segunda-feira, 15 de abril de 2013

O BRILHO DOS DIAS DA GLÓRIA JUDAICA DE BALTIMORE

Por Jennifer Moses- The New York Times News Service/Syndicate

O brilho dos dias da glória judaica de Baltimore



Eu cresci ouvindo histórias sobre os dias de glória da Baltimore judaica ‒ quando, segundo dizia meu pai, os judeus eram judeus de verdade. Ele contava como ia para o 'shul', ou sinagoga, com o pai e os tios, e via homens e mulheres em suas melhores roupas do sabá caminhando depois da cerimônia, ou sentados, maravilhados, enquanto o grande cantor Abba Yosef Weisgal gritava ao céu sob o teto da Congregação Chizuk Amuno, em Reservoir Hill, bairro em que meus antepassados moravam.

Quando eu e meus irmãos viemos ao mundo, porém, no final dos anos 50 e início dos anos 60, tudo isso já tinha mudado. O bairro elegante 'do centro' das lembranças do meu pai há muito já era decadente e comparecer ao culto dos Dias Santos em Chizuk Amuno era observar uma congregação com os dias contados, pois a comunidade começava a se mudar para os subúrbios.

Felizmente a Baltimore judaica está ressurgindo, e não só nos subúrbios. Num dia frio de fevereiro, quando saí para conferir os cenários das histórias do meu pai, acabei num lugar onde a perseverança, a preservação e a memória conspiraram para manter vivo aquele mundo desaparecido.

E parece que não fui a única a descobri-lo: o Museu Judaico de Maryland recebe cerca de sete mil crianças em excursões escolares por ano, sem mencionar os milhares de adultos curiosos. Situado entre a histórica sinagoga da Lloyd Street e sua antiga concorrente, a B'nai Israel, o complexo inteiro é um tributo ao passado. O próprio bairro de East Baltimore não só era a primeira parada dos judeus alemães que chegavam ao país, como também foi, de 1830 até por volta de 1920, um reduto de imigrantes que ficou conhecido como Jewtown. O que a Orchard Street foi para o Lower East Side, a Lombard Street foi para a East Baltimore judaica: quarteirões tão lotados de gente procurando de tudo, desde farinhas e grãos a legumes e verduras e aves, que só pensar em caminhar por ali já exigia uma boa dose de 'chutzpah' (coragem). Na rua havia 'cheders' (escolas primárias judaicas, geralmente só para meninos), Talmud Torás (escolas religiosas), cortiços lotados, banheiros públicos e sarjetas onde corria o sangue fresco dos animais abatidos no mercado kosher. Era ali que viviam não só os imigrantes judeus, mas os italianos e negros. Banho era luxo, iídiche era a língua da pechinha e um dos trechos era conhecido como Corned Beef Row (Fileira da Carne Curada).







Pois o que ela uma fila virou apenas duas delicatessens, Weiss e Attman's ‒ que abriu em 1915, ainda pertence à mesma família e continua servindo sanduíches gigantescos de carne curada com molho russo e um pratinho de salada, além de tudo que engorda, é salgado e gostoso. Embora não seja mais kosher, as paredes denunciam seu passado nas fotos de gerações de 'machers' (figurões) de Baltimore. Bem depois da hora do almoço, o lugar continuava lotado.

Entretanto, a verdadeira história não estava na sopa de bolinhas de matzá, mas no museu que, ao recriar salas inteiras, conversas gravadas, cenas urbanas, objetos de uso cotidiano e fotos, relata um século de vida do bairro que, na verdade, foi batizado de Jonestown por causa do Jones Falls ali perto, mas que ainda hoje é conhecido como Jewtown. O que mais me abalou foram as recriações de fotos das confecções ‒ primeiro em locais de condições precárias e depois nas fábricas ‒ porque foi em locais parecidos que meus tataravós, cujos retratos hoje estão na minha sala de jantar, começaram a vida. Depois, conseguiram sair do bairro e se mudar para Eutaw Place, no norte da cidade, muito mais luxuoso e 'projetado com base no Champs-Elysées', segundo a descrição. Foi essa geração de membros da comunidade germânico-judaica em ascensão que acabou fundando a Aliança Educacional Judaica, escolas noturnas que ajudaram principalmente os imigrantes russos, e a Associação Hebraica de Moços, a 'Y'. Não só suas histórias foram recontadas aqui, como também as das ondas de imigrantes que vieram depois.

