para os EUA.

O ponto alto da narrativa sobre a decisão de Gary é quando tem uma emocionalmente devastadora conversa com a esposa através do Whatsapp: há uma total incomunicabilidade – o diálogo é pontilhado por longos silêncios, de repente interrompido por agressões verbais e ofensas, sem nenhum dos lados conseguir expressar através do programa on line seus dilemas íntimos.

Depois da desconstrução da vida de Gary, entra em cena da garota sonhadora chamada Audrey, arrumadeira do próprio hotel em que Gary está hospedado. Trabalha para pagar os estudos na universidade e está sempre de passagem em ônibus ou atravessando os corredores e quartos do hotel. Ambiente impessoais, sempre ouvindo música em seu smartphone e fechada em si mesma.

A segunda metade do filme passamos inesperadamente do realismo documental da primeira parte para elementos de fantasia e sobrenatural que não podemos contar para não estragar o filme, mas o título do filme aponta para esse acontecimento (comunicação) que transformará a vida de Aldrey, fazendo-a mais um personagem da dar um salto no vazio.

Os voos da fantasia e o drama da incomunicabilidade chegam ao ápice na sequência linda e poética sob a trilha da música Space Oddity do gnóstico pop David Bowie.

Viajantes dão o “salto de fé”


Aqui os conceitos de comunicação e gnose se confundem na medida em que o filme transcorre, tornando a abordagem cada vez mais mística.

Fica cada vez mais evidente que o diretor Pascale Ferran bebeu na fonte do arquétipo moderno do Viajante. Em postagem passada discutíamos que desde o pós-guerra a cinematografia e a literatura moderna desenvolvem basicamente três tipos de arquétipos que constituem as três formas pelas quais a subjetividade contemporânea é formada – O Detetive, O Viajante e o Estrangeiro. São arquétipos que expressariam como o homem vê a sua própria condição na sociedade – sobre esse tema clique aqui.

Gary e Audrey são os típicos Viajantes: aqueles que vem do nada e vão para lugar algum, sempre em lugares impessoais, de passagem (aeroportos estações de trem, rodoviárias, metros etc.). Aparentemente estão bem assentados em sua carreiras e profissões – Gary é um engenheiro do Vale do Silício bem sucedido e Audrey é cheia de sonhos em trabalhar, estudar e vencer na vida.

Mas algo está errado. Há o crescimento de um sintoma surdo de mal estar (a claustrofobia de Gary e a alienação de Audrey) que leva os protagonistas a um acontecimento transformador: o salto de fé.

Gnose e o estado de suspensão


Assim como em filmes como Vidas em Jogo (The Game, 1997) ou Vanilla Sky (2001), os protagonistas literalmente dão saltos no vazio, como um salto de fé na ruptura e transformação íntima.

Basilides, filósofo gnóstico do início da Era Cristã, acreditava que a gnose (iluminação espiritual) viria através de uma estado alterado da mente de suspensão: o silêncio, negação do pensamento, vazio, o grau zero de sentido – estado que seria a terceira alternativa entre a ilusão e a realidade. Esse estado de suspensão parece ser aquele que anseia O Viajante: saltar no vazio como a expressão dessa necessidade do silêncio, deixar tudo para trás.

Por isso a fixação imagética do filme em aviões, voos, saltos e pássaros. E a própria música Space Oddity de Bowie no momento central do filme: sobre um astronauta que, suspenso no espaço fora da sua nave, vê a Terra azul até perder contato ao passar pela Lua.

Sem querer fazer um spoiler, o leitor perceberá que o único momento em que os protagonistas de fato conseguem estabelecer uma forma autêntica de comunicação é no único momento em que eles não estão mais conectados com nenhuma tecnologia de informação. Apertam as mãos e perguntam seus nomes.


Parece que Pasacale Ferran quer nos dizer em Bird People que as tecnologias da informação não foram feitas para os humanos, mas sim para coisas: dados, números e informações. Conectados a essa tecnologias apenas aditivamos, acumulamos dados que nos envolvem e nos apartam de acontecimentos que verdadeiramente poderiam nos transformar e causar rupturas.

  
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Judeus que se odeiam

Otto Weininger

Sarah Honig
A aberração mental levada a extremos por Otto Weininger, o filósofo judeu anti-semita que se suicidou em 1903, continua sendo exacerbada pelos que desfraldam a mesma bandeira.
O suicídio pode ser individual ou coletivo. Em cada uma dessas duas manifestações, ele pode ter características semelhantes e surgir a partir de anomalias psicológicas paralelas. Ele pode, ainda, ser perversamente popular.

