Policiais fazem checagem de documentos em estação de metrô Sandro Fernandes/Opera Mundi
Polícia controla passaportes em estações de metrô de Moscou, e posts na internet pedem que moscovitas digam não a mesquitas
“Moscou para os moscovitas!”. É com esse lema que os grupos nacionalistas da capital russa sempre criticaram a presença de não-locais na cidade. O discurso tido como radical se popularizou na última semana, como consequência dos recentes conflitos étnicos em Moscou.
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Na madrugada do dia 10 de outubro, o jovem russo Egor Shcherbakov, de 25 anos, foi morto a caminho de casa, depois de uma discussão na rua. Câmeras de segurança e o testemunho da namorada apontaram um estrangeiro como o culpado do crime. A suposição foi suficiente para levar mais de 3.000 pessoas no último domingo (13/10) às ruas de Biruliuvo, no sul de Moscou, para criticar a presença imigrante no bairro e pedir que o caso fosse resolvido.
Reprodução
Durante o protesto, misturados aos manifestantes, dezenas de jovens da extrema-direita nacionalista aproveitaram o momento para atacar um mercado de frutas e verduras, onde a maioria dos trabalhadores é da Ásia Central ou do norte do Cáucaso.
Nas redes sociais, vários vídeos e fotos anti-imigração circularam pela blogosfera russa. “Olhem como eles se comportam. Eu não acreditaria se não estivesse vendo”, comentou Vitya B., em um vídeo em que estrangeiros aparecem pulando a catraca do metrô. “Tenho vergonha de ser moscovita. Nem parece que estamos na Europa”, reclamou Aleksei Rodvenko, em uma postagem que mostrava milhares de muçulmanos em Moscou celebrando o Festival Kurban Bayram, na última terça-feira (15).
[Cartaz que circula na internet: “Moskvabad - diga não a mesquitas e escolas muçulmanas no seu bairro”]
Como a grande maioria dos residentes considerados indesejados professa a fé islâmica, a escalada anti-imigrante veio junto com um discurso anti-muçulmano. “Moskvabad - diga não a mesquitas e escolas muçulmanas no seu bairro”, reza um dos posts mais compartilhados. A cidade de Moscou, em russo, se chama “Moskva”, mas o grande número de muçulmanos residindo na capital levou à criação da expressão “Moskvabad”, em alusão ao sufixo “abad”, que significa “lugar” e é muito comum cidades da Ásia, como Islamabad e Ashgabad. A “brincadeira”, de claro tom racista, foi amplamente replicada esta semana nas redes sociais.
Controle de passaporte nas ruas de Moscou
Metrô Beliaevo, sul de Moscou, 5 da tarde de sexta-feira. A volta para casa e o fim de semana estão apenas começando, mas não para todos os 11 milhões de habitantes da capital russa. Diante da possível escalada dos conflitos étnicos, a polícia de Moscou decidiu agir aumentando o controle de documentação de migrantes nas ruas da cidade.
A estratégia é simples. Cinco ônibus são colocados exatamente na saída do metrô – dois em um lado da avenida e três, do outro. Na parte subterrânea, quatro policiais controlam quem passa por ali, parando aqueles considerados suspeitos. Dois outros patrulham a catraca. Sete aguardam os passageiros na plataforma da estação. Para ser considerado suspeito, basta ter aparência asiática ou do norte do Cáucaso. O “racial profiling” (parar ou procurar suspeitos com base na origem racial) é o método mais usado pelas autoridades da polícia russa.
A reportagem de Opera Mundi conversou com alguns imigrantes parados pela polícia russa. “Vivemos escondidos. Agora estamos com medo até mesmo de sair para comprar comida”, conta Rustam, na Rússia há três anos. “Nós trabalhamos por kopeki (centavos), construímos e limpamos a cidade e, quando um imigrante comete algum crime, acham que a culpa é de todos nós.”
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Ônibus ficam posicionados do lado de fora da estação Beliaevo, no sul de Moscou, para verificar documentação de imigrantes
Rustam saiu do Tajiquistão com o mesmo sonho de tantos outros imigrantes – poder dar uma vida melhor para a família. Tem dois filhos e ganhava o equivalente a 200 reais por mês. Em Moscou, trabalhando 14 horas por dia na construção civil e fazendo bicos de taxista à noite, Rustam consegue ganhar até dez vezes mais que isso.
“Apesar de tudo, ainda vale a pena. Faço isso para que meus filhos não tenham que fazer o mesmo. Eles vão vir a Moscou para estudar, para trabalhar em um banco”, conta o imigrante tajique.
Entrada de imigrantes: “ameaça”
Entre os russos, o tema não chega a ser uma controvérsia. Em pesquisa divulgada em junho pelo Centro de Estudos da Opinião Pública da Rússia (VTsIOM, na sigla em russo), 35% dos russos colocam a entrada de imigrantes como a principal ameaça do país, antes de problemas como corrupção, qualidade de vida ou terrorismo.
“Eles vêm pra cá e não respeitam nossas leis. Além disso, são perigosos. Moram todos apinhados em apartamentos, pagando pouquíssimo de aluguel e o dinheiro que ganham é enviado para o país deles”, conta Natasha Sokolova, de 35 anos, “mãe de três filhos”, como insiste. “Eles não pagam impostos. Nada do que ganham fica na Rússia”, diz a amiga Olga Bazanova, fazendo eco ao discurso de Natasha.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Policiais também ficam posicionados nas catracas da estação
“Não somos xenófobos. Queríamos que o governo nos ouvisse. O governo precisa de um plano para que venham de maneira legal e possam se integrar à sociedade. Estamos tendo problemas com eles (imigrantes). Não queremos que venham para cometer crimes”, completa a mãe de Natasha, tentando amenizar um pouco o discurso inflamado das jovens.
As estatísticas oficiais da Procuradoria Geral da Federação Russa, que podem ser consultadas por qualquer pessoa através da internet, mostram que, no ano passado, apenas 3,5% dos crimes no país foram cometidos por imigrantes. Em Moscou, este número chega a 21%. No entanto, analistas explicam que crimes administrativos também estão nestes dados. Por exemplo, não estar registrado em um endereço da cidade é considerado crime. Se contados apenas os ditos “crimes graves”, acredita-se que o percentual de crimes cometidos por imigrantes em Moscou seja de 15%, proporcional à presença estrangeira na cidade e desmistificando a ideia de que a violência seja maior entre este grupo.