TENTATIVA DE VENDER ESCOLA PÚBLICA QUANDO PREFEITA VIRA BOMBA-RELÓGIO PARA MARTA SUPLICY
Na vida real, a história era muito mais apimentada: no terreno pertencente à Prefeitura havia uma grande construção, de pé há 66 anos na época, onde funcionava (e graças a Deus continua funcionando) uma escola pública do estado que atendia a precisos 1.492 alunos, a Escola Estadual Martim Francisco. Além disso, anexo a ela funcionava (e lá prossegue, felizmente) um centro de saúde (a Unidade Básica de Saúde Max Perlman), pertencente à própria Prefeitura, que tinha acabado de reformá-lo e reequipá-lo.
Felizmente para os paulistanos, em 2005, o recém-empossado prefeito José Serra (PSDB) ingressou em juízo contra a empresa beneficiada pelo negócio, obteve uma decisão liminar e a empresa decidiu fazer acordo, que consistiu no chamado “desfazimento” do negócio, o que ocorreu na gestão do sucessor de Serra, Gilberto Kassab (DEM). Este processo já foi encerrado, e o imóvel continua sob domínio pleno da Prefeitura.
18/06/2011 às 19:54 \ Política & Cia
Duas vistas do complexo que abriga a Escola Estadual Martim Francisco e o centro de saúde
Duas vistas do complexo que abriga a Escola Estadual Martim Francisco e o centro de saúde
Amigos, com a reedição deste post iniciamos um série que, brincando, chamamos de “Campeões de Audiência” porque se trata de reapresentar aos muitos leitores novos do blog, em dias diferentes, os 30 posts mais acessados desde o início desta coluna, a 13 de setembro de 2010.
Refiro-me aos posts mais acessados, e não aos mais comentados, já que há posts com grande número de acessos que, por uma ou outra razão, os leitores comentam pouco. O post abaixo foi publicado originalmente em 16 de setembro de 2010.
Tramita na 8ª Vara da Fazenda Pública, na capital paulista, uma bomba-relógio que poderá atingir a atual candidata favorita ao Senado por São Paulo, Marta Suplicy (PT). Se condenada, Marta poderá sofrer as penas da Lei da Improbidade Administrativa, inclusive perda de seu possível mandato, suspensão dos direitos políticos, pesada multa e ressarcimento de prejuízos que possa haver causado aos cofres públicos.
Marta não está sendo processada por um partido político rival, ou por grupos anti-petistas nem algo do gênero, mas pelo Ministério Público, cujo dever, segundo a Constituição, é zelar pelo cumprimento da lei e pelos direitos dos cidadãos.
No final de seu mandato como prefeita da capital, em dezembro de 2004, ela armou um negócio que, revestido de formalidades legais, foi do ponto de vista moral um escândalo, equivalente à venda de uma praça pública que tornou famoso um governador de outro estado nos anos 50.
História cabeluda, que à frente acabou não se consumando – não por causa de Marta, mas a despeito dela.
O processo, para quem quiser conferir, tem o número 053.07.125765-9.
Formalmente, tudo parecia lindo. A prefeitura era proprietária, num bairro residencial, de um terreno que vinha sendo utilizado pelo governo do estado. Marta pediu-o de volta para trocá-lo por outro, de área muito maior, localizado numa região periférica, próxima à Rodovia Raposo Tavares. Para isso, enviou projeto à Câmara Municipal, que o aprovou em dois turnos de votação. O projeto se transformou na lei nº 13.938, publicada no “Diário Oficial” do município na terça-feira, 28 de dezembro de 2004.
VITAMINAR O CAIXA — Esse terreno maior seria doado pela Prefeitura à Cohab – empresa municipal de economia mista executora da política habitacional da cidade – e, sobre ele, entre outras coisas, se ergueria um conjunto residencial. Adicionalmente, a prefeitura poderia obter um crédito de algumas dezenas de milhões de reais graças a uma complexa operação financeira envolvendo a área.
Beleza: a prefeita terminaria o mandato encaminhando a construção de novas habitações populares (apregoava-se que seriam 3.500). Além do mais, o negócio vitaminaria os combalidos caixas municipais em 60, 70 milhões de reais, facilitando seu ajuste aos rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal – parte da “herança maldita” que o PT alega ter recebido do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e que, hoje, permite governar na bonança.
