15/01/2014 às 4:02
As palavras são fortes, sim, mas, infelizmente, as coisas precisam ser classificadas segundo aquilo que são. A Prefeitura de São Paulo deu início a um programa que me parece moral, filosófica e tecnicamente criminoso de suposto combate ao crack. Por que “suposto”? De fato, a gestão do petista Fernando Haddad deu início, nesta terça, ao financiamento público do consumo de crack. Agora é para valer: está criada a “Bolsa Crack”. E, como sempre, os que trabalham, os que levam uma “vida careta”, passarão a financiar o consumo dos viciados, que não terão nem mesmo de se submeter a tratamento para receber salário, comida e moradia gratuitas. A cidade de São Paulo se torna, assim, o paraíso dos traficantes e continuará a ser o inferno dos dependentes — mas, agora, em fase de estatização. É isto: a sede estatizante do PT chegou ao crack. O presidente do Uruguai, José Mujica, é um doidivanas, mas é intelectualmente mais honesto.
A primeira grande impostura
Vamos ver o que a Prefeitura decidiu fazer e analisar as medidas no detalhe. OJornal Nacional levou ao ar nesta terça uma reportagem bastante favorável ao programa da Prefeitura. Faz sentido. A emissora está ligada a grupos e entidades que defendem a descriminação das drogas e se opõem à internação de viciados. Já escrevi posts a respeito. Ok. As pessoas e as emissoras são livres pra ter as suas crenças.
Mas não estão livres dos fatos. O texto do Jornal Nacional começou assim:
“A cidade de São Paulo começou, nesta terça-feira (14), mais uma tentativa de combater o consumo de crack. Dependentes químicos vão ganhar hospedagem, alimentação e emprego.
Os barracos de madeira e lona na região da Cracolândia começaram a ser desmontados durante a tarde. Uma nova tentativa de acabar com a Cracolândia, que concentra dependentes de crack no centro da cidade. A partir de agora, 300 vão receber ajuda desse novo programa.”
Epa! Se o objetivo, como se anuncia acima, é “acabar com a Cracolândia”, então é preciso apontar a primeira impostura: o público volante da região é de… DUAS MIL PESSOAS, NÃO DE 300. Se o programa, então, pretende extinguir a Cracolândia oferecendo emprego, comida e moradia a 300 viciados, cumpre perguntar o que pretende fazer com os outros… 1.700! Uma coisa, pois, é a convicção, a escolha ideológica ou sei lá como chamar. E outra pode ser a verdade. Assim, a primeira grande mentira do programa está no seu alcance. Vai atingir apenas 15% dos frequentadores da área.
E que publico é esse?
A segunda grande impostura
Justamente aquele que passou a construir barracos em pleno logradouro público, no chamado quadrilátero da Luz, nas ruas Helvétia e Dino Bueno e Alameda Cleveland. O leitor de outras cidades e estados talvez não saiba. Com a chegada do PT ao poder na cidade e a determinação da Prefeitura de não mais “reprimir” o consumo de drogas, os viciados voltaram a ocupar hotéis caindo aos pedaços, casas abandonadas, praças e calçadas. E deram início à construção de uma “favela do crack” nas ruas, como se pode ver na foto abaixo.
O programa que agora tem início, pois, busca atender apenas esses viciados. Assim, está para ser provada a tese do Jornal Nacional de que se trata de, como é mesmo?, “uma nova tentativa de acabar com a Cracolândia”. Não! A Prefeitura está tentando é acabar — e ela logo vai voltar, já digo por quê — com a favela do crack que surgiu logo nos primeiros meses da gestão Fernando Haddad.
Não há programa nenhum para as centenas de pessoas que se concentram na praça Sagrado Coração de Jesus. Aliás, até a Guarda Municipal saiu de lá. Agora, aquela praça é dos viciados e traficantes como o céu é do condor.