No início do século XX, em Viena, por exemplo, uma série de suicídios com perfis elevados desencadeou um modismo pseudo-romântico. Parecia haver algo elegante em que alguém tirasse sua própria vida em um gesto grandioso que aparentemente defendia uma causa. O pivô na sensacionalização dessa moda foi o filósofo Otto Weininger, de 23 anos, que se suicidou em 1903 no mesmo quarto de hotel em que Beethoven tinha morrido (presumivelmente para aumentar o efeito trágico de seu suicídio).

O intenso sentimento de auto-anti-semitismo de Weininger foi primordial entre suas motivações. Tendo nascido judeu, ele se converteu ao cristianismo em seu último ano de vida, mas obviamente não encontrou a salvação. Seu livro Geschlecht und Charakter (Gênero e Caráter) revela seu ilimitado sentimento de ódio por si mesmo. Weininger fala com rudeza sobre a modernidade como sendo “judaica” e afirma que “as mulheres e os judeus são alcoviteiros; o alvo deles é fazer com que o homem se sinta culpado. Nossa era não é apenas a mais judaica [que já houve], mas também a mais feminina das eras”, que “já não possui um único grande artista, um único grande filósofo. Tem a menor originalidade já existente e a mais intensa busca pela originalidade”.

Além disso, Weininger faz “observações antropológicas” chocantes, inclusive advogando noções de que “o cabelo dos judeus aponta para o Negro”, e que “o formato do crânio semelhante ao dos chineses e malaios, tão freqüentemente encontrado entre os judeus – que geralmente possuem uma compleição amarelada – aponta para um sangue parcialmente mongol”. Coisa horripilante.

Não surpreende que os fãs póstumos mais ardorosos de Weininger foram os nazistas. O mais notável foi o próprio Hitler, o qual, segundo relatos, disse haver encontrado “apenas um judeu decente, Otto Weininger, que se suicidou quando percebeu que os judeus são bem sucedidos em contaminar a pureza sangüinea dos outros povos”.

O suicídio de Weininger foi considerado pelos ideólogos do Terceiro Reich como a única maneira “honrosa” de um judeu purificar o mundo de sua existência.

Embora indubitavelmente repulsivo, isso não é de modo algum irrelevante. A perniciosa síndrome de Weininger ainda aflige determinados judeus. A aberração mental que Weininger levou a extremos continua sendo exacerbada pelos que exaltam suas idéias. Mas há uma diferença muito significativa. Os “Weiningers” de nossos dias apreciam intensamente seu próprio bem-estar. Sua auto-repugnância é canalizada para o judeu coletivo. Eles promovem o suicídio nacional dos judeus, mas não a sua própria morte.

Noam Chomsky com Hassan Nasrallah, o chefe do Hezb’allah (Partido de Alá).

Um caso em destaque é o do [famoso lingüista judeu-americano] Noam Chomsky: a despeito de seu puro prenome hebraico, ele não perde uma só oportunidade de fustigar o Estado judeu e de idolatrar seus adversários mais fanáticos e implacáveis (mais recentemente o chefe do Hezb’allah, Hassan Nasrallah).

Seguindo as pegadas de Chomsky, há todo um séquito de uma ralé de extrema-esquerda formada em Israel mesmo: professores universitários, autores, produtores de filmes e artistas que se auto-enaltecem. Todos lucram consideravelmente com a debilitação e a demonização do restante dos israelenses, seus compatriotas pró-forma, mas que, na realidade, são o objeto do seu auto-ódio convenientemente projetado.

Alguns “novos historiadores” e provocadores seriais alcançaram renome. Essas celebridades internacionais, que ganham fama e fortuna atirando lama sobre sua própria nação e seu próprio povo, têm uma audiência ávida no exterior, onde a deslegitimização de Israel é ansiosamente aplaudida e onde a tradição condicionou as mentes a uma tendenciosidade anti-judaica (para falar de forma amena).

Alinhando-se com os judeus e israelenses que se odeiam a si mesmos e que obtiveram sucesso a partir da aversão a sua própria gente, há os que buscam glória comparável com persistência. Dror Feiler é um desses. Seu último ato bizarro foi ser um dos organizadores da flotilha supostamente humanitária para quebrar o suposto bloqueio desumano de Israel a Gaza.

Feiler nunca mencionou o fato de que Israel supre de maneira regular (e bastante insensata) a Faixa de Gaza com bens, eletricidade, combustível e água, enquanto que Gaza usa seus recursos para subjugar sua gente e estocar armas de destruição em massa.
Feiler ou justifica ou omite o discurso sobre os muitos e flagrantes pecados de Gaza. Ele exagera grotescamente as respostas dos israelenses e deliberadamente deturpa-lhes o contexto. Feiler tem prazer em pintar Israel como intrínseca e irredimivelmente mau. Ele é amigo íntimo do repórter sueco Donald Bostrom, que acusou Israel de matar palestinos deliberadamente para extrair seus órgãos de forma ilícita. Não procure ver em Dror alguma empatia pelos judeus nem um pequeno traço de qualquer saudade da antiga pátria. Isso seria uma contradição à sua criação. Não foi daí que ele veio.