Na vida real, a história era muito mais apimentada: no terreno pertencente à Prefeitura havia uma grande construção, de pé há 66 anos na época, onde funcionava (e graças a Deus continua funcionando) uma escola pública do estado que atendia a precisos 1.492 alunos, a Escola Estadual Martim Francisco. Além disso, anexo a ela funcionava (e lá prossegue, felizmente) um centro de saúde (a Unidade Básica de Saúde Max Perlman), pertencente à própria Prefeitura, que tinha acabado de reformá-lo e reequipá-lo.
O negócio significaria a transferência do terreno para investidores, o desmanche puro e simples de uma escola pública – com o qual, inexplicavelmente, concordou a Secretaria Estadual de Educação, pilotada, aliás, pelo hoje candidato pelo PSB a deputado federal Gabriel Chalita – e, muito provavelmente, o fechamento do posto de saúde.
BAIRRO MAIS VALORIZADO DO BRASIL — Por coincidência, por mero acaso, naturalmente, o prédio inaugurado em 1938 onde estudavam esses 1.492 jovens, pobres na maioria, e o edifício anexo em que são atendidas milhares de pessoas com problemas de saúde, ocupam um quarteirão inteirinho, um portentoso quarteirão sombreado por centenas de árvores de grande porte e fincado no bairro residencial que talvez seja, hoje mais valorizado do Brasil – a Vila Nova Conceição.
Constituído por algumas dezenas de quarteirões, a Vila Nova Conceição é um quase milagre urbano numa megalópole como São Paulo.
O bairro tem como sua extensão natural o mais conhecido e bem tratado espaço público de lazer da cidade, o Parque do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer e Burle Marx para o quarto centenário de São Paulo, em 1954 – um oásis de 1,6 milhão de metros quadrados de verde salpicados por três museus e dois lagos.
Situa-se a poucos minutos dos Jardins, o badalado e fervilhante conjunto de bairros de classe média alta, seu comércio e seus escritórios. Vários grandes shoppings estão a um pulo dali. Muito bem policiado, tem acesso fácil e rápido ao centro, por meio de duas grandes avenidas, e fica a poucas quadras da Marginal do Rio Pinheiros, via expressa que serpenteia por boa parte da cidade. Por fim, está um passo do Aeroporto de Congonhas, sem contudo ser incomodado por seu barulho.
PERTINHO DA DASLU — Por tudo isso, o tranqüilo pedaço da cidade onde até os anos 70 casas térreas continuavam ostentando hortas no quintal virou alvo de uma furiosa especulação imobiliária. Hoje, em meio a edifícios de classe média alta, inclui também prédios nababescos, com apartamentos de 1.500 metros quadrados, preços de sete dígitos em dólar e garagens forradas de automóveis importados reluzentes – até as raríssimas Ferrari circulam no bairro. Num desses prédios, mora a bilionária greco-francesa Athina Onassis, neta do legendário armador Aristóteles Onassis.
Por coincidência, por mero acaso, é claro, a velha escola Martim Francisco e seu terrenão se situam a exatamente um quarteirão da que era, à época, a Daslu, a megabutique mais cara do país. E os investidores que se apossariam do terreno, uma certa Pan American Estádios Ltda, subsidiária do fundo de investimentos HMTF – o mesmo que no passado esteve associado ao futebol do Corinthians e com sede em dois paraísos fiscais – têm, vejam só, interesses no mercado imobiliário.
Ou seja, a velha Martim Francisco, que educou centenas de milhares de brasileiros ao longo de sua história, iria virar um ou mais edifícios de alto padrão.
PASSAGENS NEBULOSAS — Essa história está cheia de passagens nebulosas. Corretores imobiliários, em contato com vereadores, contestaram o valor (para baixo) pelo qual o terreno da escola entrou na operação, bem como o valor (para cima) conferido à área próxima à Raposo Tavares.
A prefeita Marta resolveu enviar o projeto à Câmara no apagar dos holofotes de seu mandato. A Câmara, a toque de caixa, aprovou convenientemente a coisa toda a dois dias do Natal, à noite, em sessão praticamente secreta – e além de tudo com o voto de magotes de vereadores não reeleitos nas eleições de dois meses antes e que, portanto, não voltariam à Casa nem teriam que prestar contas a eleitores.
