A cobertura que a imprensa ocidental fez da morte de Hugo Chávez, a nossa também — e vocês conhecem as exceções —, foi asquerosa. Mais uma vez se voltou àquela fraude moral e intelectual que consiste em opor como termos ou permutáveis ou mutuamente compensáveis a ditadura e a melhoria das condições de vida da população. Assim, não estava claro se alguns coleguinhas consideravam que “Chávez era um ditador, mas melhorou a vida dos mais pobres” ou se “Chávez melhorou a vida dos mais pobres, mas era um ditador”. O sujeito que diz a primeira frase é só um admirador ainda envergonhado de ditaduras. Um dia perde a vergonha e solta a louca chavista que existe em seu interior. O segundo é só um crítico envergonhado de ditaduras. Teme que a patrulha de vagabundos o tome por reacionário, então fica com essas adversativas compensatórias, com receio de dizer claramente que ditadura, como método de governo, é injustificável e ponto final.
O primeiro tipo é, sem dúvida, mais asqueroso, de convivência impossível, com quem não se pode partilhar nem mesmo um café. O segundo já passa por boa-praça; é, na verdade, até bem-intencionado. Mas é também inútil para a causa democrática. Tenho, em verdade, mais desprezo intelectual pelo segundo do que pelo primeiro. Aquele que, sabendo mais e tendo mais clareza do processo, condescende com regimes de força e acaba se esforçando para buscar neles alguma virtude é pior do que o idiota que nem sabe direito o nome do que defende.
É por isso que, entre certos bananas e oportunistas, este escriba ficou com a fama ou de “exagerado” ou de “radical demais”. Radical em quê? Na defesa da democracia, na defesa da pluralidade, na disposição de chamar ditadura de “ditadura”, mesmo quando vem com o embrulho da consulta democrática? A grande desgraça, a grande porcaria, também no nosso jornalismo, é que ele está de tal sorte contaminado pelo pensamento politicamente correto que alguns tontos nem se dão mais conta do que escrevem. Já volto à Venezuela. Antes, algumas outras considerações.
Vimos a imprensa brasileira espalhar, por exemplo, a calúnia asquerosa do jornalista Horacio Verbitsky, um palhaço do kirchnerismo, contra o papa Francisco. Ele não tem nenhuma evidência, prova ou indício de que o agora Sumo Pontífice colaborou com a repressão. Há não mais do que a impressão e o achismo de um jesuíta então preso. Ao contrário: o que está devidamente evidenciado é que o Jorge Bergoglio atuou para tentar libertar alguns encarcerados. E isso ensejava contatos com a cúpula militar — o mesmo aconteceu no Brasil. Muito bem! A esmagadora maioria dos veículos que tratou do assunto omitiu o fato — NOTEM: É FATO, NÃO BOATO — de que Verbitsky foi um terrorista montonero. Um pouco de honestidade intelectual lhe resta: admite o fato — até porque não teria como negá-lo. Foi apresentado como “próximo” da Cristina Kirchner, a Louca da Casa Rosada. Errado! É um propagandista do governo, do regime. Mais do que isso: é um assessor informal da presidente que persegue abertamente a imprensa.
Mas quê… O suposto passado colaboracionista do agora papa é exposto, ainda que a informação seja atribuída a Verbitsky, mas sobre o passado do próprio jornalista, nada! Que critério é esse? Então a vida pregressa do terrorista e o presente do áulico têm de ser escondidos dos leitores, dos internautas? O que aconteceu com os editores de alguns grandes veículos? Passam o dia tomando café, pensando na morte da bezerra, administrando borderôs? Estou cobrando apenas apreço aos fatos. Por que é assim? Só pode ser porque, no fim das contas, se considera que ser montonero era estar “do lado certo da batalha”. A explicação alternativa é a burrice pura e simples. Mas, como sempre se é burro de um lado só, considero que é método demais para tão pouca inteligência. A burrice metódica vira uma escolha ideológica — além de ser uma sabotagem aos interesses do leitor, do telespectador, do ouvinte, do internauta.
