"Os bons homens se foram: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Miguel Arraes, Mario Covas. Se esses tivessem ficado e outros tivessem morrido, o Brasil seria diferente" (Foto: Cristiano Mariz)
Pedro Simon: “Os bons homens já morreram”
O senador diz que a qualidade do Parlamento na média é muito ruim, os líderes políticos só pensam em cargos e que a presidente Dilma não vai conseguir acabar com o fisiologismo
O senador Pedro Simon é um iluminado. Fundador do MDB , participou da oposição à ditadura militar, cerrou fileiras pelas Diretas Já e foi um dos protagonistas da ofensiva que resultou no impeachment do então presidente Fernando Collor.
Com meio século de vida pública, esse gaúcho de Caxias do Sul e 82 anos de idade teria motivos de sobra para festejar a atividade política. Mas ele não vê razões para celebrar.
Simon é hoje um retrato acabado do desânimo com a classe política e com o fisiologismo que governa a relação entre o Poder Executivo e o Congresso. O desalento só é deixado de lado quando o senador fala da mobilização popular como a sua derradeira esperança para mudar as atuais regras do jogo.
O senhor foi um dos maiores críticos do PT no governo. Que avaliação faz da administração da presidente Dilma?
Estou gostando muito, principalmente quando a presidente diz que não vai aceitar o toma lá dá cá. Esse é o grande fato novo na política. Ela já afastou ministros e tem mostrado que quer um entendimento, mas não aceita imposição.
O caso mais típico foi o do PR. Sete senadores do partido deixaram a base porque queriam e não conseguiram continuar mandando no Ministério dos Transportes. Nos governos anteriores, quando isso acontecia, o presidente capitulava. A Dilma quis mostrar que existe um novo método de governar. Isso levou a um choque com os comandos partidários e do Congresso, porque o troca-troca viciou: vota-se aqui, ganham-se as emendas, vota-se ali, nomeia-se o fulano.
O senhor acredita que a presidente vai acabar mesmo com o toma lá dá cá?
Não acredito. Pode até melhorar um pouco, mas acabar não. O que não pode mais, e a presidente está sinalizando nessa direção, é os caras colocarem interesses pessoais acima dos interesses da pátria e da sociedade. É difícil mudar essa prática de uma só vez.
Fazer isso exige mais jogo de cintura. A Dilma não pode ser durona, bater na mesa. Vejo-a dizendo que se entende muito com o presidente do Congresso, o senador Sarney. A primeira pessoa a quem ela deveria fazer um apelo é o Sarney. Ele indicou dois ministros do Maranhão. Onde está a racionalidade de ele e o PMDB , o meu partido, terem dois ministros do Maranhão?
Por que Sarney abriria mão de poder?
O Rui Barbosa é o nosso grande patrono no Senado, mas como político foi um homem de derrotas. Perdeu duas vezes a eleição para presidente da República e não tinha influência no governo.
Quem mandava e elegia presidentes era o (José Gomes) Pinheiro Machado (gaúcho e um dos mais influentes políticos da Primeira República, foi assassinado em 1915), de quem hoje ninguém fala. O Sarney está mais para Pinheiro Machado do que para Rui Barbosa. Vai acabar esquecido pela história.
O que o senhor achou da comparação entre a situação de Dilma e a do ex-presidente Collor?
Tem um lado que é correto. Ele, muito vaidoso, não ligou para o Congresso, não ligou para os empresários e não ligou para as Forças Armadas. Era o rei.
Mas não foi por isso que ele foi cassado. Foi cassado pelas bandalheiras que a gente encontrou. O tesoureiro da campanha pagava as contas dele, da mulher, os luxos da família — tudo com dinheiro roubado.
A Dilma não está valorizando muito o Congresso, mas não fez coisa errada.
O senhor elogia o governo e critica o ministério. Não é contraditório?
O ministério é fraco, um dos piores que já vi. Antes, colocavam-se no ministério os melhores nomes do Parlamento.
Hoje, o ministério consegue ser pior do que a média do Parlamento, que beira a mediocridade.
No esforço de eleger Dilma Rousseff presidente, valeu tudo. O Lula fez acordo aqui e ali, e houve uma despreocupação com relação à seleção dos nomes. Houve também irresponsabilidade dos partidos na indicação dos ministros.