Tal mãe tal filho, ele é inquestionavelmente leal a sua mãe: Pnina Feiler passou a vida toda advogando em favor das causas palestinas e difamando Israel com grande satisfação. Ela se manifesta a partir de Yad Hanna, o único kibbutz comunista de Israel. Este recebeu o nome, em 1950, em homenagem a Hanna Szenes, heróica pára-quedista da Segunda Guerra Mundial, cuja memória e legado têm sido alvejados ultimamente pelos fajutos iconoclastas de esquerda. O auto-sacrifício por uma causa judaica ou por uma dedicação sionista havia se tornado insuportável no ambiente iluminado deles.

Dentre outros grupos, Pnina Feiler tinha participação ativa junto à organização pró-árabe Médicos Pelos Direitos Humanos em Israel (em sua função profissional como enfermeira). Em maio de 2001, depois que árabes sadicamente esmagaram os crânios de dois alunos de uma escola, que estavam gazeteando aula, perto de Tecoa, a fundadora do MDH-Israel, a psiquiatra Ruchama Marton, reagiu raivosamente com relação às vítimas menores de idade: “Os colonos”, disse ela em tom perturbado, “criam pequenos monstros”.

Essa é a fonte de águas morais da qual Dror bebia. Esse é o manancial intelectual e ideológico no qual ele se movia e onde aprendeu que os reservatórios de sangue judeu formam um pano de fundo estético contra o qual pode-se mostrar as características glorificadas de Hanadi Jaradat, que se explodiu ao lado de um bebê em seu carrinho no restaurante Maxim’s de Haifa em 2003, matando 21 pessoas, dentre as quais três gerações de duas diferentes famílias.

Alguns meses depois da atrocidade, Dror, que é cidadão sueco naturalizado, e sua esposa escandinava criaram a “obra de arte” exibida em Estocolmo que apresentava Jaradat como “Branca de Neve” velejando em um lago de líquido vermelho [representando “sangue”]. Zvi Mazel, na época embaixador de Israel na Suécia, ficou ofendido com a imagem e sabotou a mostra.

Dror e sua esposa escandinava criaram a “obra de arte” exibida em Estocolmo que apresentava [a terrorista] Jaradat como “Branca de Neve” velejando em um lago de líquido vermelho [representando “sangue”]

Dror transpirava a mesma orientação artística que anteriormente havia inspirado um show maligno em Nablus, no qual figuravam fatias de pizza ensangüentadas e um carrinho de bebê dentro de um modelo da lanchonete Sbarro de Jerusalém após o ataque terrorista de 2001 (que matou 15 inocentes, inclusive nove crianças e cinco membros de uma só família). Não obstante, Dror gozava de apoio generoso e de publicidade amistosa. Sua santificada mulher-bomba suicida figurava orgulhosamente em posteres gigantes de propaganda por toda a grande Estocolmo.

O texto que acompanhava a obra-prima de Dror afirmava que o ardor homicida de Jaradat fora inflamado pelo pesar por um irmão e um primo assassinados pelos israelenses. Os suecos, assim como outros europeus arrogantes, gostam dos judeus que, como Dror, amam seus inimigos. Aos judeus exige-se que demonstrem compaixão para com aqueles que, com malignidade genocida premeditada, ainda continuam tentando aniquilá-los. Os judeus são sentenciados a confinamento solitário em elevadíssimos padrões morais, aos quais não se espera nem remotamente que alguma outra nação chegue. Os judeus são obrigados a oferecer a outra face. Os judeus não têm o direito de vingança.

Portanto, quando Dror Feiler posa como humanitário, precisamos nos lembrar que ele também racionalizou o zelo [da terrorista Jaradat] em explodir os israelenses. Isso o torna ainda menos eticamente tolerável que Weininger, pois este meramente deu um tiro em seu próprio peito.

Tanto Weininger quanto Feiler impulsionaram a perniciosa propaganda judeufóbica. Ambos prestaram consolo e vindicação ostensiva aos inimigos de seu povo; todavia, Weininger apenas levou pessoalmente seu ódio por si mesmo a suas conclusões lógicas. Desta forma, como uma aberração mental que indubitavelmente era, ele emerge mais moral do que Dror Feiler, se é que a palavra moral pode ser aplicada nesse caso. (Sarah Honig – www.sarahhonig.com - http://www.beth-shalom.com.br)

Sarah Honig é uma colunista veterana e editorialista-sênior do Jerusalem Post. Durante muito tempo ela foi correspondente política do jornal (como também do extinto Davar). Ela dirigiu o escritório do Jerusalem Post em Tel Aviv, escrevendo artigos diários e análises em profundidade sobre o cenário político.
  
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