14 Jul 2014 | 13:23
Leia abaixo texto que
analisa o conflito em Gaza, com perguntas e respostas:
1)
Como começou a crise atual?
No dia 12 de junho,
três jovens israelenses foram sequestrados e assassinados. Dois integrantes de
uma célula do movimento terrorista Hamas são procurados por seu envolvimento no
assassinato. Deixaram suas casas na cidade de Hebron no dia do sequestro e não
retornaram mais. Seu objetivo era trocar os corpos dos jovens pela soltura de
terroristas presos em Israel.
A pressão política e
diplomática sobre o Hamas começou então a aumentar. Até mesmo o presidente da
Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, criticou duramente o assassinato
dos jovens, em uma reunião de cúpula da Liga Árabe.
Plataforma de lançamento de mísseis em área densamente povoada, no distrito de Zeitoun, em Gaza. Foto: Aaron Klein.
O movimento
fundamentalista islâmico, que controla Gaza desde 2007 e já vinha em crise
política e financeira, sentiu-se ainda mais isolado e pressionado. Optou pela
tática de “o ataque é a melhor defesa”. De 12 de junho até 7 de julho, véspera
da operação militar israelense, mais de 400 foguetes foram disparados contra
Israel pelo Hamas e outros grupos terroristas menores.
A estratégia do Hamas
rompeu um cenário de relativa calma na fronteira sul de Israel, predominante
desde a operação militar israelense Pilar de Defesa, implementada em 2012
também com o objetivo de desmantelar a capacidade do Hamas de disparar
foguetes.
Ao bombardear Gaza
depois de quase um mês de ataques do Hamas, Israel busca destruir a capacidade
do grupo terrorista de disparar contra alvos israelenses e busca recuperar
relativa calma em suas fronteiras, protegendo a população civil.
2) Por que o Hamas optou pela escalada
da violência neste momento?
O Hamas vive o momento
de maior isolamento e enfraquecimento de sua história. Seu aliado ideológico, a
Irmandade Muçulmana egípcia, é o principal inimigo do atual governo do Egito. O
Cairo, nos últimos meses, fechou passagens na fronteira para Gaza e aumentou o
isolamento do Hamas.
A guerra civil na Síria
levou o Hamas a enfraquecer laços com o Irã, seu maior apoiador financeiro e
militar dos últimos anos. O conflito na Síria acentua a divisão histórica do
mundo muçulmano, entre xiitas e sunitas. De um lado, o ditador Bashar Al Assad
representa a minoria alauíta, hoje aliada ao xiismo e ao Irã. De outro lado, os
rebeldes representam os sunitas, a maioria da população síria.
Os palestinos são
majoritariamente sunitas. O Hamas estava ao lado do Irã e da Síria numa aliança
anti-EUA e anti-Israel. Mas a eclosão da guerra civil na Síria fez com que as
divisões antigas prevalecessem.
Khaled Meshal,
principal líder do Hamas, vivia na Síria e teve de se mudar para o Qatar, país
sunita. O regime catariano passou a ser apoiador principal do movimento que
controla Gaza. Mas recentemente o emirado diminuiu apoio ao Hamas, por pressão
da Arábia Saudita e vizinhos, preocupados com crescimento de grupos
fundamentalistas islâmicos na região.
Resultado do complexo
quadro regional: o Hamas passou a viver isolado politicamente, e sem recursos
para, por exemplo, pagar seus funcionários. Com o recente fechamento dos túneis
subterrâneos pelo Egito, perdeu uma de suas principais fontes de renda, o
contrabando.
A liderança do
movimento terrorista avaliou, depois do agravamento do quadro com o assassinato
dos três jovens israelenses, que a forma de impedir maior isolamento e uma
crise doméstica mais intensa seria repetir a tática de apostar num conflito
armado com Israel para, numa negociação de cessar-fogo, arrancar concessões de
países como Egito e Qatar, como, por exemplo, a reabertura de túneis na
fronteira egípcia e mais apoio financeiro.
3)
Se o objetivo do Hamas é conseguir ganhos políticos e financeiros por meio de
uma estratégia de força, por que o governo israelense simplesmente não ignora a
iniciativa de Gaza?
O governo israelense,
entre 12 de junho e 7 de julho, propôs a formula “calma por calma” (“quiet for
quiet”) e esperou quase um mês na tentativa de o Hamas desistir da escalada e
parar de disparar foguetes.
Não é do interesse de
Israel se envolver num conflito como o atual. Ao mesmo tempo, nenhum país do
mundo pode tolerar que seu território seja alvo de foguetes disparados
diariamente contra civis.
4)
Por que o número de mortes palestinas é tão maior do que as israelenses?
O governo de Israel,
nos últimos anos, investiu pesadamente na construção de bunkers e no
desenvolvimento do “Iron Dome” (Cúpula de Ferro), um moderno sistema de defesa
que destrói mísseis inimigos em pleno ar.
A estratégia do Hamas é
diferente. Os lançadores de foguetes contra Israel são colocados em áreas
densamente povoadas, envolvendo a população civil no conflito e usando-a como
escudo humano. Porões e salas de escolas, mesquitas e hospitais são
transformados em depósitos de armas.
Israel já anunciou que
adota todas as medidas possíveis para diminuir o número de baixas civis. Por
exemplo, avisa, por meio de folhetos ou comunicação telefônica, a população
próxima a uma área a ser bombardeada. O Hamas, com sua rede de repressão,
ameaça retaliar quem deixar suas casas após um aviso israelense.