O PMDB indicou um rapaz que tinha pago conta de motel com dinheiro público. Aliás, o PMDB não. Volta e meia se publica que a bancada do Senado exige algo para o ministério. Mentira. Nunca nos reunimos para escolher um cargo. Essa decisão foi tomada pelo presidente do Senado e pelo líder da bancada falando em nome de todo mundo.
Como o PMDB se transformou na marca do fisiologismo?
Deus me perdoe, mas é porque os bons homens se foram: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Miguel Arraes, Mario Covas.
Se esses tivessem ficado e outros tivessem morrido, o Brasil seria diferente. Se analisarmos no contexto do Congresso, ocorreu mais ou menos a mesma coisa.
Aquele pessoal que iniciou o PT está todo fora. Faz falta aquele PT que se comportava de maneira competente como oposição.
O partido hoje é de uma gente que não sei de onde veio. Aliás, oposição hoje também não existe mais, o que é muito ruim para o país.
Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Mario Covas, Miguel Arraes e Tancredo Neves
O senhor não está pessimista demais com o momento político?
Os poderes estão todos nivelados por baixo. O Judiciário, que sempre esteve em um nível bem superior, foi rebaixado nos últimos tempos a um patamar igual ao nosso, do Parlamento. É avaliado bem abaixo da presidente Dilma e igual ao Legislativo.
Nada o anima?
Há alguns sinais que me animam. Estou há cinquenta anos na vida pública e — tirando as lutas pelas Diretas Já e pela Anistia — não vi momento tão interessante como o que estamos vivendo agora.
O povo conseguiu sensibilizar e pressionar pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. Votamos porque o povão pressionou, entrou nas redes sociais e estava na rua. O Supremo votou porque a gurizada estava lá na porta.
Esse é um fato novo que muda tudo.
Por quê?
Um bando de gente já não vai poder ser candidato. O PMDB , por exemplo, está recomendando aos diretórios evitar indicar nomes com problemas com a Justiça.
É o primeiro passo para terminar com a maior maldição do Brasil, que é a impunidade.
Porque a maldita diferença entre nós e o mundo civilizado é que, quando o cara é condenado, aqui ele recorre à segunda, terceira, quarta, quinta, sexta instâncias, até o Supremo. Nesse espaço de tempo, o crime prescreve e ninguém é condenado.
Na Europa e nos Estados Unidos, se for condenado, vai para a cadeia. Pode recorrer, mas está na cadeia.
O que falta para que os avanços sociais que estamos experimentando cheguem à política?
Para derrubar a ditadura, avançamos quando a sociedade avançou. O mesmo aconteceu no impeachment. Ele só deu certo porque o Collor pediu ao povo para ir para a rua de verde e amarelo, e o povo foi de preto, de luto.
As grandes mudanças só ocorreram quando o povo participou.
Não se espere nada do Congresso, do Legislativo e do Executivo se o povo não estiver à frente.
Dois momentos: Diretas Já e Impeachment - "As grandes mudanças só ocorreram quando o povo participou"
Mas o Congresso não deveria exercer esse papel catalisador?
Eu trouxe um mar de gente para a vida pública: jornalistas intelectuais, membros de tribunal. Mas na última eleição não trouxe ninguém.
Estavam todos com nojo.
As pessoas estão se afastando da política. É aquilo que o doutor Ulysses dizia quando reclamavam da qualidade do Congresso: “Esperem para ver o próximo”. Estamos caminhando nesse sentido.
Com essa história do nosso amigo senador (Demóstenes Torres), estou recebendo um bolo de cartas e telefonemas dizendo que agora só falta eu. É o pessimismo das pessoas.
Eu botava as duas mãos no fogo pelo Demóstenes. Ele era um exemplo de competência parlamentar.
O senhor faz algum prognóstico sobre o destino político dele?
Com todo o respeito, se as coisas que estão aí se confirmarem, ele deve ir para casa. Se tudo isso for verdade, o senador é um excelente ator.
Mas tenho obrigação de esperar as explicações dele antes de qualquer julgamento. O fundamental é o Congresso sair ileso, o Senado mostrar transparência.
O Demóstenes está pedindo para analisarem, julgarem e fazerem o que tem de ser feito. Se as acusações forem provadas, não há outro caminho que não a renúncia ou a cassação.
Demóstenes Torres: "Eu punha as duas mãos no fogo por ele (...) Mas se as denúncias forem comprovadas, não há outro caminho a não ser a renúncia ou a cassação"
Por que o senhor diz que há um nivelamento por baixo das instituições?