Ao Jornal Nacional, José de Filippi Junior, secretário municipal de Saúde, afirmou, num tom quase carnavalesco: “O tratamento é pra que essa pessoa reconstrua sua vida. Reconstrua a vida dela e possa ver que ela pode ser feliz. Que possa buscar no trabalho, no emprego, a reestruturação dos amigos, da família e a saúde. Acho que é um passo importante pra isso, buscar o seu bem-estar integral”. É preciso ter estômago forte. De que TRATAMENTO este senhor está falando?
A terceira grande impostura
E como é que se decidiu pôr fim à favela? Ora, premiando com emprego, salário, comida e moradia gratuitas aqueles que decidiram criá-la. Eles foram cadastrados e “convencidos” a deixar os seus barracos. Em troca, terão de trabalhar apenas quatro horas por dia na conservação de logradouros públicos, além de dedicar duas horas a cursos de qualificação. Mas essa segunda parte não é obrigatória. Receberão, a cada dia, R$ 15 — ao fim do mês, note-se, o benefício será maior do que a maioria do que paga, per capita, o Bolsa Família: como sábados e domingos são remunerados, serão R$ 450 mensais. Ser viciado, em São Paulo e no Brasil, é moralmente superior a ser apenas pobre. Entenderam?
A coisa não para por aí. Os viciados do Bolsa Crack de Fernando Haddad terão vantagens que os beneficiários do Bolsa Família não têm: vão morar de graça em hotéis do Centro especialmente preparados para isso, e terão direito a três refeições por dia. A forma de pagamento é a “semanada”: a cada semana, o dinheiro será depositado numa conta, a ser movimentada com um cartão.
Ao todo, o beneficiário terá de dedicar apenas quatro horas do seu dia ao “programa” — que poderão ser seis caso faça o curso. Se começar, sei lá, às 9h, já estará livre às 15h. Pra quê? É uma boa pergunta. Ora, se os que decidiram criar a “favela do crack” receberam como recompensa emprego, salário, casa e comida, o que impede outros de recorrerem aos mesmos métodos para ter benefícios idênticos? Cada um deles custará R$ 1.086 à Prefeitura. O programa do governo do Estado paga, sim, para os que participam do programa Recomeço. Mas eles são obrigados a se tratar, e o pagamento é feito à comunidade terapêutica, não ao viciado.
A quarta grande impostura
O aspecto mais deletério — e eticamente asqueroso — do programa de Haddad é que os viciados não serão obrigados a se tratar. No Jornal Nacional, Luciana Temer, secretária de Assistência Social, dizia orgulhosa: “Foi absolutamente voluntário. Quem quer participar, quem não quer participar. É um grande desafio, mas é um caminho que estamos buscando”.
Isso tudo é música — macabra! — para os ouvidos do que chamo de “militantes da cultura da droga”. No Brasil e em várias partes do mundo, considera-se, no fim das contas, que consumir tais substâncias é uma questão de escolha e de direito individual. Posso até flertar com essa ideia; aceito discuti-la. O que me pergunto, então, é por que a sociedade tem de arcar com as consequências e com os custos quando, digamos, algo dá errado?
Se estamos tratando de uma escolha individual, que cada um faça a sua! Mas não pode morar no logradouro público. Não pode receber um salário por isso. Não pode comer de graça por isso. Não pode morar de graça por isso. Se, no entanto, o estado tiver de arcar com as consequências, então ele tem o direito de fazer exigências.
A quinta grande impostura
Pesquisem, conversem com especialistas. Crack não é maconha. Crack não é cocaína. Crack não é, se quiserem, cigarro, analgésico ou diazepínico, para citar drogas legais. A possibilidade de um viciado deixar a droga sem ajuda médica — e o concurso de alguns fármacos — é praticamente nula. Mais: não existe uma forma, digamos, minimamente digna de conviver com o consumo da pedra. Ela rouba a vontade, os valores, a ética, a moral, tudo.
Tenho lido bastante a respeito. Estudos empíricos, especialmente ligados à área da psicologia comportamental, indicam que a remuneração — em dinheiro mesmo — pode ter um papel importante no tratamento de um viciado. Mas atenção! Para que a tática funcione, são necessárias precondições que absolutamente não estão dadas no caso.