Sem explicações, a Câmara deixou de realizar uma segunda audiência pública sobre o tema, como exigido pela Lei Orgânica do Município, por tratar-se de projeto com impacto na formação educacional de crianças. Especialistas acrescentam ainda a falta de uma licitação pública, que seria necessária em tal hipótese.
Por sua vez, o à época secretário estadual de Educação, Gabriel Chalita, então no PSDB do governador Geraldo Alckmin, colaborou com a máxima boa vontade para a transação imobiliária, explicando em ofício aos vereadores que uma escola onde estudavam milhar e meio de jovens estava “ociosa” (ela supostamente entraria num programa permanente de redistribuição de alunos pelos equipamentos públicos do Estado).
CHALITA SUMIU NA HORA H — Por via das dúvidas, Chalita sumiu na hora H, realizando uma oportuna viagem ao exterior justamente quando começaram os protestos dos moradores do bairro e de alunos e seus pais.
Alguém na Secretaria proibiu professores da Escola de falar com a imprensa. Mesmo assim, diretores de escolas próximas informaram não ter como abrigar os alunos que seriam desalojados da Martim Francisco, ao contrário do que sustentava a Secretaria da Educação.
Finalmente, descobriu-se um documento oficial da Prefeitura que, em julho daquele mesmo ano, acenava com planos para transformar o terreno da escola, caso ela estivesse realmente ociosa, em “área pública de lazer”, e não num espigão privado para milionários.
Apesar do surpreendente desinteresse da grande mídia pelo assunto, com as exceções de praxe, como o colunista da Folha de S. PauloGilberto Dimenstein, houve reação antes de se começar o corte das grandes árvores e as marretadas com que se pretendia demolir o velho prédio da Escola Estadual Martim Francisco. Seis vereadores (cinco deles do PT) se recusaram a votar na sessão da Câmara que aprovou a transação, dizendo que iriam à Justiça para barrá-la.
MANIFESTAÇÕES DE PROTESTO — Houve diversas manifestações contra a venda, diante da escola, uma delas capitaneada pelo sindicato de professores do Estado – tradicional baluarte do petismo sindical – e na qual falaram, entre outras personalidades, a professora da USP Maria Victoria Benevides, petista histórica e amiga pessoal do presidente Lula.
Uma faixa estendida no local invertia o slogan da primeira campanha eleitoral de Lula, dizendo que “O medo venceu a esperança” e relacionando os 30 vereadores (de um total de 55) que votaram a favor da lei autorizando o negócio. Outra faixa acusava de “maracutaia” a prefeita Marta Suplicy. Os manifestantes saíram em seguida em passeata pelo bairro. Um carro de som tocava “Coração de Estudante”.
Felizmente para os paulistanos, em 2005, o recém-empossado prefeito José Serra (PSDB) ingressou em juízo contra a empresa beneficiada pelo negócio, obteve uma decisão liminar e a empresa decidiu fazer acordo, que consistiu no chamado “desfazimento” do negócio, o que ocorreu na gestão do sucessor de Serra, Gilberto Kassab (DEM). Este processo já foi encerrado, e o imóvel continua sob domínio pleno da Prefeitura.
Uma segunda ação, esta civil pública, movida pelo Ministério Público destinada a manter o “uso especial” do terreno (para escola e centro de saúde) ainda não se encerrou mas perdeu o sentido com o destrato.
O QUE DIZ O MINISTÉRIO PÚBLICO — Continua correndo, porém, a ação para enquadrar a candidata do PT ao Senado nos duros rigores da Lei de Improbidade Administrativa.
Segundo o MP, a prefeita teria promovido “o benefício da empresa permutante, que pretendia a área da Vila Nova Conceição, de elevado valor e interesse imobiliário, para realizar incorporação de edifício de alto padrão”, e que “o imóvel dado em permuta não refletia contrapartida suficiente”. O município de São Paulo juntou-se como parte ao MP na ação.
Tags: escândalo, escola, Gabriel Chalita, Gilberto Dimenstein, Gilberto Kassab,Improbidade Administrativa, José Serra, Maria Victoria Benevides, Marta Suplicy,Ministério Público, PSB, PSDB, PT
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