sábado, 8 de setembro de 2012

A Felicidade Não Se Compra
A Felicidade Não Se Compra (It’s a Wonderful Life, EUA, 1946). Brasil, Edição Versátil. Áudio: Inglês Mono, 2.0 ou DTS HD. Leg: Português. Preto e Branco. 132 min. Standard 1.33. Censura Livre.
Produzido por Liberty Films/RKO. Direção de Frank Capra. Roteiro de Frances Goodrich, Albert Hackett, Frank Capra e Jo Swerling. Fotografia de Joseph Walker. Música de Dimitri Tiomkin. Elenco: James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers, Gloria Grahame, Beulah Bondi, Frank Faylen, Ward Bond, H. B. Warner, Frank Albertson, Samuel S. Hinds, Argentina Brunetti, Mary Treen.
Sinopse: Na véspera de Natal, um homem que está prestes a cometer suicídio é ajudado por um atrapalhado anjo da guarda que vem mostrar como seria a cidadezinha Bedford Falls em que ele morou a vida toda, caso ele não  tivesse existido.
felicidade Revisitando clássicos: <i>A Felicidade Não Se Compra</i>
Comentários: Este é um filme lendário, certamente o melhor já feito sobre o Natal. Foi produzido pela firma independente Liberty, de propriedade de Frank Capra, George Stevens e William Wyler, que havia sido criada para eles terem toda liberdade de criação (principalmente depois de terem servido na Segunda Guerra), mas que faliu quando este filme foi um grande fracasso, porque não conseguiu cobrir seu alto custo de produção, cerca de US$ 3 milhões e 700 mil e rendeu na estreia 400 mil a menos (não apenas este foi mal, mas também o posterior Sua Esposa e o Mundo, 48).
Os outros dois não fizeram os filmes previstos e Capra credita a Liberty como responsável pela decadência de sua carreira profissional. Como esqueceram de renovar os direitos autorais, o filme caiu em 1974 em domínio público e dessa forma foi exibido inúmeras vezes pela televisão americana, especialmente na época de Natal, criando assim uma reputação de clássico (sendo citado muitas vezes em fitas alheias e até refeita para a televisão com Marlo Thomas).
A versão oficial hoje pertence à distribuidora Republic e existe em Blu-ray pela Paramount nos EUA desde 2009 (também em versão colorizada). A edição nacional é de boa qualidade, traz o mesmo que a americano, além do trailer um making of, de 22 minutos, um pouco antigo, apresentado por Tom Bosley com depoimentos antigos de Capra e James Stewart e mais um recente do coadjuvante Sheldon Leonard (que faz o dono do bar). Outra coisa importante: não é tela cheia, mas conversa o formato original mais quadrado do cinema da época (como, aliás, sucede também com Cidadão Kane).
felicidade1 Revisitando clássicos: <i>A Felicidade Não Se Compra</i>O filme
Não tinha idade para ver a estreia, mas me lembro do filme numa reprise nos anos 60 (em Santos num grande cinema lançador, o Roxy, que, aliás, existe até hoje agora como Multiplex). A sensação que tive foi um filme que me fez chorar muito, coisa não muito comum na cínica  adolescência. Mas pensei que fosse um caso particular, vai ver era babaquice minha. Só anos mais tarde foi que me dei conta que o filme havia sido redescoberto e era saudado como uma obra-prima popular e ainda por cima de um cineasta que teve em seu apogeu, uma série de fitas extraordinárias: Frank Capra (1897-1991).
Revendo sua obra percebe-se como seus filmes resistiram bem ao tempo, nem tanto por causa de sua mensagem populista, sua fé no homem comum, na bondade intrínseca do ser humano (portanto sua ingenuidade). Procurem conhecer os filmes de seu apogeu, todos disponíveis em Home Vídeo (mas não Blu-ray): Aconteceu naquela Noite (34), O Galante Mr. Deeds (36), Horizonte Perdido (37), Do Mundo nada se Leva (38) , Adorável Vagabundo (41).
