Parte do "Escudo de Moscou"; eles se reúnem para "caçar" imigrantes sem documentos na capital russa
“Ultra-esquerdistas, anarquistas, antifascistas e pessoas com orientação sexual não tradicional” não participam, diz manual
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Sexta-feira, sete da noite: aproximadamente 20 jovens russos se encontram em frente ao metrô Skhodneskaia, no noroeste de Moscou. Poderia ser apenas um grupo de rapazes se preparando para a balada do fim de semana, mas estes russos têm uma missão: proteger a Rússia dos imigrantes sem documentos. A imprensa não demora a chegar. Jornalistas russos e estrangeiros foram avisados do evento. O grupo se chama “Escudo de Moscou” e organiza batidas policiais surpresas – juntamente com as autoridades – em edifícios onde supostamente residem imigrantes sem autorização de trabalho na Rússia.
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Qualquer um pode participar, menos “ultraesquerdistas, anarquistas, antifascistas e pessoas com orientação sexual não tradicional”, segundo o manual do movimento. ”A nossa juventude está acordando. Não queremos ficar em casa bebendo vodca. Queremos fazer algo para ajudar. Todos eles têm em média entre 18 e 25 anos. Poderiam estar bebendo e estão aqui limpando a cidade [de imigrantes]”, explica Aleksei Khudyakov, um dos responsáveis por falar com a imprensa.
O discurso antiálcool é repetido mais de uma vez. “Rússia sóbria!”, gritam os jovens. O “Escudo de Moscou” diz que atua porque cansou de esperar que a polícia faça algo para resolver o problema da imigração. Para estes jovens, os imigrantes não são vítimas de um sistema que explora a mão-de-obra estrangeira nem da falta de política de imigração da Rússia. Para eles, os imigrantes são a raiz do problema. E decidiram combater o problema com as próprias mãos.
“Nós não agredimos ninguém. Nem mesmo tocamos em nada nas ‘casas’ dos imigrantes. A gente recebe informação de outros cidadãos, avisamos à polícia onde moram os ilegais e vamos juntos para assegurar que quem está ilegal vai ser detido”, conta Andrei Kuzmin, um dos líderes do grupo.
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O grupo "Escudo de Moscou" durante uma batida em um edifício onde supostamente residem imigrantes não documentados
O movimento “Escudo de Moscou” não está sozinho na “luta” anti-imigrante. Recentemente, a imprensa russa noticiou um grupo de taxistas locais que se passam por passageiros para encontrar taxistas estrangeiros que não estejam registrados em Moscou ou não tenham permissão de trabalho na Rússia. Quando encontram estes taxistas – tarefa simples – avisam a outros colegas através de códigos e estes chamam a polícia.
De acordo com um informe publicado no ano passado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Rússia abriga a maior quantidade de imigrantes em situação ilegal do mundo, com 3,5 milhões de pessoas nestas condições, o que representa 7% do número de trabalhadores do país.
Moscou: um país dentro de um país
Capitais de países geralmente se diferem de cidades secundárias porque conseguem concentrar as mais diferentes facetas (e problemas) de um determinado Estado. Na Rússia não seria diferente. Moscou já é conhecida entre os russos como “um país dentro de um país”, por ser não ser tão parecida com o restante da Rússia. “Você conhece Moscou? Ótimo. Quando vai visitar a Rússia?”, brincam sempre com turistas.
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Quando o assunto é imigração, Moscou apresenta um território fértil para o crescimento de ideias conservadoras e populistas. Entre os moscovitas, pelo menos 74% declararam, em uma pesquisa que o islamismo apresenta uma ameaça à cultura russa e à estabilidade social do país. Na mostra de toda a Rússia, 60% dos entrevistados sentem esta ameaça. Além disso, 64% dos moscovitas acham que os russos étnicos (eslavos) devem ter uma posição de liderança no Estado. Entre os entrevistados em todo o país, este percentual é de 47%.
Apesar da maior renda e maior nível educacional da população de Moscou, as ideias nacionalistas na capital são mais populares do que no restante do país.
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Documentos são verificados pelo "Escudo de Moscou"; eles acompanham a polícia nas batidas
Em maio, o prefeito de Moscou, Sergei Sobianin, disse a um jornal local que “Moscou é uma cidade russa e deve permancer como tal. Não é chinesa, nem tajique, nem uzbeque”. Segundo ele, “pessoas que falam russo mal e que têm uma cultura diferente estão melhores vivendo em seu próprio país”.
Sobyanin é apoiado pelo presidente Vladimir Putin, mas o discurso anti-imigração não é exclusivo dos governistas. O principal líder da oposição russa, Aleksei Navalny, que chegou em segundo lugar na corrida pela prefeitura de Moscou, no início de setembro, já declarou simpatia aos objetivos de grupos nacionalistas russos, como o Movimento Contra Imigração Ilegal (DPNI, em russo), proibido no país durante dois anos por “incitar a hostilidade nacional”. Navalny disse recentemente em entrevista à uma rádio russa que “50% dos crimes em Moscou são cometidos por estrangeiros”. Os números oficiais apontam que 15% dos crimes graves da capital russa são cometidos por não locais.
“Pantera branca na Jamaica”
Sandro Fernandes/Opera Mundi
A elite intelectual russa também não parece se envergonhar de pensamentos nacionalistas. “Eu vejo rostos asiáticos com pele escura e eu me sinto como uma pantera branca na Jamaica, rodeada de escravos com outra língua e cultura”, escreveu a aclamada jornalista Yulia Latnyna no respeitado jornal de oposição Novaya Gazeta. Para Latnyna, a solução para o problema é “enviar para casa todos os trabalhadores migrantes que estejam em trabalho escravo”.
[Não agredimos ninguém, afirma Andrei Kuzmin, um dos líderes do grupo]
Para Nikita Mkrtchyan, do Instituto de Demografia da Higher School of Economics de Moscou, “migrantes legais são menos vantajosos para os empresários e para o Estado do que os sem documentos”. Segundo ele, a única maneira de resolver o problema seria punindo o empresariado que usa a mão-de-obra estrangeira.
Em entrevista a Opera Mundi, Dmitri Poletaiev, do Centro de Pesquisas sobre Migração, afirma que, além da falta de uma política de imigração do governo russo, há um choque cultural normal entre os locais e os migrantes que chegaram nos últmos anos. Segundo ele, os migrantes agora vêm também da zona rural e têm uma cultura completamente diferente. “Os moscovitas não estão felizes com estes novos hábitos que as pessoas trazem. Alguns poucos empresários e chefes de máfia enriquecem com estes migrantes, que são o lado mais vulnerável, e a população sofre a consequência da falta de um planejamento."
Osvaldo Aires Bade
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