As instituições foram vulgarizadas nos últimos anos, principalmente no governo do PT.
Todos os meses vocês fazem reportagens demonstrando casos de corrupção e não acontece nada.
O cara não é condenado e também não é absolvido. No Judiciário, surgem denúncias sobre juiz que vende sentença, outro que recebeu não sei o quê, e não acontece nada. Como vamos aceitar isso?
Aparece uma notícia como aquela do Fantástico, completa, indiscutível. Se não tomar cuidado, o diretor do hospital vai acabar demitido, e o jornalista vai para a cadeia, porque no Brasil termina assim.
O poder corrompe?
Parece que a tentação é grande. Eu vi o início do PT. Os caras andavam de pé descalço, caminhavam pelas ruas fazendo campanha em troca de nada, era um troço sensacional.
Nos oito anos do Fernando Henrique, o PT foi um baita de um partido na oposição, até exagerado.
Aí foi para o governo e ofereceu ao carinha de chinelo, que trabalhava feito doido em troca de comida, um cargo de 9 000 reais. Então apodreceu. O poder corrompe, sim.
O poder total corrompe totalmente. O PT desmontou, desapareceu. Se o Lula tivesse posto o Waldomiro Diniz na rua quando ele apareceu na televisão recebendo dinheiro do Carlinhos Cachoeira e tratando de porcentuais, não teria havido o mensalão.
Eu entrei com pedido de CPI, mas o Lula e o Sarney lutaram para não deixar criá-la. Fomos ao Supremo e depois de um ano ganhamos, mas era tarde.
Quem mudou mais, o PT ou o PMDB?
Eu diria que os dois ficaram muito parecidos — para pior. O PMDB deixou passar vários trens da história. O pior que aconteceu com o PMDB foi a maldade que o Tancredo fez conosco. Nosso acordo não previa a morte do Tancredo. Ele morre e deixa o Sarney.
Ali o nosso destino mudou. Tancredo presidente, todos os governadores, com exceção do de Sergipe, eram do PMDB , tínhamos a maioria na Câmara e no Senado. Era uma grande oportunidade. Com o negócio do Sarney, mudou tudo.
Já me convidaram até a sair do partido. Mandaram uma carta com muita elegância dizendo que se eu saísse seria numa boa, ninguém ia me pedir o cargo. Eu disse que não ia sair, porque eles estavam de intrusos e eu fundei o partido.
O senhor falou da queda da qualidade das instituições de maneira geral. Isso se aplica ao Supremo?
Eu não diria isso, mas lá também há indícios dessa vulgarização sobre a qual falei. O Lula nomeou para a corte um advogado dele e do PT na campanha. Esses fatos não são bons. Tem de haver mais rigor nessa seleção.
Esse ministro, o Dias Toffoli, com todo o respeito, não poderia ser nomeado. No processo de indicação dele, fui para a tribuna na hora e disse para o Lula adiar a sua escolha. Agora, descobre-se que ele teria uma namorada que atuou na defesa de um dos homens do mensalão, e ele mesmo trabalhava no governo junto a pessoas do mensalão.
E ele não se dá por suspeito? Isso não me passa pela cabeça.
Ministro Dias Toffoli: "Ele teria uma namorada que defendeu acusados do mensalão. E ele não se dá por suspeito? Isso não me passa pela cabeça" (Foto: Agência Brasil)
Qual será a importância do julgamento do mensalão para o Brasil?
Vital. O relator foi muito sério, muito competente. Faço um apelo a ele para ser o mais breve possível, porque temos de votar neste ano. Vai ser a coisa mais triste do mundo se prescrever e não for votado. Esse julgamento será o maior momento da história do Supremo.
Isso não quer dizer que tenha de condenar ou absolver, mas é preciso fazer um julgamento de gabarito, de peso, de seriedade. O importante é julgar.
Eu tenho convicção de que se vai julgar com a consciência e não tenho dúvida de que pelo Brasil inteiro as pessoas vão estar olhando.
Este é seu último mandato?
Em tese, sim. Não pretendo concorrer de novo. Na próxima eleição estarei com quase 85 anos e prefiro sair vivo a sair morto.
(Entrevista feita por Paulo Celso Pereira e publicada nas Páginas Amarelas da edição de VEJA que está nas bancas)
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