A Felicidade Não se Compra não é mau título nacional em vez do otimistaÉ uma Vida Maravilhosa do original. Este foi seu primeiro filme depois de um longo período em que trabalhou no Esforço de Guerra, documentando o conflito e o que viu, e o que passou certamente marcaram sua vida e seu maneira de ser. Mas não perdeu a confiança na humanidade. Tanto que preferiu voltar  com esta fábula, novamente com uma mensagem que todo mundo vai entender: qualquer um, por mais insignificante que seja, faz falta no mundo, tem seu lugar, sua função. Pela primeira vez também parte para uma abertura espiritual admitindo um anjo, ainda que ele seja incompetente e bonzinho (a frase que ficou famosa é a que diz no final que “toda vez que toca um sino é sinal de que um anjo ganhou suas asas”).
felicidade2 Revisitando clássicos: <i>A Felicidade Não Se Compra</i>
O grande segredo de Capra, porém, não era tanto seus temas, mas a habilidade que tinha para escolher elenco e os conduzi-los da melhor forma, até os figurantes e coadjuvantes (que formavam sempre uma espécie de troupe regular, uma companhia de repertório que retornava a cada fita, todos brilhantes e sempre dando um toque de humanidade às cenas mais simplistas que fossem). Neste filme todos estão perfeitos, mas ninguém melhor do que a dupla central, em particular Stewart, que faz o herói que vive numa cidadezinha qualquer sonhando em sair dela e viajar pelo mundo. Mas a vida nunca lhe permitiu.
Ele sempre se sacrificou pelos outros e acabou ficando por ali mesmo. Conseguiu se casar com a melhor garota da região e reconstruíram a casa de seus sonhos. Mas seguindo o exemplo do pai, ele tentou o impossível: ser um homem que empresta dinheiro e continua sendo honesto e justo com o povo. O que provoca a ira do homem mais rico da cidade, uma espécie de Scrooge (Lionel Barrymore, da ilustre família teatral e tio-avô de Drew) que quando não consegue comprá-lo, tenta destruí-lo. É quando pensa em se matar, mas o anjo lhe mostra o que teria sido da cidade e das pessoas sem sua presença (quero ver se você consegue ficar com os olhos secos!). Quando ele mais precisa, ao contrário do que acontece na vida real, os amigos estão ali para lhe ajudar, porque como diz a mensagem, “nenhum homem é pobre quando ele tem amigos!”. Não é bonito esse mundo de Capra, talvez por isso seja nos faz chorar. Tão diferente do real. Mas enfim... É cinema e Natal.
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O elenco
A história original de Phillip VanDoren nasceu como um cartão de Natal, um conto que o autor mandou imprimir 200 cópias e mando para os amigos. A RKO gostou muito e o comprou por US$ 10 mil. Escreveram três roteiros em cima dele, mas acabaram desistindo do projeto.
Quando Capra voltou da Guerra, leu o projeto e o comprou pelo mesmo preço (ou seja, dez mil), mas levou como lambuja o diretor de usar o melhor dos três scripts (por isso que o filme tem tantos créditos de autores). A ideia  original da RKO era fazer o filme com Cary Grant (mas este fez antes outro filme natalino, Um  Anjo Caiu do Céu) e Capra queria sua atriz preferida Jean Arthur (só que estava já comprometida com peça na Broadway).
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Chamou então James Stewart (1908-97), que voltava de brilhante e heróico carreira na Força Aérea, durante a Guerra) e ainda estava inseguro, sentindo-se enferrujado. Para sua bem amada esposa deu a primeira chance de estrela para uma jovem atriz da MGM,  Donna Reed 1921-1986 (que eventualmente ganharia um Oscar de coadjuvante porA Um Passo da Eternidade e depois seria a mãe perfeita do seriado de TVThe Donna Reed Show).
Ela disputou com Ann Dvorak, Ginger Rogers e Olivia de Havillando Lionel Barrymore, que faz o vilão e que na vida real era realmente paralítico e em cadeira de rodas aceitou o papel sem ler o roteiro (mas foram considerados também Vincent Price, Claude Rains, Charles Coburn e Edgar Buchanan). Como o tio, feito por Thomas Mitchell foram considerados Walter Brennan, Barry Fitzgerald, W.C. Fields e Adolph Menjou).