Se você é daqueles que se interessa por arquitetura, deve visitar o prédio ao lado, a Sinagoga da Lloyd Street, projetada por Robert Carey Long Jr e construída em 1845 com uma bela e discreta fachada no melhor estilo renascentista grego. Terceira mais antiga dos EUA, segundo o Museu Judaico, a Sinagoga da Lloyd Street funciona hoje mais como parte do museu, com exposições no porão, além de ser palco de duas miniescavações arqueológicas: a primeira revelou os fornos originais que garantiam que as matzás consumidas durante o Pessach estivessem de acordo com os rígidos padrões kosher; a segunda, um dos 'mikvahs' (banhos rituais) mais antigos do país, de meados da década de 1840. Foi ali que seu primeiro rabino, Abraham Rice, fez o sermão em alemão do 'bimah' (púlpito) montado no meio e não no extremo do salão, como era o costume nas sinagogas europeias.







Nos idos de 1870, porém, começou a crescer o desentendimento entre os fundadores da sinagoga, ortodoxos falantes do alemão (incluindo meus antepassados) e os mais novos, que forçavam a modernização dos rituais de acordo com as ideias liberais que vinham da Alemanha. Os conservadores acabaram se mudando e construindo uma nova sinagoga, a Chizuk Amuno, quase no fim da quadra. É esse prédio – o original renascentista mouro, inaugurado em 1876, com um dos primeiros rabinos nascidos nos EUA, o Dr. Henry Schneeberger, à sua frente – que continua a funcionar como sinagoga ortodoxa moderna, hoje B'nai Israel.




Já no térreo, o visitante se depara com uma sala aconchegante, cheia de livros e placas, mas é no andar superior, no santuário, que reina a glória: duas fileiras de assentos (com galeria para as mulheres), um 'bimah' elevado ao centro, as lamparinas a gás originais (convertidas à eletricidade), uma belíssima 'oren kodesh' (arca) entalhada, em estilo mouro, com detalhes de folhas de palmeiras e dourado e, sobre ela, o Decálogo Hebreu, as tábuas dos Dez Mandamentos, como se dissessem: 'Estamos aqui e aqui vamos ficar'.


Havia dezenas de outras sinagogas em East Baltimore, é claro, e algumas ainda estão de pé, incluindo a Adath Israel, na East Baltimore Street, e a Adath B'nei Israel, uma construção de tijolos vermelhos que poderia perfeitamente passar por uma casa comum, também na East Baltimore Street e atualmente usada como igreja.

A boa notícia é que, graças a um êxodo discreto e pequeno, mas real, os judeus estão retornando à cidade. Segundo o rabino Etan Mintz, da B'nai Israel, foram cinco mil só nos últimos dois ou três anos ‒ tanto é verdade que seu próprio templo e um novo, recém-inaugurado, do Centro Comunitário Judaico, ficam cheios o ano inteiro.


O velho centro (que virou um prédio de apartamentos) fica no centro, entre o bairro velho e o novo reduto germânico-judaico ao sul de Druid Hill Park, para onde meus ancestrais se mudaram nos idos de 1890. Embora há muito tenha sido dividida em dois apartamentos separados, a casa dos meus tataravós, no 1826 da Eutaw Place, está igualzinha ao que se vê nas fotos ‒ assim como a maioria das casas desse bairro 'chique' que era o centro da vida da Baltimore judaica na década de 30. Aqui também é o que meu pai chama de 'shul da família', o mesmo prédio da Chizuk Amuno (hoje a revigorada Beth Am) para onde eu ia arrastada quando criança, com sua beleza austera original e vitrais rosa e azuis intactos. O mesmo se diz da Sinagoga de Eutaw Place (1892), como seus domos altíssimos, reminiscentes da Grande Sinagoga de Florença, mantida hoje pelos maçons. A algumas quadras dali, na Liberty Heights Avenue, fica o Shaarei Tfiloh, famoso pelos vitrais e pelo domo de bronze.








Comecei essa jornada para conhecer o mundo dos meus ancestrais ‒ e acabei no cemitério Hebraico de Baltimore para fazer uma homenagem às suas vidas. Era fim do inverno e as grandes árvores ao meu redor estavam nuas e a grama, seca e esparsa; os sons do trânsito, vindos do outro lado do muro, pareciam pertencer a outro tempo.

Depois de colocar pedras pequenas nos túmulos dos meus antepassados, como manda a tradição, caminhei pelo que parecia ser a parte mais antiga do cemitério, no lado sudeste. Ali, as lápides se curvavam umas em direção às outras como que procurando conforto, as inscrições em hebraico apagadas. Que vidas teriam sido aquelas? Que dificuldades enfrentaram? Que sonhos tiveram?

Se você for

Museu Judaico de Maryland, 15 Lloyd St.; jhsm.org. Ingresso para não membros: US$ 8.

Congregação B'nai Israel, 27 Lloyd St.; bnaiisraelcongregation.org.

Beth Am, 2501 Eutaw Place; bethambaltimore.org.

Sinagoga Eutaw Place, 1307 Eutaw Place.

Sinagoga Shaarei Tfiloh, 2001 Liberty Heights Ave.

Cemitério Hebraico de Baltimore, 2100 Belair Road.

Attman's Deli, 1019 East Lombard St.; attmansdeli.com.

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