sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

AMBOS HOMOSSEXUAIS, PAI E FILHA CASAM NO MESMO DIA


(Foto Arquivo Pessoal)

A questão do casamento igualitário tem sido pauta constante em diversos locais. Países como Uruguai e França travaram, recentemente, batalhas com os setores mais conservadores e aprovaram o direito; no Brasil, enquanto a questão não avança no Legislativo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução que obriga os cartórios a converterem as uniões estáveis em casamento e a celebrar casamentos homoafetivos.
No terreno da ficção, a novela das 21h da Rede Globo, “Amor à vida”, tem tratado da questão abertamente, sem cair em estereótipos fáceis. No próximo folhetim, “Em Família”, de autoria de Manuel Carlos, a protagonista será lésbica. E é dentro deste contexto que nos deparamos com a história de Laise Homem, 23, e de seu pai, Elvio Magnus Homem, 46, que resolveram casar no mesmo dia: ela com a sua namorada, Akristian Morretti, 24, e ele com o seu namorado, Néliton Langer Scheffer, 24.
Laise conversou com a reportagem da revista Fórum e contou como surgiu a ideia de realizar os dois casamentos no mesmo dia. Na entrevista abaixo, ela, também conhecida como Gai Nox, revela que a sua mãe, quando recebeu a notícia, disse que não iria à cerimônia, mas hoje (10), mudou de posição e os apoia.
Revista Fórum – Quem se assumiu pra quem antes: você ao seu pai ou o contrário?
Laise Homem - Se assumir mesmo, falar abertamente sobre isso, foi praticamente juntos. Eu já morava em Caxias, meus pais sabiam, mas não diretamente de mim. Certa vez eles vieram me visitar e me questionaram sobre o assunto, foi onde conversamos e deixamos tudo esclarecido.
Fórum - Quando soube que o seu pai era gay, como foi a sua reação?
Laise - Sempre fui muito próxima a meu pai e muito ciumenta em relação a ele também. Quando soube que ele estava namorando com o Neli, a primeira reação foi ciúme (risos). Se fosse com uma mulher, a reação seria a mesma.
Fórum – E a ideia de vocês casarem no mesmo dia, como surgiu?
Laise - A princípio, meu pai iria casar com o namorado dele. Eu e a Kris também tínhamos vontade de formalizar nossa relação, então, conversamos com meu pai e o namorado. Eles aceitaram e ficaram muito felizes.
Fórum – Os amigos, como têm reagido? E a família, muita resistência? Preconceito?
Laise - Nós éramos evangélicos. Tiveram alguns deles, mais preconceituosos e conservadores, que se afastaram. Mas a grande maioria tem se aproximado ainda mais depois que souberam da nossa história, de como tudo começou e os rumos que estão tomando. A família reagiu contra no início, mas, como tem visto que ambas as relações são algo sério, estão aceitando ou ao menos respeitando nossa relação.
Um outro ponto é que alguns, quando ficaram sabendo, talvez imaginassem que mudaríamos nossa forma de ser ou de nos relacionar com eles. Como viram que nada mudou, que somos as mesmas pessoas de sempre, isso contribuiu fortemente para que entendessem o nosso sentimento e percebessem que nós nos amamos e somos privilegiados por esse sentimento correspondido.
Fórum – E a sua mãe, como lida com isso, filha e ex-marido casando no mesmo dia?
Laise - A princípio, disse que não compareceria na cerimônia. Um pouco, talvez, influenciada pelos colegas de trabalho. Mas depois que conversamos sobre o assunto, ficou tudo bem. Meus pais se separaram mantendo um forte vínculo de amizade. Continuaram amigos. Minha mãe adora o namorado do pai, sendo que constantemente vai na casa deles, saem juntos. Convivem em harmonia. Nas festas de família, estão sempre juntos.
Fórum – De que maneira vocês gostariam que as pessoas olhassem para essa história?
Laise - Como uma história de amor, onde o amor venceu o preconceito. Após revelarmos nossa história, nosso sentimento, muitas pessoas têm vindo nos falar que também já sentiram algo especial por uma pessoa do mesmo sexo, mas que, por preconceito próprio e com medo de julgamentos da sociedade e da família, acabaram sufocando o que sentiam.
Fórum – Vocês temem exposição pública?
Laise - Meu pai sempre foi um homem público. É funcionário público do estado de Santa Catarina (SC), foi vereador e líder evangélico. Dirigiu a igreja por muito tempo. Quando conheceu o Néliton, namorado dele, decidiu primar pela sua felicidade, independentemente de julgamentos. Hoje, na cidade dele, todos sabem e o respeitam da mesma forma que anteriormente. Ele se expôs, mas manteve a decência, o respeito e isso fez com que todos os aceitassem e os quisessem no núcleo de amizades. Eu e a Kris somos donas de uma produtora de eventos, a Choice Partyy, além disso, sou promoter de uma boate em Caxias do Sul e a Kris é DJ. Por causa dos nossos trabalhos temos uma certa exposição pública.
Fórum – Na atual novela das 21h (Amor à vida) temos dois casais homossexuais e que também tiveram e adotaram filhos. Acha que a novela ajuda na diminuição do preconceito? 

Laise - Como toda novela tem um pouco de humor, pornochanchada, as opiniões mudam muito. Se tratassem com mais seriedade, talvez houvesse uma aceitação maior por um público mais amplo. Mas só em se estar tratando o tema em horário nobre, tal como a adoção e o amor entre dois homens, já tem contribuído. Quem não ficou horrorizado e não ficou odiando a Amarilys, que entrou na relação do Niko e do Eron fazendo a vida deles virar de pernas para cima? Quem não torceu para que o Nico ficasse com a guarda do bebê? Então, no meu ponto de vista, contribui sim para a diminuição do preconceito.

Fórum – Considera o ato de vocês, de se casar no mesmo dia, um ato político? 
Laise - Sim e não. Não temos intenção alguma em casar no mesmo dia que não seja a nossa felicidade. Não foi algo pensado, planejado. As coisas foram acontecendo gradativamente. Ficamos sabendo do casamento do pai e do Néliton, e então decidimos conversar com eles, a fim de diminuir gastos e tal, uma vez que a maioria dos convidados seria em comum: familiares meus e do pai, além de amigos dos dois. Claro que depois de decidirmos que assim seria feito e começarmos a montar a cerimônia e fazer os preparativos, muitas pessoas, amigos, conhecidos e colegas de trabalho têm se convidado para ir a nosso casamento, querendo estar presentes nesse evento. Não estou falando de amigos gays, mas sim amigos héteros. Meu pai tem uma loja na cidade dele, e a grande maioria dos clientes têm manifestado o desejo de comparecer.
Sobre ser um ato político, agora, vendo a situação, as manifestações de outras pessoas que sonharam em viver algo assim, talvez possa ser, sim, um ato político. Será um fato marcante em nossa cidade, região, estado ou até no Brasil mesmo, pois nunca houve na história de nosso país um pai e uma filha se casarem numa cerimônia homoafetiva no mesmo instante. Certamente fará com que muitas pessoas sejam encorajadas a viver um grande amor, seja hétero ou homo.




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