Como a mãe pela quinta vez em sua carreira, Beulah Bond interpretou a mãe de Jimmy Stewart. Como o farmacêutico bêbado deu uma chance para H.B. Warner, famoso como Jesus em O  Rei dos Reis de DeMille. Como o anjo Clarence, outro coadjuvante com cara de bonzinho, Henry Travers. Outro destaque no filme é a revelação como Violet de Gloria Grahame (1923-81), então loira e  que seria uma das grandes mulheres femmes fatale do film noir e levaria o Oscar de coadjuvante por Assim Estava Escrito (52).
Jimmy, o Corvo, o pássaro em cima da mesa de Thomas Mitchell, era a marca do diretor, apareceu em todos os filmes de Capra, desde DoMundo nada se Leva (1938). A cidade de Bedford Falls foi criada nos estúdios da RKO (hoje faz parte da Paramount). Tanto Stewart quanto Capra afirmavam ser este seu filme preferido deles. Apesar do fracasso, a fita  chegou a ser indicada aos Oscars de melhor filme, diretor, ator e montagem. Não fez mais sucesso porque saiu junto com Os Melhores Anos de Nossa Vida, que foi um grande estouro. Além disso, estreou às pressas quando não conseguiram cópias a tempo em Technicolor de Simbad, o Marujo (iria estrear somente em 47, mas foi apressado para dezembro de 46). Também não se pagou porque foi muito caro ao reconstruir os grandes sets que representam a cidade (os mais longos já feitos para um filme americano até então, quatro acres no rancho de Encino da RKO. O Bailey Park foi recriado em La Crescenta, Califórnia).
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O filme também trouxe inovações. Antes se usavam cornflakes (de milho) para dar efeito de neve, mas para o projeto foi desenvolvido especialmente uma nova composição com Foamite e gêsso misturada com sabão e água. Por isto o departamento de efeitos especiais ganhou um premio técnico da Academia.
Algumas curiosidades: o filme originalmente terminava com a música Ode to Joy e não Auld Lang Syne, como agora. Quando Tio Billy sai bêbado da casa de George, ouve-se um grande barulho. Foi um acidente, um técnico deixou cair um equipamento e Capra resolveu utilizar a cena dessa forma, dando a impressão que o Tio caiu. Na cena em que Donna Reed joga uma pedra na Granville House, foi ela mesmo que demonstrou ter ótima pontaria. James Stewart estava nervoso na cena do beijo no telefone, mas a cena foi filmada sem ensaio, meio improvisada (e cortando uma pagina inteira de diálogo). Capra gostou tanto que a deixou deste jeito atual (que chegou a provocar problemas com os censores que exigiram também cortar do script palavras como  impotente, Jerk, lousy, dang e nuts!).
Também foi improvisado o pedido da atriz Ellen Corby na cena do banco assim como o beijo que Jimmy lhe dão. Em 1947, um analista do FBI fez relatório onde dizia que o filme obviamente tenta desacreditar os banqueiros e que isso era uma técnica tradicional dos comunistas. A cena do concurso de dança Charleston num ginásio que vira piscina foi feita num lugar verdadeiro, a Beverly Hills High School em Los Angeles. E quem faz o apronto é o Carl Alfafa, famoso da série Our Gang.
felicidade6 Revisitando clássicos: <i>A Felicidade Não Se Compra</i>
Esta foi a primeira e última vez que Frank Capra produziu, financiou, dirigiu e co-escreveu um de seus filmes (dizem que Dalton Trumbo, Dorothy Parker, e Clifford Odets também mexerem no script sem crédito).Todo o filme foi rodado durante o verão, durante onda de calor e por isso Jimmy aparece suando na hora errada.
Foi votado pelo American Film Institute em primeiro lugar como o filme que mais inspira as pessoas e também como primeiro no filme mais poderoso de todos os tempos. Mas ficou em 3° dentro do gênero fantasia e vigésimo dentro os melhores de todos os tempos.
No roteiro original Clarence confronta Potter e chega a lhe dizer: "Feliz Ano Novo para o Sr, na cadeia" (Capra diz que recebeu o maior número de reclamações em toda sua vida porque não castigou o vilão!) .
O filme ganhou o Globo de ouro de diretor e foi indicado para Oscars de ator (Jimmy), diretor, montagem, filme, som.
Este é daqueles que realmente você tem que assistir uma vez na vida e é bem capaz de se viciar!

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