O mesmo se dá com a cobertura, que já ultrapassou o limite da baixaria, da pressão contra o deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Duvido que alguém faça a ele mais restrições de natureza intelectual, política e até bíblicas do que eu. Não penso o que ele pensa. Não comungo de suas ideias. Mas é uma barbaridade, um acinte ao bom senso, uma ofensa aos fatos, afirmar que ele foi racista ou homofóbico em suas declarações. A acuação de racismo consegue ser a mais exótica. E se ele tivesse certado na referência bíblica e se referido aos cananeus, descendentes de Canaã, amaldiçoado por Noé? Quem deveria estar acusando o pastor de “racista”? Santo Deus! A mãe deste senhor é negra. Ele próprio é negro segundo os critérios dos racialistas. Seria contemplado pela lei das cotas que esses ditos “progressistas” defendem.
Lamento! A cobertura de certa imprensa lembra uma matilha hidrófoba. Do que é mesmo que acusam o deputado? De intolerante? Por isso não o deixam falar? De agressivo? Por isso não aceitam seu pedido de desculpas? De resto, se a Comissão existe apenas para homologar as reivindicações dos grupos militantes, que seja dada, então, por extinta e as matérias aprovadas sem exame. Esse tipo de procedimento emburrece gerações. Não são poucos os veículos de comunicação que estão abrindo mão, de forma clara e lastimável, da pluralidade e até do direito de defesa. EU SEMPRE SOU MUITO CLARO E MUITO DURO COM O PENSAMENTO QUE REPUDIO. MAS JAMAIS ATRIBUO, MESMO À PESSOA MAIS DETESTÁVEL, O QUE ELA NÃO FEZ OU DISSE. SE DETESTÁVEL MESMO, CERTAMENTE ENCONTRAREI RAZÕES PARA CONTESTÁ-LA POR AQUILO QUE FEZ E DISSE. “Ah, é que você pega leve com os evangélicos.” Pego? Perguntem a Edir Macedo.
Não é assim, não! Há uma perda quase generalizada de referências. Este blog existe porque a Internet está aí. Mas a imprensa não pode ser mera caudatária desse processo, até porque, há muito tempo, também as redes sociais não são livres. Estão sendo monitoradas por grupos organizados, por difamadores profissionais, por militantes a soldo. O que entendemos por democracia? É a força de quem grita mais? Ninguém precisa testar a sua tolerância com pessoas com as quais concorda, não é mesmo?
Quais são, no fim das contas, os valores que orientam esse jornalismo?
Volto à Venezuela
Sempre fico muito irritado quando leio um tonto ou outro a afirmar que, afinal, a Venezuela não pode ser considerada uma ditadura porque há oposição, porque funciona um Parlamento, porque há eleições… Bem, então não houve ditadura militar no Brasil. Simples assim. Não houve???
Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus, resolveu voltar a seu passado de “trabalhador”. Afinal, o marqueteiro de Lula e Dilma, João Santana, está lá e é seu orientador. Conduziu pessoalmente um grupo de eleitores para uma solenidade de entrega de 352 casas. Também estreou num programa de televisão. A oposição, evidentemente, não tem acesso à TV e não pode participar da entrega de prebendas. “Quase ditadura”? “Democracia diferente?” Não! A Venezuela é uma ditadura, e são, portanto, delinquências políticas estas duas frases:
“Chávez era um ditador, mas melhorou a vida dos mais pobres”;
“Chávez melhorou a vida dos mais pobres, mas era um ditador”.
Até porque essa melhoria consistiu na distribuição de alguns caraminguás do petróleo. Cobrou um preço por isso: o controle do Legislativo, o controle do Judiciário, o fim da imprensa livre — décadas serão necessárias para recuperar o país desse desastre. “E as elites antigas, que nunca distribuíram nem os caraminguás?”, poderá indagar alguém. Sua estupidez não justifica a miséria política a que o ditador conduzir o país.
Encerro assim
Em matéria de defesa da democracia, só um ponto de vista é moral: o extremista.