O principal líder do
Hamas, Khaled Meshal, vive confortavelmente no Qatar, um dos países mais ricos
do mundo. A liderança do movimento em Gaza, quando começa o conflito, se
esconde no subsolo do principal hospital da região.
5)
Por que o Hamas dispara foguetes e acumula um crescente arsenal contra Israel?
Em sua carta de
princípios, o Hamas prega a destruição de Israel. É um movimento
fundamentalista, que tomou o poder por meio de um golpe em Gaza, em 2007,
quando expulsou o Fatah, grupo palestino laico.
O Hamas se notabilizou
pelo uso de homens-bomba em sua luta contra Israel, sobretudo entre 2001 e
2004. Mas as medidas de segurança tomadas pelos governos israelenses nos
últimos anos reduziram praticamente a zero a infiltração de terroristas.
O Hamas trocou então
homens-bomba por foguetes. Importante ressaltar que um israelense tem apenas 15
segundos entre o toque da sirene e chegar a um bunker para se proteger. Por
isso, a população do país, sobretudo nas áreas mais próximas a Gaza, vive sob
intenso estresse diário.
Outro ponto importante:
Israel se retirou unilateralmente de Gaza em 2005. O Hamas destruiu, por
exemplo, as estufas agrícolas e outras infraestruturas deixadas por Israel,
preferindo investir “na luta contra o inimigo” e na criação de uma ditadura que
expulsou o Fatah em 2007 e oprime diversas minorias, como cristãos e
homossexuais.
6)
Algumas análises afirmam que Israel atacou Gaza para impedir o avanço do
“governo de união nacional” entre Fatah e Hamas, anunciado no começo de junho.
É verdade?
O Hamas foi forçado a
fazer o governo de união nacional com o Fatah por pressão de sauditas e
catarianos. O grupo terrorista teve de abrir mão de diversas exigências
prévias, como encabeçar um novo governo.
Arábia Saudita e Qatar
querem hoje fortalecer aliados sunitas e moderados, como Abbas, porque temem o
avanço de grupos fundamentalistas como a Irmandade Muçulmana egípcia ou o ISIS,
que controla parte da Síria e do Iraque. As monarquias conservadoras do golfo
Pérsico temem movimentos religiosos que surgiram e se desenvolvem fora do seu
controle.
Portanto, sauditas e
catarianos acharam um momento de “enquadrar” o enfraquecido Hamas e submetê-lo
ao Fatah.
Dias depois do anúncio
do governo de união nacional, houve o sequestro e assassinato dos jovens
israelenses. O Hamas negou envolvimento na ação, mas elogiou os assassinos.
Dois de seus integrantes são procurados pelo envolvimento nas mortes. Abbas, ao
contrário, colaborou nas investigações e denunciou o sequestro em discurso na
Liga Árabe.
As diferentes opções de
Hamas e Fatah no episódio do sequestro e assassinato já colocaram em xeque a
chamada “reconciliação”. Afirmar que Israel ataca Gaza para inviabilizar a
aproximação entre Fatah e Hamas é diversionismo e representa ignorar a natureza
dos atores políticos envolvidos na crise.
7) Qual a implicação regional e global
do conflito em Gaza?
Até a eclosão da
chamada Primavera Árabe, o conflito israelo-palestino era apontado por muitos
analistas como maior fator de instabilidade no Oriente Médio. Essa narrativa se
enfraqueceu profundamente nos últimos anos com as turbulências no Egito, Líbia,
Iraque, Síria, cujas ditaduras mascaravam uma falsa estabilidade.
Infelizmente, o fim de
ditaduras não significa o surgimento imediato de democracias, cuja construção
leva décadas. No momento atual, grupos fundamentalistas islâmicos, mais
organizados, têm se aproveitado da instabilidade para crescer em alguns pontos
do Oriente Médio.
Um caso grave é o
Estado Islâmico, criado na Síria e no Iraque por um grupo que surgiu como um
braço da Al Qaeda. Seu projeto é criar um “califado” e impor a lei religiosa. O
avanço preocupa, ao mesmo tempo, rivais como EUA, Irã, Arábia Saudita.
Nesse quebra-cabeça
regional, Israel vê com preocupação o fortalecimento de grupos
fundamentalistas, ainda que entre eles haja diferenças de origem religiosa ou
ideológica. Mas todos eles têm em comum a rejeição a Israel e a uma sociedade
com valores democráticos.
8) Depois do sequestro e assassinato de
três israelenses, um jovem palestino foi morto, aparentemente num ato de
retaliação. Como avaliar esse assassinato?
A morte do jovem
palestino representa mais uma tragédia na triste espiral de violência que
castiga o Oriente Médio. Com rapidez, a polícia israelense prendeu três
suspeitos pelo crime, que serão julgados.
Na democracia
israelense, o Estado de direito funciona. Basta lembrar, por exemplo, que um
juiz árabe, de um tribunal israelense, condenou à prisão um ex-presidente de
Israel, acusado de assédio sexual.
A esperança é que um
dia o Oriente Médio frequente o noticiário internacional como uma região
conhecida por seus avanços sociais, científicos e tecnológicos, e não mais como
uma região assolada pela violência e intolerância.