sábado, 7 de fevereiro de 2015

Uma crítica irônica ao racismo europeu em "Charleston Parade" - por um esquerdista.


 sexta-feira, fevereiro 06, 2015  Wilson Roberto Vieira Ferreira 

Estamos em 2028. A Europa foi arrasada por uma guerra mundial e Paris está em ruínas com poucos sobreviventes. Um explorador desce numa esfera voadora e descobre um dos sobreviventes. Ela é uma mulher selvagem que, com seu gorila de estimação, dança nas ruas um ritmo estranho chamado Charleston. Esse explorador é negro e vem da África que se tornou o centro da civilização, enquanto a Europa branca tornou-se arruinada e selvagem. Estamos falando de algum filme distópico atual? Não, esse é um estranho e irônico curta de ficção científica francês de 1927 “Charleston Parade” (Sur Un Air De Charleston) de Jean Renoir, filho do famoso pintor impressionista. O curta é uma engraçada crítica politicamente incorreta ao racismo e colonialismo europeu. A produção tornou-se obscura e esquecida pelas diversas coletâneas do diretor. Mas o “Cinegnose” descobriu e mostra para os leitores.

Filho do pintor impressionista francês Pierre-Auguste Renoir, Jean Renoir foi um dos menos conhecidos pioneiros do cinema. A carreira dele resultaria mais tarde em filmes realistas convencionais como A Grande Ilusão (1935) e Regras do Jogo (1937). Mas a sua primeira fase composta por filmes mudos foi subestimada e incompreendida no seu tempo, obrigando Renoir a vender quadros do pai famoso para financiar seus filmes.

Essa primeira fase composta de nove filmes mudos é marcada pelo experimentalismo e temas engraçados e bizarros. Uma amostra dessa fase é o surpreendente curta de ficção científica Charleston Parade (1927) realizado em uma tacada só em três dias.



A produção foi condenada pela público puritano nos EUA pelos trajes mínimos e a dança lasciva da atriz Catherine Hessling (esposa e musa do diretor), além dos subtextos  de crítica anticolonialista e  racial.

O curta de Jean Renoir surpreende por ser uma ficção científica distópica em plena década de 1920, muito tempo antes das distopias Admirável Mundo Novo e1984 aparecerem no campo literário e depois serem adaptados ao cinema, ou das distopias pós-apocalípticas como Planeta dos Macacos de 1968.

O curta


Em 2028, um explorador decola da África em um futurista veículo esférico voador para visitar uma Europa destruída por alguma grande guerra. Pousa sua nave na cidade de Paris abandonada e em ruínas, para encontrar sentada na calçada uma garota em trajes sumários acompanhada de seu gorila de estimação que lhe ensina uma dança nativa: o Charleston.

A garota está de shorts curtos e suas pernas se espalham lascivamente. O explorador pousa sua nave futurista no topo de um poste. Ele é um homem negro (representado de forma estereotipada por um ator branco) vestido com trajes de “minstrel show” (show de canções jazzísticas). Depois de algumas cenas em estilo pastelão onde, frente a frente, o explorador e a mulher parisiense selvagem se conhecem, ela começa a dançar. Os passos da dança são mostrados didaticamente em câmera lenta e rápida.

Perplexo com a dança, o explorador pede um telefone para dar a notícia da descoberta. Numa gag visual que mais tarde os desenhos animados copiariam, a garota faz materializar o telefone desenhando o contorno com giz em uma parede. De forma surreal, lembrando as trucagens de Meliés em Viagem a Lua, a garota disca para telefonistas representados por anjos de cabeças aladas – uma deles é o próprio Renoir.

O restante do curta é praticamente um estudo dos passos de dança do Charleston com muitos detalhes em câmera lenta e rápida.

Uma realidade invertida


O curta Charleston Parade é uma obra obscura e estranha. Raramente tem sido antologizada em DVDs sobre a obra do diretor. Certamente devido à sátira racial politicamente incorreta para os tempos atuais.

Renoir cria uma realidade alternativa invertida que parece fazer uma sátira à visão colonialista do europeu no período entre guerras. No filme, o continente europeu parece que foi arrasado por alguma guerra mundial, enquanto a África tornou-se um continente cultural e tecnologicamente avançado depois de décadas.

Naquele momento, a indústria de entretenimento principalmente francesa e alemã, inundava o mercado das chamadas pulp fictions (livros e revista populares especializados em romances de mistério, sci fi e aventuras) com uma visão exótica da Ásia e África – mostrados como mundos estranhos opostos à civilização europeia.


Essa visões romanceadas de outras culturas e povos fazia parte a expansão colonialista alemã e francesa nesses continentes – como, por exemplo, Congo, Nigéria, Camarões e Togo pelos franceses e o  Sudoeste africano pelos alemães antes da Primeira Guerra.

Em plena depressão econômica e hiperinflação que mergulhou a Europa sob os escombros da Primeira Guerra, essa literatura oferecia um momento de fuga, de escapismo da imaginação para selvas misteriosas com animais mitológicos e perigosas tribos de negros canibais.

Renoir simplesmente inverte tudo, mostrando o negro como uma cultura civilizada de vanguarda tecnológica, enquanto os brancos se tornaram selvagens, onde os sobreviventes dançam nas ruas de Paris um estranho ritmo chamado Charleston – na verdade, uma sintética criação a partir de ritmos da cultura negra norte-americana.

O Charleston

No ano em que Renoir lançou esse curta, o Charleston estava no auge do sucesso naquela década, e na França seu maior representante era a cantora e dançarina negra Josephine Baker com seu shows no Folies Bergère em Paris.

A ironia do curta Charleston Parade é que Renoir faz uma pequena história futurista de como o Charleston foi redescoberto pela nova geração e se tornou moda na África civilizada.

O ator branco que faz o explorador com uma máscara negra e luvas brancas e a sua roupa de “minstrel show” do teatro de variedades norte-americano se assemelha ao ator Al Jolson no filme O Cantor de Jazz, o primeiro filme sonorizado lançado naquele ano nos EUA. 

A ironia de Renoir poderia ter sido mais radical, colocando uma atriz negra (Josephine Baker, por exemplo) com uma máscara branca, dançando o Charleston. Mas se isso acontecesse, o diretor não poderia colocar a sua esposa e musa inspiradora Catherine Hessling como a estrela da produção.





  
Esses camaradas são os maiores propagadores do comunismo no mundo (aqui)

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