Terapeutas e psiquiatras têm obtido respostas positivas quando passam a remunerar viciados em troca da abstinência. Trabalha-se com a ideia da recompensa — a punição, no caso, é só a cessação do benefício. A cada vez que cumpre etapas de uma sequência de desafios — que incluirão, no seu devido tempo, a abstinência —, é remunerado por isso. Se falha, então não recebe. Mas atenção! Isso se faz em situações de absoluto controle. É preciso que o paciente seja rigorosamente acompanhado. Para começo de conversa, ele tem de estar ancorado numa estrutura familiar ou similar — uma comunidade terapêutica, por exemplo. Não pode respirar um ambiente em que a droga é dominante.
O programa de Haddad fornecerá a dependentes químicos que já romperam laços familiares e de amizade fora do mundo das drogas conforto, comida e dinheiro SEM EXIGIR DELES NADA EM TROCA. De resto, os consumidores da Cracolândia têm renda. Fazem bicos, trabalham como catadores, praticam pequenos furtos… Há pessoas que chegam a consumir mais de R$ 50 por dia em pedras. O dinheiro que Haddad vai lhes fornecer, assim, atuará como uma renda suplementar. Não há um só especialista em dependência química com um mínimo de seriedade que possa endossar isso.
A sexta grande impostura
Atentem agora para uma questão de lógica elementar. Se o programa não exige que o beneficiário faça tratamento contra dependência química, pouco importa, pois, para a Prefeitura se ele consome crack ou não, certo? Está, no fim das contas, ganhando salário, moradia e comida porque resolveu criar uma favela no logradouro público.
Estão dadas as condições para que os chamados movimentos de sem-teto comecem a reconstruir a favela dentro de alguns dias — sejam viciados ou não. Ora, se Haddad oferece benefícios sem nenhuma condicionalidade, por que não atender, então, eventuais pessoas que, não tendo teto, também não consumam drogas? O prefeito não seria perverso a ponto de exigir que as pessoas se tornem viciadas para poder receber o agrado, certo?
A sétima grande impostura
Na campanha eleitoral, o então candidato do PT prometeu um programa de fôlego contra o crack, em parceria com a presidente Dilma Rousseff. Agora vemos o que o homem tinha em mente. Não se enganem: essa história do tratamento volitivo, do “procura ajuda quem quer”, é, no fim das contas, economia de dinheiro. É EVIDENTE QUE É MUITO MAIS BARATO FINANCIAR O VÍCIO DO QUE FINANCIAR A CURA, COMO TENTA FAZER O GOVERNO DO ESTADO.
Os vigaristas intelectuais no Brasil chamam a essa porcaria de “política de redução de danos”. Pesquisem. A redução de danos — embora eu não a aprove — é outra coisa. O programa da Prefeitura de São Paulo é só uma forma de financiar os viciados para poder desmontar uma favela que já havia se tornado símbolo da gestão Haddad. E que tende a voltar.
Concluindo
No projeto original, não sei se a medida será implementada, os dependentes também teriam direito a… andar de graça nos ônibus — não estou brincando. Vai ver é uma forma de tentar espalhar os viciados cidade afora, sei lá… Já houve quem sugerisse que eles tivessem prioridade em programas de moradia. A cultura de glorificação das drogas é capaz das piores bizarrices.
Não há prazo para os beneficiários deixarem os hotéis. Isso quer dizer o óbvio: não sairão nunca mais. Um tipo de programa como esse, uma vez criado, fica para sempre. E a demanda só irá aumentar. A tendência é que viciados de várias outras partes do estado e do Brasil procurem a cidade de São Paulo. A lógica é econômica. O Centro de São Paulo está para sempre condenado. Esqueçam qualquer processo de revitalização. Nunca mais acontecerá. O PT entregou, para sempre, uma área da cidade ao consumo e, por óbvio, ao tráfico de drogas.
Com um ano de gestão, Haddad já consolidou parte de sua herança maldita. Aguardem: ele ainda tem muitas outras ideias na cabeça.